A nevasca lá fora caía com muita intensidade, e Miku se contorcia de frio. Seu aquecedor estava ligado, mas por não estar na época de uso, não era tão eficaz.

Seu corpo era coberto por três grossas camadas de cobertores, um deles elétrico, mas não parecia suficiente para aquecê-la. As pontas de seus dedos pareciam congelados e seu nariz estava geladíssimo.

Ela gemeu só pelo medo de se mexer e esfriar ainda mais.

Foi uma noite longa, com apagões de sono tortuosos e a impressão de que a noite nunca acabaria ficou marcada nela durante suas horas acordada.

Para seu alívio, na sétima ou oitava vez em que recobrara a consciência, raios de sol atravessavam suas cortinas, indicando o início de um novo dia. Mesmo que acordada, só levantou quando o despertador em seu celular tocou.

Uma espreguiçada demorada foi o necessário para que se sentisse revigorada novamente.

Saiu do quarto de mansinho, evitando ao máximo fazer barulhos e acordar seu irmão. O pobre coitado ficara até tarde estudando novamente, e Miku não queria deixa-lo ainda pior.

Sua cozinha não tinha muitos ingredientes para um café da manhã nutritivo e atraente, mas ela fez o que pôde. Descascou uma laranja e fez um suco sem açúcar de última hora, e esquentou um pouco de arroz para seu desjejum. Não era o seu favorito, mas havia crescido em uma família tradicional, e já era costumeiro comer arroz puro e algum suco acompanhando. Tinha sobrevivido bem disso até aquele ponto.

Quando terminou de lavar o que havia sujado, seu celular vibrou em cima do balcão de mármore.

Enxugando as mãos em um pano, ela pegou o celular e o olhou. No relógio, sete e meia eram as horas, e abaixo, suas mensagens. Três de Rin, uma de Luka e uma de Kaito. Ela ignorou as duas primeiras completamente e abriu primeiro a de quem interessava.

Bom dia, amor. Era o que dizia a mensagem dele.

Ela arqueou as sobrancelhas institivamente.

Como conseguiu meu número? Mandou para ele. Estava quase em seu banheiro quando o celular vibrou em resposta.

Eu tenho minhas fontes. Mas isso não importa. Quero que saía comigo hoje.

E o que te faz pensar que eu sairia com você? Tenho meus planos. Ela digitou com raiva ao ver a petulância que ele tinha.

Estudar não conta. É uma feira da renascença. Você adorava isso. Porque não dá uma chance? Nunca te fiz se arrepender de nada.

Nada?

É sua última chance de dizer sim. Mas duvido que eu acharia outra garota que gostaria de me fazer companhia. Ou melhor. Outra você pra me fazer companhia.

Ela pensou um pouco antes de responder.

Esteja aqui às sete e meia. E desligou o telefone, sem querer ler mais nada.

***

Na hora do almoço, Rin apareceu na porta da faculdade para que as duas fossem almoçar.

– E ai? – ela cumprimentou, se descorando de seu carro. – Como foi a aula?

– Ah, o mesmo de sempre – Miku respondeu, casualmente – Já decidiu onde vamos almoçar.

Rin riu, como se fosse uma pergunta nova.

– No de sempre.

Vinte e cinco minutos mais tarde, o carro parou na frente de Mcdonalds.

– Nossa, que surpresa. – Miku riu, entrando com ela e se sentando numa mesa. – Acho que nunca comi aqui antes. É bom?

– Não seja ignorante, amiguinha. É por minha conta.

Ela fez um sinal de zíper se fechando na boca.

– Então, planos para hoje? – Rin perguntou, parecendo pensar no que iria comer dessa vez.

– Não, nenhum. – não iria falar com Rin sobre a feira da renascença com Kaito. De jeito nenhum.

– Ótimo, por que eu tenho alguns planos pra nós! Ouvi o Len comentando sobre uma tal de “feira renascentista”. Nada que eu goste, na verdade, mas eu sei que você adora essas coisas. E, da última vez que saímos resolvemos ir pra um lugar que eu gostava, então te dei esse privilégio hoje. De nada.

Miku ficou sem palavras por três segundos, e quando conseguiu falar, só conseguiu um:

– Ahn... Ah, você quis dizer se eu tinha planos hoje? Ah, pois é, vão vir uns parentes lá pra casa, e o Mikuo me pediu para que eu não saísse. Sabe como é. Família. Mas obrigada. Fica pra próxima.

– Ah, sério? Que pena. De qualquer jeito, acho que eu vou com o Len então. Sei lá. Deve ser divertido.

Oh, droga. Droga. Droga, droga, droga! Mil vezes droga.

– Certo.

– Não se preocupe. – Rin se levantou para pegar seus pedidos. – Eu trago alguma coisa pra você. Agora, para o almoço. McChicken?

– É. McChicken.

Quando Rin se distanciou, Miku desabou sobre a mesa. Porque esse tipo de coisa só acontece comigo? E agora?

Ela respirou fundo e se ergueu. Iria para e essa feira e faria de tudo para que não fosse vista por Rin e ainda assim se divertisse. Afinal, não devia ser difícil, não é? Essas feiras são sempre lotadas. Cheias de tendas e jogos e todas as árvores do parque, camuflagem seria algo fácil. Agora voltando para outra questão. Onde conseguiria um vestido para aquela feira? Miku tinha uns dois de outras feiras, mas elas tinham sido há no mínimo quatro anos atrás, e seu corpo não conseguiria se espremer num deles. Pegou seu celular e discou um número rápido.

– Mikuo? – falou quando foi atendida – Você não tem aula hoje a tarde, tem? Ótimo. Preciso que me faça um favor. Compre um vestido medieval pra mim. É. Você ouviu. Não interessa. – ela enrubesceu. – Vai comprar o vestido ou não? Ótimo. Te vejo às quatro. Obrigada.

Ela desligou o celular e o guardou rapidamente, quando viu que Rin vinha com seus pedidos. A garota se sentou sem saber o porque de sua amiga está tão agitada.

– O que foi?

– Nada. – Miku respondeu com pressa. – Pediu com extra maionese?

– Você me subestima. – Rin sorriu.

Miku sorriu também. Mas provavelmente por motivos diferentes.

– Então, vamos comer logo. Tenho que estar de volta a faculdade. Finalmente vou conseguir fazer a entrevista pro estágio.

– Boa sorte. Vai precisar.

Miku riu.

– Infeliz, cala a boca.