Xadrez escrita por Senhorita Ellie


Capítulo 16
15 - Sobre Pessoas e Ruínas


Notas iniciais do capítulo

HEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEY *se esconde*
Sim, sim, eu sei que estou muito atrasada, e gente, esse capítulo foi minha prova de fogo com Xadrez, viu! Juro! Foram seis meses para terminá-lo e, se eu o terminei, não tem mais capítulo que me faça desistir dessa história e.e Eu chorei, fiquei desanimada, quis largar, reescrevi, reescrevi de novo, mudei mil passagens, mudei de ideia, coisas que iam acontecer foram reorganizadas.
E, enfim, estou postando :V
Não me matem por ele. Foi necessário, viu, gente? A história pede certas coisas que o escritor precisa dar. Mesmo que ele não queira :V

AH, E MUITO OBRIGADA À ACQUARELLE (que lindo seu nick, moce, adorei mesmo



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Ele apoiou a cabeça na porta, a mão travada na maçaneta, enquanto respirava fundo pela milésima vez, tentando reunir alguma coragem. Não era uma cena muito bonita, Davi sabia, muito menos digna, e ele agradeceu por Marta ser sua única companhia naquele momento. Apesar de bastante razoável para a maior parte das coisas, tudo o que dizia a respeito de fraquezas o jogava numa espiral autodestrutiva de orgulho, e Davi sabia que a mulher jamais o julgaria, independentemente do quão idiota fosse o que ele estava fazendo — e era idiota. Ele tinha dezessete anos nas costas, quase dezoito, e aquela definitivamente não era a hora de se comportar como uma criancinha assustada, mas...

Quando diz a respeito ao meu pai, parece que eu nunca saí dos quatorze anos. Ele bateu a testa novamente contra a porta, cuidadoso para não fazer nenhum som, mas forte o suficiente para sentir uma leve tontura. Parece que nós dois congelamos no momento daquela briga. Nenhum dos dois amadureceu um dia.

— Marta... — gemeu, encarando o chão. — Eu seria muito covarde se dissesse que quero voltar para meu quarto e nunca mais sair de lá?

A mulher, recostada displicentemente na parede ao lado da porta, tombou a cabeça para o lado, parecendo pensativa. Estava ali desde o momento em que Davi tinha travado em frente à porta e, até aquele momento, não dissera uma única palavra sobre seu comportamento estúpido. Na verdade, ela nem sequer parecia estar ali, encarando além das paredes com bastante interesse, evitando olhar para o garoto, como se para lhe dar privacidade; ele não podia dizer que não estava grato.

— Não seria covarde, mas seria infantil, e acho que já passamos dessa fase... — O tom de voz era ao mesmo tempo irônico e ponderativo. — Quer dizer... Ele não vai matar você, nem você vai fazer isso com ele; acho que ambos já têm maturidade suficiente para conseguirem se ignorar durante dez minutos na mesma sala! Não é porque vocês dois estão no mesmo ambiente que necessariamente precisam brigar, sabe?

Ele bufou. Muito útil, obrigada.

— Eu tentaria, se tivesse certeza de que ele também faria isso! — argumentou, indignado, sentindo-se novamente como uma criança a quem todos ouviam tolerantemente, mas ninguém escutava de fato. — Vocês todos vivem colocando a culpa em mim, dizendo que eu não sou maduro o suficiente, mas alguém por acaso já prestou atenção nele? No jeito que ele age perto de mim? Se eu sou criança, ele também é!

— Mas eu nunca disse que não era, menino — retrucou duramente, a voz entremeada com um suspiro cansado. — Olha, você sabia que não ia ser fácil e, mesmo assim, concordou com o convite da sua mãe. Não vai dar para trás agora, né? Olha só para você! — Ela fez um gesto amplo para ele, indicando os cabelos besuntados de creme para manter os cachos no formato, o terno caro que vestia, os sapatos pretos, quentes e sóbrios que exibia nos pés. — Eu gastei mais de uma hora para fazer você ficar apresentável desse jeito, menino, não me diga que vai agir como um pirralhinho e correr para o seu quarto. Vou pedir compensação, bonificação no salário ou uma semana com você trabalhando na cozinha no meu lugar, qualquer coisa, porque você tem ideia do quão mala é quando está contrariado?

Contra sua própria vontade, Davi se pegou rindo, porque Marta tinha razão; ele não facilitara para que a pobre mulher o arrumasse, transformando um ato que inicialmente se mostrava simples — nas palavras de Mônica, deixe o Davi arrumadinho para participar da festa, tudo bem? — numa sessão de spa torturante. Enquanto ela tentava desembaraçar seus cabelos, Davi só se fizera protestar, assim como também reclamou sem dó quando Marta tentou fazê-lo vestir o terno que Mônica separara; toda uma resistência inútil, feita apenas por pirraça, que no fim só servira para cansar a ambos. Ele estava exatamente do jeito que a mãe queria que ficasse — garbosamente vestido num traje que sua mente insistia em classificar como cafona —, indo exatamente para onde a mãe queria que fosse e brigar com Marta não fora nada além de uma válvula injusta de escape para sua frustração.

Ela tem razão por se irritar, imagina o Matheus no lugar dela... O pensamento o fez rir internamente e ele apertou os lábios para não sonorizar nada; seria difícil explicar uma risada daquelas naquele momento tão tenso. Controle-se. Nada de Matheus por enquanto.

— Tudo bem, você tem razão, eu sou um lixo humano e por isso preciso ir para a lixeira... — admitiu, a voz vacilando um pouco enquanto apontava displicentemente para a porta na qual estava apoiado. — É isso?

— Essa sala é muito rica para ser chamada de lixeira, menino — retrucou Marta, com muita seriedade, o que o fez rir fracamente. — Mas sim, é isso mesmo. — Houve um curto silêncio e então ela suspirou, aproximando-se e tocando o braço dele com gentileza. — Ah, menino... Ele é um idiota infantil com língua de cobra, mas ainda é seu pai. Você sabe que sente falta dele, lá no fundo. Foi ele quem te deu seu livro favorito quando você tinha onze anos, lembra?

Lembro. E isso é injusto, Marta, muito injusto, pensou ele, encarando-a com olhos cerrados, recebendo um olhar convencido em resposta; ela sabia exatamente o que ele estava pensando e, esperta como era, estava sempre usando disso para levá-lo a fazer as coisas certas, não necessariamente as mais agradáveis. Mas... Ela está certa. Túlio nunca dissera as coisas sensatas, mas, da sua própria maneira, ele tentara estabelecer suas conexões com o filho, trazê-lo para seu universo, torná-los mais próximos... Todos os esforços tinham cessado após a fatídica briga, mas Davi não os esquecera; suas preferências e gostos, suas melhores lembranças de infância, todas aquelas coisas estavam sempre o relembrando do bom pai que Túlio tentara ser. Chega de show.

— Ok, senhora, você venceu. — Derrotado, desencostou-se da porta para girar a maçaneta. — Vou entrar e encarar a fera. Mas não venha chorar no meu velório caso eu não sobreviva, ok? Sinta-se culpada.

— Chorar? Menino, eu vou é soltar foguetes! — exclamou ela em uma resposta inflamada, claramente com intento de mostrar irritação, mas falhando; seus olhos brilhavam com divertimento claro. — Quem iria sentir sua falta? Você é mimado e chato. Nem sei por que eu estou aqui animando você! Sai! Xô, bolinha, xô!

Ela sabia exatamente porque o estava animando e Davi também sabia; aquela sintonia era o que os tornava tão amigos. Ao mesmo tempo em que ria quando abria a porta, o garoto sentiu uma pontada de gratidão, algo que, tempos depois, só se faria crescer; vendo a cena em retrospectiva, ele nunca poderia negar a si mesmo que o incentivo de Marta fora fundamental para que aquela noite funcionasse. Tanto no momento em que ela o vestira, como naquela conversa atrás da porta da sala, a mulher, mesmo contra a sua vontade, injetou-lhe ânimo, o que se mostrou extremamente necessário quando ele entrou no cômodo e fechou a porta — Davi sentiu a mudança de clima no momento em que deu o primeiro passo para o meio da sala, onde Túlio estava rigidamente sentado em um dos sofás. O pai não o encarou nem fez menção de reconhecer sua presença; permaneceu sentado como um magnata, frio e intocável, encarando a parede com aborrecimento.

— Davi — recepcionou ele, o tom monótono. — Fico feliz que tenha aparecido. — Que estranho, você não me parece nada feliz. Davi esticou os olhos à procura de algum escape, algo que pudesse usar para desviar o foco de si mesmo... — Sua mãe ainda não chegou, se está procurando por ela; está se arrumando. Nunca a vi tão animada. Por enquanto, somos só nós dois.

Sem escape, concluiu desanimado, sentindo sua postura corporal murchar imediatamente. Vou ter que enfrentá–lo.

— Então que nos comportemos bem — disse funebremente, sentando-se no sofá oposto ao pai e fitando-o com desafio, irritado por Túlio não corresponder ao olhar. Covarde.— Não queremos incomodá-la.

— Não mesmo. — A voz era tão neutra quanto sua expressão; Túlio parecia tão disposto a brigar como Davi parecia a manter a paz. — É um dia importante para ela. Mônica valoriza muito esses aniversários. Aposto que insistiu bastante para que viesse.

Davi riu sem humor.

— Insistiu. Usou de meios infiéis. Apelou para todo tipo de chantagem. —Mas não foi de fato ela que me convenceu, pai, e sim o cara por quem eu estou apaixonado. Como se sentiria se soubesse disso, hein? — É isso o que ela faz, né? Não tem nada que ela não peça que a gente não faça. Pelo menos sabemos que ela vai se divertir.

— Você sabe que a Mônica faz isso porque se preocupa.

— Sim. — Davi levantou os olhos para ele com apatia. — Ela realmente se preocupa.

Túlio se endireitou no sofá, claramente desconfortável, e Davi apoiou a cabeça nas mãos, querendo estar em qualquer outro lugar que não fosse ali. Suas conversas com seu pai, mesmo na época em que os dois ainda tinham uma relação “amigável”, nunca tinham sido particularmente duradouras; Túlio não sabia nada sobre ele, Davi não sabia nada sobre o pai e eles nunca tinham se preocupado em tatear pelos assuntos que os ligavam. Talvez porque não tivessem realmente muito em comum ou talvez porque estivessem predestinados a não dar certo, a relação dos dois nunca saíra do formal laço sanguíneo que os unia, e não seria naquele momento que o faria.

Os minutos se arrastaram, a tensão, inicialmente apenas chata, crescendo ao ponto do sufocante; Davi podia praticamente senti-la enquanto fuzilava a porta, desejando com todas as suas forças que Mônica aparecesse e quebrasse aquele gelo, perguntando-se exatamente por que tinha concordado com tudo aquilo. Eu podia estar dormindo, suspirou ao girar os olhos pela sala, evitando a todo custo encarar o pai — olhares cruzados eram convites para conversas e outro diálogo falido era a última coisa que ele queria naquele momento — ao mesmo tempo em que tentava encontrar qualquer desculpa válida para fugir dali; não havia nenhuma. Eu podia estar dormindo, jogando xadrez, comendo, sentindo raiva do Guilherme ou dormindo de novo. Mas eu estou aqui. E isso não está me deixando mais maduro, sinceramente...

— Você se parece muito com ela — disse Túlio de maneira apologética. — Muito mesmo. Tem horas que eu acho que não tem código genético meu aí.

Oi? Davi relanceou os olhos para o pai com estranheza, embora o objetivo inicial fosse aparentar desinteresse. Eu não sentiria falta do seu estúpido código de DNA se ele não existisse, seu babaca. Virou o rosto, disposto a ignorá-lo, mas Túlio não desistiria tão fácil; Davi ainda podia sentir os olhos do pai cravados em si, seguindo todos os seus movimentos, cônscio de que o filho podia notá-lo e petulantemente não se importando em ser discreto. Eles podiam não saber muito sobre os gostos que tinham em comum, mas suas dezenas de discussões haviam tornado cada um craque naquilo que afetava o outro; Davi não demoraria muito a ceder e Túlio sabia disso.

— Sério? — Suspirou derrotado e virou-se para encarar o pai, ignorando solenemente a clara satisfação em seu semblante. — Por que acha isso?

— Vocês agem muito parecido. Teimam nas mesmas coisas, são inconsequentes do mesmo jeito, falam as mesmas idiotices quando estão com raiva. Agem da mesma forma quando estão com raiva. Guardam mágoas por anos. — Ele atirou cada frase como pequenas navalhas, que, certeiras, acertaram Davi de maneiras diversas; o garoto experimentou mágoa, indignação, nostalgia, dor e, em uma síntese de tudo, raiva. Conseguia senti-la arder em seus olhos, avermelhando sua visão e sabia que o pai, de algum modo, podia vê-la também; mas Túlio não recuou: — Você sabia que eu sempre quis ter um filho que fosse parecido comigo? Era meu maior sonho. Eu ficava fazendo planos enquanto a sua mãe estava grávida; era bom. Minha maior decepção foi ver você crescer e se tornar exatamente o oposto de tudo o que eu esperava de um filho meu.

Davi se inclinou para frente, pronto para gritar uma resposta, mas as palavras não vieram. Sua mente funcionava depressa demais, fornecendo-lhe um fluxo muito maior de pensamentos e respostas ácidas do que ele conseguia sequer processar, e aquela overdose de raiva entalava sua garganta; de todas as rebatidas que poderia dar, acabou cedendo ao pai o mais raivoso dos silêncios. Sentiu-se ridículo ali, de boca aberta e encurralado, apertando as laterais do sofá com tanta força que podia sentir seus dedos gritarem de dor, mas não conseguia sequer se mover e isso o fez se sentir ridiculamente débil. Aquela situação não era nova; sua raiva era o que o fazia fraco em situações como aquelas e Túlio sabia disso, porque passara a vida inteira levando vantagem. Ele nunca se descontrolava, afinal — ele nunca gritava e todas as ofensas que fazia eram proferidas em tom macio, inclusive aquelas que tinham definido a relação dos dois.

Preciso me acalmar. Davi respirou fundo. Ou vou só escutar de novo.

— Você sempre foi muito autoconsciente, Davi. Eu não preciso ser íntimo seu para perceber e essa sempre foi uma coisa que eu amei na sua mãe... Mas nunca quis para qualquer filho meu — continuou o pai, focando o chão com um olhar que parecia quase apologético. — Essa coisa de nome é muito importante no nosso mundo, e fui eu quem ergueu o nome Montecruz ao status que ele atualmente tem. Eu queria alguém que fosse capaz de mantê-lo... Mas não consigo confiar em você para isso.

Mas o que... Respirou fundo novamente. Eu vou...

Por quê? — perguntou em tom baixo, a voz pingando o veneno que ele só reservava para o pai; porque não havia mais ninguém que o fizesse agir de maneira tão ordinária, e ambos sabiam disso. — Por que seu filho fica com garotos? Por que seu filho beija garotos, vai para a cama com garotos, por que seu filho não saiu certo na sua vida absolutamente controlada?

A expressão de Túlio relampejou por vários sentimentos — fúria, raiva, confusão, desprezo e impaciência — antes de descansar numa tristeza estranha, ao mesmo tempo miserável e apologética, que fez Túlio parecer, de repente, um homem muito velho.

— Isso nunca interferiu de fato no que eu sinto por você, Davi. Não permanentemente. — Ele encarou o filho com uma expressão inconclusiva, ambígua entre o tédio e o cansaço. Suas palavras eram bonitas, mas os olhos não mostravam nada; seu próprio discurso era incapaz de afetá-lo.— Existem outras coisas que você não sabe. Pode ser inteligente, Davi, mas só tem dezessete anos.

— Ah, é? — Davi cruzou os braços e subiu a voz num falsete cheio de escárnio. — Do jeito que você fala, parece que eu tenho cinco!

Por um minuto, Túlio titubeou, claramente hesitante sobre o que responder.

—Ah, Davi... — suspirou enfim, enfastiado. — A maturidade é uma coisa estranha. Ela vem do nada. Num dia você pensa de um jeito e no outro, vê as coisas de uma forma completamente diferente. A impressão que eu tenho é que, desde o momento em que eu disse aquelas coisas, você congelou no tempo; não amadureceu um único dia desde os seus quatorze anos. Eu já disse isso para a Mônica, ela já me disse para ter paciência, mas eu não consigo enxergar confiança numa pessoa que fala e age apenas para me irritar. Você conseguiria? Quando você me pirraça desse jeito, a única coisa que eu tenho vontade de fazer é pirraçar você de volta... E é isso que eu termino fazendo. E isso me entristece, porque, como eu acabei de dizer, você se parece muito com a sua mãe, mas só conseguiu pegar o pior dela... E, ao que parece, o meu também.

As palavras não eram raivosas ou acusatórias; o discurso em si fora bastante categórico, Túlio proferindo-o como quem contesta fatos, e Davi se encontrou sem saber o que sentir. Havia verdade no que o pai estava dizendo, muito mais do que ele gostaria de admitir, mas o jeito como Túlio falava aquelas coisas o deixava perdido entre suas próprias reações — pois, ao mesmo em que reconhecia a verdade no fato de que fazia as coisas apenas para irritar o pai, sentia uma imensa vontade de gritar com ele, de agir da mesma maneira infantil de sempre. Agir de forma madura ou simplesmente se irritar? No único segundo que teve para se decidir, acabou escolhendo por aquilo como que estava habituado: levantou-se e estendeu o dedo com agressividade para Túlio, sibilando as palavras com uma raiva gelada:

— E você acha que tem muita moral para falar de...

— Olá, amores! — Mônica cantarolou ao abrir a porta e Davi congelou no mesmo lugar, sem conseguir encarar a mãe ou até mesmo desfazer a postura agressiva na qual se encontrava para cima do pai. — Oh. Interrompo algo? De novo? Vocês dois não têm conserto mesmo. Nem num dia de paz vocês conseguem sossegar esses rabos.

Ela fechou a porta, sem pressa, e caminhou em direção aos dois, completamente ignorante do clima pesado entre ambos. Estava vestida como uma fada, o diáfano vestido azul sobrando nas angulações de seu corpo diminuto, mas mesmo sua figura pequena impunha um respeito imenso; nenhum dos dois homens apostou uma palavra, como duas crianças pequenas à espera de punição por uma travessura terrível. O silêncio era estranho, não exatamente pesado, mas desconfortável, e estava bem perto do insuportável quando Túlio finalmente decidiu correr o risco:

— Não estamos fazendo nada, Mônica.— As palavras eram afetuosas; nem pareciam pertencer ao mesmo Túlio de minutos antes. — Só os nossos desentendimentos de sempre.

Mônica o encarou com olhos cerrados por um instante, parecendo indecisa entre acreditar e não criar caso ou se irritar.

—Vocês e os desentendimentos de vocês... — Sua expressão se desanuviou e ela balançou a cabeça em uma descrença divertida. — Mereço. Parece que tenho duas crianças em casa, sinceramente! — Colocou a mãos na cintura e bateu os pés, parecendo satisfeita com o silêncio que recebeu em resposta. — Hm. Muito bem. Vão pedir desculpas, filhotes?

Nenhum dos dois disse nada, mas Davi pôde jurar — e tentou não sentir nada a respeito disso, tentou mesmo — que houve um resquício de cumplicidade no olhar fugaz que trocou com seu pai; era quase como se, entre eles, estivessem rindo de Mônica, de seu jeito exageradamente efusivo e feliz. Passou logo; no segundo seguinte, Túlio já tinha se voltado para a esposa, com muita seriedade, e abaixado a cabeça de maneira respeitosa.

— Desculpe, mamãe.

Ela sorriu para ele, caricatamente alisando seus cabelos como quem parabeniza um cão. A cena era estranha, carregada de tal dose de intimidade que Davi preferiu desviar os olhos; deixava-lhe desconfortável o modo como duas pessoas podiam ficar juntas tanto tempo e ainda serem capazes de interações como aquelas, porque sabia que aquilo era uma consequência do amor e, mais do que nunca, principalmente naquele momento, ele não fazia a menor ideia do que o amor significava. Parecia algo inalcançável demais.

Sem querer, entretanto, conseguiu-se ver com Matheus naquele mesmo tipo de cena, numa interação descontraída do cotidiano de um casal, e se reprimiu por isso, balançando a cabeça freneticamente. Esses pensamentos são perigosos, repetiu para si mesmo, exasperado, mas sua imaginação não lhe deu trégua dos detalhes com os quais parecia bom sonhar: o sorriso de Matheus na cena hipotética, uma possível gargalhada, o olhar que os dois trocariam... Coisas que não vão acontecer. Ele piscou rápido, até conseguindo afastar as imagens, mas se vendo incapaz de superar seu efeito; de repente, sentia-se fisicamente mal. A vida seria muito mais fácil se a sua cabeça parasse de colocá-lo naquelas armadilhas...

— Davi. Davi. Davi. Daaaviiiiiii — cantarolou Mônica, com certa impaciência, rindo ao ver o filho se sobressaltar. — Não voe, querido. A parte chata vem agora. — Relanceou os olhos com resignação para o relógio pendurado na parede. — Precisamos recepcionar os convidados. Deus sabe como eu odeio essa parte...

Davi não podia discordar dela; era extremamente desagradável ficar ali parado esperando por todos os convidados, sendo obrigado a sorrir quando eles chegavam e a render todos os aqueles assuntos ridículos. Sua mente nunca lhe ajudava, também, sempre fazendo questão de lembrar-lhe que poderia estar dormindo, comendo ou, principalmente, conversando com Matheus — e assim, em resumo, tudo era bastante tedioso.

Fazia parte do roteiro, entretanto, e não podia ser mudado. Mônica suspirou com desânimo ao abrir a porta da sala em que estavam, dando a eles visão do extenso jardim inicial da casa e também do portão por onde os convidados chegariam; estava oficialmente começado o período mortal de tédio. Como uma forma de passar o tempo ou o que fosse, Mônica e Túlio engataram uma conversa baixa entre eles, na qual Davi não se sentiu à vontade em participar; ao invés disso, deixou sua mente vagar livre para o único destino que ela parecia conhecer naquelas últimas semanas: Matheus.

Já fazia duas semanas desde o beijo, o maldito e impensado beijo que quase colocara tudo a perder. Davi tinha cada instante daqueles poucos minutos marcado como queimadura de brasa em sua memória e aquilo não ajudava muito, principalmente porque ele continuava convivendo com Matheus, que, claro, tinha implicitamente exigido que aquela ocasião nunca mais fosse comentada; talvez esperasse que, sem falar ou mencionar o assunto, o beijo simplesmente deixasse de existir. Aquele silêncio irritava Davi, mas era um preço barato a se pagar pela amizade que começava a se reestruturar entre os dois; o tempo que tinham passado separados mostrara a Davi o quanto Matheus se tornara parte de sua vida. Ele fazia falta — não era algo que negasse para si mesmo, mas torcia para que o segundanista jamais descobrisse.

Ele já é convencido o suficiente sem saber dessas coisas. Davi quis rir, mas achou indelicado — o primeiro casal de convidados já entrava pela porta da frente. Com um último suspiro que lhe rendeu um rápido olhar atravessado de sua mãe, Davi ligou seu modo automático para aquele tipo de situação, onde sorria muito, falava pouco e destilava veneno pelos pensamentos; todas aquelas pessoas tinham um podre que não se comentava, mas ninguém desconhecia. A única distração de Davi era documentá-los.

Amélia, primogênita da família Sant’Anna, era filha de Rogério com uma ex-empregada da casa, mas todo mundo parecia bem em fingir que a mulher era filha biológica de sua mãe de criação, Lúcia — embora a mulher não escondesse detestar a enteada com todas as suas forças. Camila Vivar tinha feito fortuna com tráfico de drogas, mas insistia em declarar uma modesta rede de indústrias têxteis como fonte de seus rendimentos; o marido, Gabriel, era um Zé Ninguém por quem ela jurava ter se apaixonado, porém as más línguas diziam que só mantinha por perto porque conhecia algum segredo que ela preferia esconder.

Os irmãos Pedro e Clarice de Assis afirmavam de pés juntos serem descendentes do escritor, contudo ninguém desconhecia que as riquezas vinham da venda de sabão em pó na Jamaica. Alexandre Brayam era viciado em drogas desde os quinze anos e ainda achava que convencia alguém com a conversa de que sua aparência raquítica vinha de alguma desconhecida doença rara. Elise Branco, inicialmente secretária de seu marido, tinha sido basicamente a única responsável pela ascensão meteórica da rede de fundições que controlava — sua fama de boa administradora era conhecida por todos —, e a passividade de Bruno a respeito das atividades da mulher tinha lhe rendido boatos nada agradáveis relacionados, principalmente, à sua sexualidade.

Pensar naquilo tudo fazia Davi querer rir, ao mesmo tempo em que o deixava intrigado; como aquelas pessoas conseguiam se comportar de maneira tão natural — às vezes até mesmo arrogante — quando viam suas vidas sendo dissecadas daquela maneira? Incomodava-o saber que o podre de sua própria família era ele mesmo — com sua bissexualidade “promíscua” e suas festas “regadas a sexo e drogas” — ao mesmo tempo em que o surpreendia o modo como todos conseguiam ignorar e desprezar aquilo simultaneamente, seu pai acima de todos os outros.

A impressão que passa é que ninguém trabalha, que todo mundo passa o tempo inteiro catalogando a vida dos outros. Ele não se excluiu da conta. Um pequeno inferno.

— Sejam bem-vindos, sejam bem-vindos, sejam... — recepcionou pela milésima vez, sem nem sequer olhar para quem estava sorrindo; a mente voava. — Seja bem-vinda, seja bem-vindo, seja... Matheus?

O modo automático foi bruscamente interrompido no momento em que Davi o viu chegar; tinha convidado-o sem muitas expectativas, apenas para dizer para a própria mãe que tinha sim convidado algum amigo de escola, e não esperara que ele realmente fosse aparecer. Do jeito cauteloso como vinha tratando o terceiranista, não seria surpreendente aquela falta indelicada; Guilherme mesmo não tinha aparecido, embora seu pai já tivesse chegado e cumprimentado Davi com familiaridade divertida. Contudo, ao apertar os olhos para enxergar melhor, Davi percebeu que não havia muitos motivos para ficar feliz, de fato: Matheus não estava sozinho. Na verdade, tinha trazido a família toda com ele.

— Davi...? — Matheus balançou a mão em frente aos seus olhos, divertido. — Não voe.

— Ah... — Davi se remexeu, subitamente consciente e nada satisfeito com toda a sua postura corporal; de repente, parecia tola e infantil. — Sejam bem-vindos.

— Pai, esse é o Davi de quem te falei — disse Matheus, neutro, encarando Diego de soslaio. — Davi, meu pai. Meu pai, Davi.

Diego, que tinha apenas respondido ao cumprimento de Davi com um meneio de cabeça distraído, pareceu finalmente notar que o terceiranista estava ali e parou para fitá-lo mais atentamente. Foi uma experiência estranha; Diego era com certeza mais duro e insípido, mas não deixava de compartilhar com o filho os mesmos traços que formavam sua beleza aristocrática, o que causava em Davi a impressão de estar encarando uma versão mais velha de seu amigo. O homem não parecia satisfeito por estar sendo apresentado a Davi — na verdade, ele não parecia sentir nada a respeito —, ao contrário das duas mulheres ao seu lado, encarando-o com interesse curioso.

— É desse Davi que você tanto fala? — perguntou o homem, seco, encarando Davi obliquamente de cima. — Prazer. — Estendeu a mão. Não parecia nada contentado. — Diego Cadore. Estas são minha esposa, Patrícia, e minha filha mais nova, Karina.

— Oi — disse Karina, ao mesmo tempo em que Patrícia fez um meneio de cabeça simpático. O cumprimento era obviamente ineficiente e, ao receber uma olhadela atravessada do pai, tratou logo de se corrigir: — Ah. Prazer, Karina.

Davi sorriu para ela, tentando esconder o desconforto com o olhar fixo de Diego em si — a impressão que tinha era que o homem sabia exatamente quem ele era, todos os boatos e podres envolvendo seu nome, e, já de pronto, não gostava dele.

Eu nem deveria estar surpreso. Davi encarou Matheus de maneira incisiva, revirando os olhos quando o garoto o ignorou dissimuladamente. Levando em conta os pensamentos e preconceitos de Matheus, surpreendente seria justamente o oposto.

— Ah... — O segundanista se remexeu, desconfortável.— Nós vamos entrando, não vamos? Você vem?

— Não posso. Tenho que recepcionar os convidados até que cheguem todos.

O Matheus sorriu trocista.

— Que morte horrível a sua, hein?

— Nem me fale. — Sorriu em resposta. — Assim que tiver alguma folga, eu te procuro.

O segundanista assentiu brevemente com a cabeça e acompanhou os pais para dentro da casa. Davi o seguiu com os olhos e não pôde deixar de se sentir bem com o rápido olhar cúmplice que ambos trocaram antes que Matheus sumisse de vista; o fez sentir que tinham um segredo, um trato, embora fosse, muito provavelmente, apenas impressão sua.

Depois que tinha conhecido Matheus, havia se tornado hábito sonhar com aquelas coisas.

Gosto de sonhar, disse a si mesmo, voltando ao serviço de recepcionar os convidados normalmente. É o mais perto que vou chegar de ter alguma coisa com ele mesmo...

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— Desculpe-me — ofegou Davi ao finalmente encontrar Matheus em meio ao bolo de pessoas dentro da casa. Uma hora havia se passado; ele não achava que aquela recepção iria demorar tanto, mas as pessoas não paravam de chegar e os primeiros quinze minutos sem sorrir para ninguém pareceram uma espécie de milagre. Agora, finalmente liberado, sentia ao mesmo tempo a mandíbula dolorida e a culpa por ter amaldiçoado, mais de uma vez, o dedo mágico de sua mãe para festas; não havia uma que montasse que não ficasse lotada. — Eu... Me atrasei um pouco.

Matheus, sentado à mesa conversando baixo com a irmã, voltou-se para encará-lo de maneira entretida.

— Um pouco, você diz? — Ele analisou Davi por um segundo antes de suspirar, puxar uma das cadeiras vazias para o seu lado e dar tapinhas amigáveis nela, indicando para que Davi se sentasse. Karina observou a interação curiosamente. — Senta aí. Você parece cansado.

— Não tem problema ficar aqui? — Davi não recusou o assento, contudo; jogou-se cansadamente na cadeira, suspirando com a súbita leveza nas pernas. — Quer dizer, seu pai pode se incomodar com a conversa.

Karina e Matheus, ao mesmo tempo, viraram o rosto brevemente para Diego, do outro lado da mesa, antes de voltarem a encarar Davi com descrença.

— Aquele lá? — disseram ao mesmo tempo, com a mesma entonação. A harmonia entre eles, presente até no modo como gesticulavam, fez Davi querer rir. — Esqueceu que a gente existe, pode ficar tranquilo. Oi! — Encararam-se com estranheza e Matheus apontou para Davi acusatoriamente: — E você, pare de rir! — Davi não estava rindo, não para valer, mas ao ouvir a ordem, caiu na gargalhada. — Isso não tem graça, ok? Detesto quando a gente começa a falar ao mesmo tempo sem querer.

— Parece que foi combinado, aqueles programas de humor esquisitos — reclamou Karina, cruzando os braços. — E você, realmente, pare de rir! Não tem graça.

— Você não pode simplesmente sair xingando os meus amigos desse jeito!

Karina, indignada, deixou o queixo cair para o irmão e ergueu exasperadamente os braços.

— Mas você xingou ele, seu bosta!

— Eu posso!

— Quem disse? Com que contrato?

— Aquele onde eu assino a minha mão na sua cara, sua ridícula!

Ridícula? Davi sentiu que ia perder o ar; as risadas aumentavam de volume, chegando ao nível do escandaloso, e as costelas já doíam pelo esforço. Eu não acredito que eu vivi para escutar ele falando isso! Começou a tossir e rir ao mesmo tempo, finalmente chamando a atenção dos irmãos; Karina sorriu cúmplice para ele, pouco incomodada, mas a Matheus parecia sinceramente em dúvida entre matá-lo ou matar a si mesmo.

— Ah, você está aí — suspirou deprimido. — A gente não tem conserto. Davi, não sei se você conhece, essa é a Karina, ela é intrometida.

— Sou mesmo — respondeu ela, petulantemente. Não era muito parecida com Matheus fisicamente, Davi concluiu após um olhar mais atento; ao contrário dele, tinha a pele mais escura, queimada de sol, e os cabelos enormes e cacheados. Era muito bonita, mas de um modo mais aberto, o tipo de pessoa que sorria e provocava sorrisos fáceis; considerando Matheuse escassos, aquele era um antagonismo claro. — Você só me esculacha, pô!

— Esculacho quem merece.

— Mas eu não mereço.

— Merece sim, você nasceu, nunca te contaram que isso é crime?

— Continua falando assim que eu conto para ele do caso do cadarço, seu trouxa. Conto seu apelidinho secreto também. — Ela deu um sorriso convencido ao ver os lábios de Matheus se crisparem. — Ficou mansinho agora, né? Gosto assim.

Matheus fez que ia responder, mas pareceu novamente lembrar que Davi existia — Davi que não conseguia parar de rir e já se engasgava com a própria saliva — e se retraiu, encabulado.

— Você não cansa de me envergonhar na frente dos meus amigos? — reclamou, cuidadosamente evitando encarar o amigo. — É sério, não te mereço.

Ela remexeu nos cabelos com despreocupação.

— Claro que não. Sinto saudades da Becca, a gente ficava repartindo seus podres, era uma delícia. Mas chega de show, né? — Não, não parem, isso é melhor do que cinema! — Papai já ‘tá olhando feio para a gente, melhor aquietar o facho. — Com toda a discrição do mundo, Matheus quase quebrou o pescoço para olhar para trás e dar de cara com o olhar descontente de Diego. — Isso, idiota, olha mesmo! Quer acenar, também?

Ele a encarou com raiva.

— Vou acenar minha mão você já sabe onde, né?

— Em você, né, seu trouxa, porque na minha carinha de boneca só encostam os VIPs.

— Vocês realmente não dão certo, hein? — Davi se levantou sentindo as pernas pesadas e as costelas doloridas pelo esforço da risada. — Podem ficar aí, nem vou atrapalhar o amor fraternal de vocês...

Até aquele momento da sentença, nenhum dos dois irmãos tinha lhe dado atenção, mas ele não se importou muito; começou a se afastar, já imaginando a própria cama com desejo. Estava morto; não participava daquelas festas fazia muito tempo e tinha se esquecido de como o ato de ficar em pé por horas sorrindo forçadamente podia ser cansativo. Sentia que o encostar em qualquer canto já lhe renderia um bom cochilo, mas a mãe o mataria se o flagrasse, então descobriu, subitamente e sem muitas surpresas, que seu humor não estava nada bom.

Acho que já sei o que vou fazer.

— Uai — exclamou Matheus, emergindo rapidamente da discussão com a irmã ao ver o amigo se afastar. — Aonde é que você vai?

— Para algum lugar onde eu não morra por riso compulsório — retrucou malcriado, ganhando uma careta de Matheus e um sorriso de Karina como resposta. — Vocês ficam me obrigando a rir, vou acabar morrendo.

O segundanista franziu os olhos para ele.

— Isso não responde para onde que é que você vai.

Devo contar? O plano era ir para o próprio quarto e morrer por lá, afinal, sua mãe tinha pedido que ele comparecesse, mas não especificara que tinha que ficar a festa toda. Talvez voltasse mais tarde, no momento das felicitações oficiais, para que seu sumiço não ficasse muito óbvio, mas ainda estava sinceramente na dúvida a respeito; o lado que lhe dizia para mandar tudo aquilo se ferrar ganhava atualmente em disparada. Não preciso desses dois brigando na minha cabeça a noite inteira, preciso?

— Para o meu quarto — suspirou, exausto. — Mas não quero vocês lá.

— Nossa, que gentil — retrucou Karina, sem se afetar. — A gente não morde, sabia? Podemos ir com você e ficar por lá conversando. Isso daqui é tão chato.

Davi ergueu as sobrancelhas de modo descrente.

Conversando.

— Sim, conversando! Eu prometo que me comporto. — Deu um sorriso brilhante. — Já que eu tenho essa maturidade, sabe...

Con-ver-san-do.— Somadas ao tom descrente, dessa vez, vieram as aspas imaginárias; o terceiranista não resistiu à tentação de fazê-las, afinal, parecia impossível demais os dois irmãos coexistirem no mesmo ambiente por muito tempo sem discutir. — Gente, eu não vou aguentar vocês. Eu tô morto, o que quer dizer que não posso morrer de rir, mas cacete, ficar dando gargalhadas é cansativo, sabia? —Tenho a impressão de que não estou sendo muito coerente. Ele analisou as expressões confusas de Matheus e Karina com desânimo. Não mesmo.—Ah. Me ignorem. Estou indo.

— Não, não, espera aí, a gente vai também. — Matheus se levantou, encolhendo os ombros, e aproximou-se, apoiando a mão em seu ombro com cautela ao alcançá-lo, um sorriso falsamente casto no rosto. — Eu prometo me comportar também, papai.

Ai, que saco. Ele revirou os olhos e continuou andando, sem olhar se os irmãos estavam ou não o acompanhando. É assim que as pessoas se sentem quando eu começo a ser insistente? Ainda bem que eu não faço isso com muita frequência. Sentiu sua própria consciência lhe dando um chute. Ok, mentira.

— Por que vocês estão tão cismados comigo? — perguntou irritado. — Tem quinhentas pessoas nessa merda de festa!

— Não conhecemos ninguém, ué. — Karina deu de ombros. — Nós não frequentamos muito esse meio, meu pai é meio “noiado” para essas coisas. Nem sei por que ele cismou de vir dessa vez, mas foi bom, já que eu pude conhecer o tão falado Davi! — Ela se inclinou para frente de modo que pudesse encará-lo de maneira oblíqua. — Você é bem bonitinho, hein?

Tão falado? Ele relanceou os olhos para Matheus, que retribuiu o olhar com certa intensidade antes de virar a cabeça defensivamente. Ele fala de mim quando eu não estou por perto? Oi?

— Obrigado — respondeu distraído, ainda encarando Matheus com curiosidade, mas o garoto parecia estar evitando-o de propósito. — Você também é muito bonita, Karina.

Ela sorriu para ele, satisfeita, e se calou. A conversa não tinha um ambiente propício para se desenvolver, pois a casa estava muito cheia e Davi estava concentrado em vencer a multidão com toda a sutileza que conseguisse reunir; sendo filho da anfitriã, não seria muito educado sair esbarrando em todo mundo, embora essa fosse a sua vontade. Seu humor tinha decaído numa velocidade alarmante — aquelas variações loucas de temperamento eram típicas de Matheus, não dele —, mas aquilo não surpreendia muito; apesar de só terem se passado algumas horas, parecia a ele que fazia um dia inteiro que estava ali, todos os eventos da noite se acumulando em sua cabeça de forma desorientadora.

E eu detesto estar desorientado. Ele pressionou os dentes inconscientemente, mas corrigiu-se tão logo notou; não gostava das dores de cabeça associadas ao seu briquismo nervoso. Essa noite. Ela bem que podia acabar depressa, né?

Em uma de suas manobras impossíveis para se espremer entre as mesas, a mão de Matheus esbarrou na sua e, num gesto quase natural, como se eles já tivessem feito aquilo milhares de vezes, o terceiranista a apertou, desenhando um círculo suave no dorso com seu polegar. Ela estava gelada e suada, mas não mais do que o próprio Matheus quando sentiu o contato; com o canto dos olhos, Davi pôde perfeitamente vê-lo empalidecer três tons, arregalando os olhos como se tivesse visto um fantasma.

Fiz merda. Arrependido pelo próprio impulso suicida, Davi recuou bruscamente, rangendo os dentes de novo. Estresse, estresse. Estava ansioso para voltar ao normal; sua versão nervosa era por demais autodestrutiva para continuar existindo. Socorro. Não posso querer recuperar a amizade da pessoa se eu só faço merda!

Quando finalmente abandonaram o ajuntamento de pessoas para adentrar os cômodos mais vazios da casa, Davi sentiu-se acalmar com a ausência de som, ao mesmo tempo em que a considerou massiva; Matheus parecia estar se encolhendo para longe dele, Karina viajava na própria imaginação e ele próprio sentia vontade de cavar um buraco na terra pelo arrependimento que sentia. Só conseguia desejar que não tivesse feito um estrago muito grande ou, como todas as outras coisas, Matheus resolvesse fingir que aquilo não tinha acontecido; ele era bom na arte.

Contudo, no momento em que entraram no corredor que levava ao quarto de Davi, atualmente com as luzes apagadas, o garoto sentiu um aperto suave em sua mão. No começo, foi leve, muito leve, e Davi quase pulou de susto, confundindo-o com o caminhar de algum bicho; logo depois, porém, houve mais pressão, e por mais que a mão de Matheus estivesse congelando, ele manteve o aperto por todo o espaço até a porta do quarto do terceiranista.

Davi tentou enxergá-lo, mas a escuridão era o escudo que Matheus tinha usado para se proteger daquela vez; e, quando Davi finalmente girou a maçaneta de seu quarto e o contato foi embora, não pôde deixar de pensar que nunca, em toda sua vida, tinha querido tanto ver a expressão de alguém.

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Apesar de tudo o que ele poderia ter previsto sobre ficar trancado com os irmãos no próprio quarto por horas — todas as expectativas pessimistas de brigas incessantes que iam do nível da língua ferina ao da porrada na cara —, tudo correu muito harmoniosamente e, algumas horas depois, ele até constatou que tinha se divertido bastante. Karina e Matheus, quando agiam como dois seres civilizados, podiam ser muito interessantes juntos; suas piadas se complementavam e os dois tinham a mesma propensão para fazer observações atravessadas, o que rendeu para Davi doses iguais de irritação e risadas.

Na maior parte do tempo, Karina monopolizou a conversa falando sobre seus gostos, completamente contrários aos do irmão, e flertando furtivamente com Davi pelas entrelinhas de suas frases. Ele se sentiu lisonjeado — embora desconfiasse de que a garota não fazia aquilo por estar interessada nele, e sim pelo flerte ser uma parte de sua personalidade — mas não retribuiu a atenção; achou mais divertido observar as reações de Matheus à sinuosidade da irmã, que iam desde reviradas extensas de olhos até caretas hilárias, e tentou não interpretar nada precipitado daquilo.

— Karina, você tem a consciência de que está me envergonhando? — gemeu Matheus a certa altura, por entre os espaços de seus dedos; há tempos tinha escondido seu rosto neles, como se não ver a irmã falando aquelas coisas fosse fazê-la sumir. Pobre coitado. — Eu acho que ele não quer saber que você adora funk melody, que é dançarina, que adora as coreografias, que acha a Lexa melhor que a Anitta, que faz lou-pu ou o que seja nesse seu cabelo, que você terminou com seu último namorado no mês passado porque isso não é interessante!

Ela revirou os olhos e balançou a mão no ar como quem tenta espantar um mosquito.

Você está interessado no que eu estou dizendo, senhorito Davi? — Ela sorriu sugestivamente, franzindo os olhos com alguma malícia. — Eu sabia que sim. Ainda bem que eu estou conversando com você, não é? Imagine se eu estivesse conversando com outra pessoa...

Matheus, isolado no cantinho do travesseiro da cama — eles estavam sentados em uma fileira antes, mas a conversa entre Davi e Karina os tinha aproximado num bolinho que o segundanista não fez questão de engrossar —, remexeu-se desconfortavelmente.

— Karina...

— Então, Davi, chega de falar de mim, vamos falar de você. — Ela apoiou o rosto na mão, encarando-o de forma oblíqua, o que conferiu uma boa dose de poder adicional para seu olhar divertido. — Você gosta de meninas?

Uau. Ele se sentiu recuar minimamente, sorrindo por reflexo para disfarçar o efeito do golpe verbal, embora seus olhos arregalados talvez o denunciassem. Que agressiva! Ele colocou os próprios pensamentos para girar, visando com isso se acalmar o suficiente para não dar nenhuma resposta esdrúxula; Matheus o mataria se o fizesse. Eu não devia ter esperado nada diferente dela, afinal, é irmã do Matheus e ele também é bem caneleiro, mas... Davi relanceou os olhos para o segundanista e divertiu-se com sua expressão horrorizada. Isso não faz muito sentido. Todo mundo sabe sobre mim, pensando bem, é até uma surpresa o Matheus não ter sabido sobre mim antes, meu podre é dissecado até hoje nas conversas desse povo aí... Essa menina provavelmente sabe que eu sou bissexual, o que me leva ao ponto... Ele voltou seus olhos incisivamente para ela, recebendo um olhar arteiro, mas firme, como resposta. Por que você está fazendo isso?

Poderia ter parado com o assunto por ali mesmo e evitado constrangimentos, mas aquele raciocínio tinha aguçado sua curiosidade; resolveu deixar a conversa seguir.

— Gosto de meninas e de meninos também. — Mas você já sabe. Ele cerrou os olhos para ela; a menina piscou despreocupadamente. — Por que a pergunta?

— Meninos bonitos como você não costumam gostar de meninas. Mas a gente dá sorte de vez em quando, não é mesmo? — Karina sorriu novamente, mas seu sorriso passou a Davi uma impressão estranha: ela não estava rindo para ele, nem dele, e sim de alguma piada interna muito engraçada que só ela parecia conhecer. Ela está tão... Teatral. Não sei. Será que ela é realmente desse jeito o tempo todo? — Me conte mais, Davi. Tem namorada? Ou namorado, talvez?

Karina!

— Ué, Matheus, qual o problema? — Ela se virou para o irmão preguiçosamente. Estava de costas para Davi, de forma que o garoto não viu sua expressão, um lapso de visão de pouco menos de um minuto que lhe custaria horas futuras de muita especulação; afinal, alguma coisa na expressão da garota deveria ser o esclarecimento para o arregalar de olhos assustado e o recuar acuado de Matheus, ações que passariam despercebidas por olhos desatentos, mas que gritavam aos acostumados de Davi. E provavelmente aos dela também. Ele fitou as costas do cabelo da garota, enorme e cheio, pensativamente. Tem alguma coisa acontecendo aqui... Alguma coisa entre os dois. Mas o quê? — Só estou interrogando seu amigo, você sabe que eu sou perguntadeira!

O garoto não respondeu e, por um segundo, houve um silêncio muito tenso, nenhum dos três adolescentes se atrevendo a se mover — Davi teve a impressão de que até as respirações tinham sido suspensas —, cada um parecendo pronto para atirar ou se defender de qualquer ataque verbal; mas não houve nenhum. Matheus simplesmente encarou Davi com todo o ódio que conseguia reunir, como se tudo aquilo fosse culpa dele — o que não fazia muito sentido, já que ele era a única pessoa a sobrar completamente na interação toda —, e se levantou, caminhando para a saída enquanto cuspia entredentes:

— Vou buscar bebida.

O barulho da porta batendo, ou ele esmagou essa merda, se ele estragar essa madeira cara que a minha mãe inventou de colocar aqui, vou matá-lo, pareceu estapear alma dos remanescentes; tanto Karina quanto Davi se encolheram, o som parecendo ecoar por um longo tempo.

— Ah... O que foi isso?

Karina voltou o corpo para ele com lentidão e sorriu-lhe distraidamente, os pensamentos claramente muito longe dali.

— Isso o quê?

— Isso. — Fez um gesto amplo com a mão. — Esse show todo. Qual o sentido?

— Davi... — Os olhos dela se arregalaram significativamente e a garota sorriu com condescendência. — Que show?

— Você tá dando em cima de mim para provocar seu irmão, é isso? Ele tem ciúmes de você e por isso quer irritá-lo? Ou é simplesmente um jogo que eu não estou entendendo?

O sorriso morreu. Substituído por uma expressão séria, pareceu fazer falta no rosto da menina, que, muito expressiva, parecia cansada e hostil verdadeiramente analisando Davi pela primeira vez na noite, seus lábios cerrados com firmeza enquanto ela parecia chegar as suas próprias conclusões.

— Ele bem que disse que você era observador. — Karina cruzou os braços e encarou a porta dispersamente. — Na verdade, ele disse muita coisa. Que você baba enquanto dorme e que é um idiota completo. O que te faz pensar que eu estou dando em cima de você?

Mas ele nem me viu dormindo! Davi resistiu à vontade de argumentar em cima daquele detalhe da frase como uma criança. Que maldito!

— Você estava!

— Me dê argumentos!

— Você me perguntando se eu gosto de meninas? Me chamando de menino bonito? Perguntando se eu tenho namorada?

Karina ficou em silêncio por um segundo, encarando-o com incredulidade, antes de cair numa gargalhada espalhafatosa, agradável de ouvir.

— Davi, você nem sequer me conhece! — exclamou ela por entre as risadas, não soando muito irritada, embora toda a leveza não condissesse muito com seu olhar afiado. — Como você pode afirmar as coisas desse jeito? Eu sou curiosa. Naturalmente curiosa, intrometida. Se isso é dar em cima, eu dou em cima de todos os meus amigos!

Não convencido, mas derrotado, Davi permaneceu em silêncio.Não posso discutir com ela sobre quais eram as intenções dela sobre qualquer coisa... Eu meio cismado. Acho que paguei mico.O estardalhaço que criara em cima daquilo o fez se sentir um pouco ridículo. Tudo porque tem o Matheus envolvido. Sinceramente...

— Ah, Davi, não faz essa carinha! — consolou ela, mastigando infantilmente a voz. — O Matheus devia ter me avisado que além de ser idiota e babar dormindo, você é prepotente também. Isso resolveria esse problema. Poxa, tô brincando, desfaz essa careta! — Sorriu largo. — Vamos falar sobre coisas legais, vamos falar sobre séries! Todo mundo sabe que o que importa não é a beleza e sim as séries que a pessoa assiste.

Que mudança brusca de assunto. Ele piscou, surpreso e confuso, mas logo percebeu, pelo sorriso amigável de Karina, que ela não tinha levado aquilo pelo lado pessoal e estava apenas tentando melhorar a situação. Realmente, ficar falando sobre isso não vai levar a lugar nenhum. Ela é mais política que o Matheus, pelo que se nota, embora isso não seja muito difícil. Riu internamente, embora não soubesse exatamente do quê; tentou dizer para si mesmo que o fato de Matheus ser um babaca para a diplomacia não era nada engraçado, mas o risinho que ameaçou escapar por seus lábios logo o contradisse. Mentira. É sim.

— Séries não são muito a minha praia, não tenho muita paciência para elas — informou enfim, abandonando sua linha de pensamento para retornar à conversa, achando graça da decepção da garota à sua resposta. Preciso melhorar essa minha fraqueza para expressões carentes, senão eu não vou longe na vida. — Mas eu já assisti algumas! Glee, Breaking Bad, Orange Is The New Black...

Orange Is the New Black! Isso sim é série que presta. Matheus fala que é um ninho de mulher feia, fala se não é um absurdo? — É a cara do Matheus, você quer dizer. — Vamos falar sobre a Piper e a Alex, socorro, aquela segunda temporada...

Matheus pareceu demorar uma hora para voltar; Davi e Karina tiveram tempo de dissecar os episódios que mais gostavam e aqueles para os quais torciam a cara, falar sobre suas personagens favoritas e sobre as odiadas e ainda comentarem sobre suas expectativas para a terceira temporada que estava por vir antes de o garoto abrir a porta bruscamente, os olhos vermelhos e as bochechas coradas, e caminhar para dentro com passos vacilantes.

— Achei que estava interrompendo alguma coisa — troçou, tropeçando um pouco nas palavras. Está bêbado? Sério? — Então demorei um pouco mais.

Ele parou e encarou a ambos com desdém, demorando-se na irmã, que não se intimidou ao fixá-lo de volta com seriedade.

— Gentil da sua parte. Aproveitamos muito a sua ausência. O que você bebeu?

— Uma coisa que estavam servindo lá. Bem amargo. Não gostei muito. Tomei uns quatro copos. — Balançou a mão com desprezo, o corpo oscilando perigosamente. — Mas estou legal. Quer dizer, não tão legal, eu estou bêbado, mas estou consciente, não precisam de me olhar como se eu tivesse cinco anos. — Ele se jogou entre Karina e Davi, espalhando o corpo entre o colo da irmã e o do amigo. — Essas festas me dão sono.

— Não minta, Matheus, todo mundo sabe que o que te dá sono é a bebida — replicou Karina, rindo, encarando o irmão com resignação carinhosa. — Meu pai vai te matar quando descobrir que bebeu. Tem alguma chance de ele ter te visto?

— Tem. Sempre tem.

Ela revirou os olhos.

— Alguma chance real, Teteuzo?

Matheus fechou os olhos como se estivesse sentindo dor e mexeu a cabeça nervosamente sobre o colo de Davi.

— Não, Cocota. Eu tava do outro lado do salão. E tá bem cheio.

— Ah, tranquilo então. Dá sempre para inventar uma desculpa. Ele sempre acredita em tudo o que eu falo, mesmo.

O irmão remexeu a cabeça, sorrindo sonolentamente.

— Mas é uma cobra adorável essa menina, hein?

Karina colocou a língua para fora e silvou, fazendo Davi rir fraco. A cabeça de Matheus em seu colo incomodava, o cabelo áspero pinicando suas coxas, mas ele não sentia vontade de se desfazer da amolação; na verdade, num ângulo onde Karina não podia vê-lo, passou a acariciar as mechas granulosas com a ponta dos dedos, encorajado pelo meio sorriso satisfeito no rosto do segundanista. Ele está bêbado. Sem esperanças, Davi. Não deixe isso mais cafona do que já está.

Ninguém disse mais nada por algum tempo; Matheus ressonava baixo no colo de Davi, que tentava não escancarar como aquela cena era muito mais interessante do que metade dos filmes que já tinha assistido — a breguice não lhe fugia, mas observar Matheus era tão bom! — e Karina mexia no celular, distraidamente rindo com as coisas que lia, quando, do nada, o celular da menina começou a tocar. Assustada, quase deixou o aparelho cair, fazendo malabarismos com as mãos para estabilizá-lo, o toque aumentando de volume enquanto isso, de forma que, quando a voz da cantora se prolongou num acorde realmente agudo, Matheus levantou a cabeça subitamente, assustado, e colidiu-a com a de Davi numa pancada ruidosa.

— AI!

— Você tem um tijolo nessa sua cabeça?

— E você deve ter cimento na sua, é por isso que é tão burro, né! Matou a mobilidade dos neurônios!

— Olha aqui...

— ALÔ, PAI! — Karina alteou a voz significativamente, calando a discussão de Davi e Matheus no exato momento em que se fez ouvir; o quarto caiu num silêncio expectante. — Não, papai, nós não fugimos. — Sua voz transitou para um tom infantil, bem diferente do que a menina usara antes, e Davi e Matheus se entreolharam com diversão. — Não, papai. Estamos aqui dentro da casa conversando com o Davi. Sim, o Montecruz. Ele é legal, papai! Sim, o Matheus está aqui. Oh. — Calou-se por um instante, fazendo caretas propositalmente engraçadas para os garotos enquanto escutava. — Sim. Estamos descendo. Vou falar para o Davi também. Nem vi o tempo passar, estava tão divertido! Tudo bem. Daqui a pouco estamos aí. Beijos!

Karina colocou o telefone no colo, suspirando, e arregalou os olhos ao perceber que ainda estava sendo encarada com incredulidade divertida pelos meninos — sobretudo Davi.

Essa menina precisa me ensinar uns truques!

— Que que vocês estão olhando, hein? — repreendeu com petulância, estufando o peito. — Com você eu já nem falo nada, Teteuzo, que da sua parte é só inveja porque você não domina os meus truques. — Balançou uma mão com desprezo para o irmão, a outra posicionada embaixo do queixo numa pose presunçosa. — E Davi, poxa, você acha que é fácil lidar com papaizinho superprotetor? Claro que não. Tem que manjar. Ele quer a gente no salão agora, mas o Matheus ainda não tá sóbrio o suficiente, então vamos ter que montar um esquema. — Ela dizia “a gente”, mas pelo modo como aprumou o corpo, já tinha armado tudo sozinha. Que atitude. — Eu vou primeiro, você vai depois, Davi, e a gente deixa o Matheus aqui dormindo. Aí eu enrolo meu pai um tempo, o que dá prazo para o idiotão cochilar, e quando a situação estiver ficando insustentável, eu te dou um toque no celular e você busca o Matheus aqui dentro. Me passa seu número. Estamos combinados?

Eu consigo contar pelo menos uma cinco ou seis falhas nesse plano. Karina já tinha o celular na mão e o olhava com impaciência. Mas é o que temos, né?

Trocaram telefones enquanto Matheus observava tudo sem fazer nenhum apontamento — o que realmente indicava que sóbrio ele não estava —, novamente aconchegando a cabeça no colo de Davi para dormir; logo ressonava mais uma vez. Guardando o celular no bolso, Karina se levantou e se dirigiu para fora do quarto, hesitando à porta para fazer mais uma observação, como se duvidasse da capacidade de Davi de seguir o plano — definitivamente, é irmã de quem é—:

— Não esquece de descer daqui a pouco, para parecer que nós nos separamos...

— Sim, senhora.

— E não esquece de botar seu telefone no silencioso!

— Não sou burro, senhora! — Sentiu vontade de bater continência, embora reconhecesse, envergonhado, que esqueceria o telefone no modo alto sem o aviso. — Sim, senhora!

— E... — Ela apontou Matheus. — Ele ‘tá te usando como travesseiro. Vai ter problemas com isso? Ele pode ser pesado quando quer.

— Ah, isso? — Davi relanceou os olhos para baixo, tentando parecer mais indiferente do que se sentia. — Nenhum problema.

— Nenhum problema?

— Nenhum.

— Ah... — Karina precipitou o corpo para fora.— Okay. Siga o plano!

Ela fechou a porta e Davi recostou as costas na parede, sentindo o cabelo de Matheus pinicar suas coxas, mas sem vontade de se mover. Desconfortável, encarou o teto, os pôsteres, a janela e o lençol, evitando fitar o amigo — temia fazer alguma besteira imperdoável —, mas não era como se sua cautela fosse fácil; ele se lembrava de que, antes mesmo de perceber os próprios sentimentos, já via algo de interessante na imagem adormecida do garoto. Mexi no cabelo dele naquela vez que bati nele. Fiquei me perguntando o que tinha acontecido comigo. Sentiu vontade de rir. Tenho preocupações maiores agora. Tipo o beijo...

Com um gemido de fúria contra si mesmo, ele relembrou, a contragosto, o beijo que tinha trocado com Matheus duas semanas antes, arriscando-se a se enveredar, por alguns minutos, nas possibilidades caso o sinal não tivesse tocado antes de decidir que aqueles pensamentos estavam perigosos demais. Vou voltar para o salão. Já deve ter dado tempo suficiente. E minha mãe provavelmente vai fazer o discurso daqui a pouco. Desvencilhou seu corpo do apoio de Matheus com cuidado e, ao conseguir deitá-lo na cama sem prejudicar demais seu sono, dirigiu-se ao interruptor para apagar a luz. Tomara que esse tal plano da Karina dê certo. Ao que parece, o pai deles não vai muito com a minha cara e isso não vai melhorar se ele descobrir o Matheus bêbado. Talvez ache que eu o aliciei. Como se ele precisasse de ajuda...

— Davi...? — bocejou ele, o momento em que o quarto caiu no breu. — Você está aí?

— Volta a dormir, Matheus. — Davi, já à porta, virou-se para a direção da cama, embora nada enxergasse no quarto escuro. — Você precisa estar pelo menos um pouco sóbrio para convencer seu pai de que não bebeu, mais tarde. Não ouviu o plano da Karina?

— Ouvi... Não ‘tô bêbado.

— Tá sim. Um bocado. Está dormindo enquanto fala comigo. Vai dormir enquanto conversa com seu pai também?

— Não é isso... Fica aqui. Tá chato lá fora.

— Não mais do que ficar aqui vendo você dormir.

— Mas eu não tô dormindo. — Houve uma pausa e, quando ele retomou a fala, tinha a voz cheia de dengo: — Fica.

Quer prova maior de que você está bêbado do que essa birra toda? Davi suspirou com irritação. Você não é assim. Eu devia filmar isso. Usar em chantagens futuras.

— Matheus, volta a dormir, daqui a pouco eu volto e a gente discute, ok?

— Não, você não vai voltar. Fica.

— Você precisa dormir. Eu prometo que volto daqui a pouco.

— Por que você não pode ficar?

Por que dificulta coisas supostas a serem fáceis?

— Por que você faz tanta questão?

Houve silêncio.

— É verdade. Vá pro raio que te parta. — Ele bufou, o que teria tido mais efeito caso a voz não estivesse tão birrenta. — Vaza daqui.

Ele está mais criança do que já é. Não mereço isso. Aquela situação fez retornar com força o mau humor de horas antes e, a despeito de seus sentimentos por Matheus, completamente sinceros, Davi decidiu que ainda não tinha descido ao ponto de se submeter àquele tipo de situação. Já não basta a infantilidade do meu pai... E a minha também, creio.

— Ok. Vou mesmo. Durma com os anjos.

Ele sentiu fisgadas de culpa ao sair para o corredor, mas logo as combateu; nunca fora de adulações e não começaria a ser por causa de um Matheus bêbado que provavelmente se envergonharia para sempre daquela cena quando acordasse. Eu queria mesmo ter ficado, mas... Melhor não. Melhor não mesmo. Desorientado em relação ao tempo, Davi se apressou de volta para o salão e acalmou-se ao perceber que o discurso da mãe acabava de começar; se a vida não lhe tinha favorecido com sorte em mais nada, pelo menos lhe brindava com timings certos. Sorrindo como se não tivesse desaparecido por horas, andou até Mônica, postou-se elegantemente ao seu lado e retribuiu ao olhar satisfeito que lhe foi lançado, discretamente por entre as pausas do discurso;pelo menos a mãe estava feliz.

Entretanto, logo se sentia entediado novamente, as palavras de Mônica não ganhando mais do que meio segundo de sua atenção; as luzes do salão pareciam mais interessantes, assim como as dezenas de rostos que os assistiam e como Karina e Diego lá no fundo do salão, ela sorrindo para o pai enquanto ele a observava com uma exasperação carinhosa.

Espero que esteja dando tudo certo... Ponderou Davi, fitando Diego atenciosamente, notando o modo como, sorrindo, ele conseguia se parecer ainda mais com o filho mais velho; se seguisse a linha do pai, Matheus se tornaria um homem muito bonito, assim como era um adolescente atraente, não o mais lindo que Davi conhecera, mas o primeiro que conseguia prendê-lo daquela maneira aos próprios sentimentos. E ele nem faz ideia disso, ou parece não fazer. Me pergunto o que ele pensa daqueles beijos. Balançou a cabeça como quem espanta fantasmas. Deixa para lá.

O celular em seu bolso vibrou, mas, distraído como estava ao observar Diego, Davi não notou de primeira; foi necessário que Karina fizesse gestos feios para ele — mímicas que ele preferia reservar ao seu círculo mais restrito de amigos — para que ele acordasse de seu devaneio. Aquele não era o melhor momento para sair de fininho e resgatar Matheus, afinal sua mãe falava há meia hora e não veria com bons olhos o filho abandoná-la no meio do discurso, mas o celular vibrava, insistentemente, e uma breve olhada para o rosto de Diego revelou que a situação não estava boa; ao lado de uma Karina agora emburrada, era possível ver a inquietação do homem, olhando por cima das cabeças como se procurasse por alguém.

Vou ter que lidar com mamãe depois. Ele fez um gesto cordial de cabeça para todos os que assistiam, como que se desculpando, e recuou para os cantos do salão, sentindo a mãe metralhar suas costas com os olhos enquanto corria para dentro da casa, já tentando aceitar o fato de que estava ferrado. Estou morto. Cozido. Passado. Vai fazer churrasquinho de mim. Talvez me coloque na massa do pão de queijo. Hannibal vai sentir medo da mamãe, mas não mais do que eu.

— Matheus — chamou ao abrir a porta do quarto. Não podia ver Matheus, mas conseguia distinguir a silhueta prostrada em cima de sua cama, numa posição bem parecida com aquela na qual ele pensava tê-lo deixado meia hora antes. — Hora de lidar com o seu pai.

Matheus gemeu baixo e a cama o acompanhou com um som estridente; a movimentação do contorno fez Davi acreditar que ele estava se levantando e, internamente, suspirar de alívio. Não tinha tempo nem paciência para lidar com a obstinação do segundanista naquele momento; uma mãe possivelmente furiosa o esperava, assim como um pai irritado esperava por Matheus, e nenhum dos dois tinha tempo a perder.

— Mas eu nem dormi nada — reclamou o segundanista, a voz grogue de sono, acompanhando Davi para fora sem muita resistência. — Não posso encontrar meu pai assim. Ele vai notar. Me deixe pelo menos jogar... uma água no rosto.

Porque você escolheu logo esse momento pra ter argumentos convincentes? Davi bufou e arrastou Matheus pela mão para o lado oposto do corredor pelo qual viera. O banheiro não ficava muito longe de seu quarto, mas não era como se eles tivessem minutos de sobra para desperdiçar e a impaciência o estressava; ele bateu os pés sem ritmo no chão enquanto esperava Matheus terminar seu ritual de sobriedade, só conseguindo pensar no sermão que levaria. Ela está lá e eu a deixei no meio do discurso, eu não devia ter feito isso, por que Matheus foi beber, por que Karina foi ser legal, por que eu inventei de vir, por que eu nasci, mesmo?

— Davi, você está muito irritado. Relaxa — troçou Matheus calmamente; eles não tinham acendido as luzes, então o garoto não estava visível, mas Davi conseguia escutar o barulho da água corrente e inferir a zero pressa que o outro sentia. Ao que parecia, ainda estava bêbado o suficiente para abrandar sua visão das coisas; um Matheus em pleno controle de suas faculdades mentais não levaria a situação de forma tão leviana.— Você subestima o poder da Karina de salvar minhas costas do meu pai.

Davi entrou no banheiro e tateou a parede até encontrar o interruptor, acendendo-o com um soco que fez seu braço inteiro doer — bastante desnecessário, ele admitia, mas a impaciência tinha abalado seu juízo. Matheus, o rosto ainda úmido, encarou-o alarmado através do espelho.

— Você acha que eu ligo para você? Larguei minha mãe falando no salão com o meu pai e ela vai me matar. É você que não sabe beber e sou eu quem leva ferro? — Estou gritando. Davi respirou fundo, tentando se manter calmo; exaltar-se não ia melhorar a situação. Gritar é uma coisa que meu pai faz. — Olha... — Suspirou. — Eu me joguei de cabeça numa bronca por sua causa. Me honre e termine isso depressa, ok?

Matheus, o queixo caído — por surpresa ou etilismo, Davi não sabia —, assentiu rapidamente, terminou de enxugar o rosto e acompanhou o outro para fora, parecendo pensativo; por um curto minuto, caminharam lado a lado pelo corredor em silêncio antes que o segundanista perguntasse, num tom quase inocente:

— E por que você continua fazendo todas essas coisas por mim?

Você está bêbado, pare de fazer perguntas sinceras!

— Por que sim. Vamos.

— Você vive fazendo concessões para mim. — Matheus pregou o pé no corredor, recusando-se a sair do lugar. Cala a boca, cala a boca, cala a boca.... — Não acha que eu não reparo no jeito como você age com as outras pessoas? Por que comigo é diferente?

Só cala a boca. Não conseguia prestar atenção na conversa; só queria chegar depressa ao salão e consertar logo seu estrago. Vamos.

— Matheus, me procure quando você estiver sóbrio, tudo bem?

— Só responde!

— O QUE VOCÊ ACHA? — gritou Davi em resposta, mordendo a língua logo depois; explodira na ânsia de fazer Matheus se calar, mas a falta de juízo só lhe fizera restar a sinceridade. Tentou consertar o estrago, mas não tinha cabeça para dissimular, só queria terminar aquilo rápido e voltar para o salão, não conseguia se concentrar, Matheus não calava a boca... — Só pensa. Você é inteligente. Por que você acha que eu faço isso?

O segundanista não respondeu; por um momento, só se ouviu a respiração ofegante de Davi, pois Matheus aparentemente prendera a dele. O instante se prolongou e a consciência do terceiranista esperneou novamente sobre a falta de tempo, mas ele a calou; estava preocupado em escutar o silêncio, sentir a aproximação de Matheus, deixar-se ser gentilmente prensado na parede e então beijar o garoto de volta, o momento do toque de lábios arrepiando completamente seu corpo sensibilizado pela falta de visão.

Foi um beijo calmo, ao contrário do anterior, que viera como fogo para destruir qualquer sanidade; Davi não podia falar sobre Matheus, mas podia falar sobre si mesmo, e estava consciente de tudo, desde o gosto adocicado na boca do garoto — provavelmente derivado da bebida tomada antes — até a textura do rosto dele sob seus dedos. Sentia-se quente, mas não do jeito arrebatador que caracterizava o tesão; era um calor que o fazia feliz, que trazia uma impressão gostosa de amparo, aconchego, que ele desejou que jamais acabasse.

Logo acabou, entretanto; o beijo durou pouco, embora tivesse sido arrebatador à sua própria maneira, e uma vez terminado o contato dos lábios, só sobrou o de seus corpos. Matheus abraçou Davi com força, enterrando a cabeça em seu ombro, enquanto o terceiranista acariciava seus cabelos lentamente, os dois atrasados com suas famílias, provavelmente ferrados na mesma medida, nenhum deles sugerindo a menor intenção de ir embora.

— Eu acho que nós não devemos mais ser amigos — grunhiu Matheus, abraçando-o com mais força, o sopro das palavras contra a pele de seu pescoço fazendo Davi se arrepiar. — Não acho que isso esteja dando certo.

Hã?

— Por quê?

— Porque nós claramente não nos enxergamos mais como amigos e... eu não quero isso. Eu não quero você, entende? Eu fico cedendo porque estou sozinho faz muito tempo, mas... — Suspirou. — Eu não gosto de você desse jeito e também não quero que você goste de mim assim. Eu não quero sentir culpa, mas isso é tudo o que eu sinto cada vez que eu te vejo. Quero parar.

Ah. Davi se perguntou como alguém podia descer do céu para o inferno com apenas meia dúzia de palavras sopradas no escuro. Não devia ser tão fácil, devia? Ele daria tudo para poder ver o rosto de Matheus, fazê-lo admitir aquela brincadeira, mas no fundo, sabia que o segundanista não estava caçoando, e descobriu que estava surpreso consigo mesmo por não estar espantado; havia sim um limite de vezes que alguém podia beijar alguém e fingir que nada havia acontecido e, ao que parecia, Matheus tinha acabado de alcançar o dele.Estou levando um pé na bunda. Isso é sério?

— Aquelas palavras que você disse para mim — lembrou-se, resignado —, você ainda pensa nisso, né. Sente nojo de si mesmo.

Matheus não disse nada por um momento, um risinho melancólico acompanhando suas expirações.

— Não é nojo. Eu não quero ser gay. Eu não pedi por isso! Eu tenho uma religião, tenho uma criação, tenho um pai que vai acabar comigo quando descobrir e eu não sou forte o suficiente para lidar com isso. Mas esse não é o único motivo. — Ele beijou Davi suavemente na bochecha, desvencilhou-se do abraço e segurou o garoto pelos ombros, seus rostos próximos o suficiente para que o terceiranista conseguisse sentir as respirações de Matheus contra seu rosto, doces e alcóolicas.— Eu só não gosto de você. E é melhor pararmos antes que você pense o contrário.

Soltou-o e recomeçou a andar, sem esperar que o outro o acompanhasse. Chocado, Davi permaneceu ali, apoiado na parede, o corpo pesado, sem vontade de sair do lugar, reunindo todas as forças que conseguiu para fazer sua última pergunta:

— E o xadrez?

Matheus parou.

— Melhor pararmos com ele também. Você me ajudou muito. Obrigado.

Davi pensou em correr atrás dele e gritar, tentar fazê-lo mudar de ideia, mas logo o som dos passos de Matheus recomeçou e ele descobriu que não tinha toda aquela persistência; talvez aquilo fosse melhor. Se acabara de escutar com palavras claras que seus sentimentos não eram correspondidos, por que continuaria se expondo a sofrimentos desnecessários? Era como se tivesse acabado de levar um tapa na cara, mas não sentia qualquer dor; na verdade, estava anestesiado, e foi com passos distraídos que retornou ao próprio quarto, a cabeça cheia de pensamentos dos quais nenhum conseguia se sobressair, todos girando em torno de como a situação tinha mudado rápido e de como ele fora passivo frente à ela.

Não voltaria à festa; provavelmente diria à mãe que estava passando mal e ela acreditaria, porque era verdade, em partes. Aquela vontade massiva de dormir não podia ser saudável, podia? Acreditava que não, mas também não acreditara que Matheus pudesse destruí-lo daquela maneira e ali estava ele, acabado, jogando-se em sua cama sem nem se preocupar em arrumar a bagunça que o segundanista deixara. Só queria dormir.

Virou-se para o lado à procura de uma posição mais confortável, e uma deformação na cama pressionou suas costelas desconfortavelmente. Apático, contorceu-se nos lençóis, tateando a cama à procura do incômodo, e o encontrou na forma de um pequeno objeto metálico do tamanho da palma de sua mão; curioso, ergueu-o contra a luz que vinha da janela e tateou-o. É um chaveiro. O barulho estridente não o deixava se enganar. É um chaveiro no formato de um rei de xadrez. Matheus deve ter esquecido.

Ele encarou o chaveiro contra a luz, na dúvida sobre o que fazer com ele. Agora que sua amizade com Matheus estava aparentemente rompida, não iria procurá-lo, e não queria que o outro pensasse na devolução como uma desculpa de Davi para qualquer contato; o terceiranista tinha orgulho, depois de tudo, e ele estava ferido. Acho que o melhor a fazer é guardar. Um dia, talvez, eu devolva. Um dia.

Apertou o rei contra sua mão e esperou por lágrimas, mas elas não vieram naquele momento ou em nenhum outro; ele apenas dormiu e, pelos dias que se seguiram, perguntou-se se acordaria um dia...


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Notas finais do capítulo

Gente, não me matem
Capítulos amorzinhos virão
Eu promeeeeeeeeeeeto
Agradecimentos à Moni, sempre à Moni, mas também à Lari, à Melissa, à Andressa e a à Raphaela. Sem saber, vocês me inspiraram muito, meninas. Conversar com vocês sobre Xadrez sempre me deixava mais animada a não desistir
Gente, então. O próximo. Já tenho mil palavras nele, mas comecei a fazer curso técnico e minha rotina está bem puxada. Espero conseguir postá-lo até outubro. Me desejem forças!
Até lá...
BEJOS NO CORAÇAUM