A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 4
Capitulo IV


Notas iniciais do capítulo

Sherlock!! YAY! Até que enfim!



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A má sorte parecia estar perseguindo Molly. No mês seguinte tentou participar de outras montagens, mas nem mesmo os testes era chamada a fazer. Nunca tinha o tipo adequado para o papel ou a experiência exigida. Aconteceu até de chegar atrasada num estúdio problemas de trânsito, perdendo assim a única oportunidade que havia aparecido com perspectivas mais concretas. Com o dinheiro já acabando, procurou uma agência de empregos, onde geralmente havia serviços temporários para uma moça bonita, disposta a trabalhar como demonstradora em lojas ou fazendo pesquisas de mercado, mas também não conseguiu nada.

Certa manhã, alguém tocou a campainha do apartamento e Liz foi atender. Encontrou um motorista uniformizado que trazia um bilhete para Molly.

— Talvez seja algum trabalho na TV — ela disse, entregando o papel à amiga.

Molly abriu o papel rapidamente, com várias fantasias já começando a rodopiar em seu cérebro, tentando adivinhar a mensagem. Para seu desapontamento, viu que o bilhete era de Charles Magnussen, o homem que lhe tinha feito aquela proposta maluca!

“Prezada Srta. Hooper:

Gostaria de saber se já teve oportunidade de pensar melhor na oferta que lhe fiz. Se ainda não se decidiu, agora estou preparado para lhe dar todas as informações que possa desejar. Também gostaria que ficasse conhecendo minha filha. Quer almoçar comigo hoje? O motorista pode esperar o tempo que for necessário e trazê-la ao lugar onde estou. Obrigado, Charles Magnussen”.

— O que foi? Trabalho? — perguntou Liz.

— Mais ou menos. Um homem que me viu na peça acha que eu seria ideal para um projeto que ele tem.

— E que tal o papel? Por quanto tempo?

— Eu… não tenho certeza. No máximo três meses, mas pode ser que não dure mais do que poucos dias.

— E você vai aceitar? - Ela encolheu os ombros.

— Não é… comum. Terei… hã… que morar mais perto do emprego se tudo der certo.

Liz, sempre prática, perguntou:

— E quanto ele está oferecendo?

— Mil libras, mesmo que não dê certo. E cinco mil, se tudo sair como ele quer.

— E você ainda está pensando? — exclamou Liz, boquiaberta. — Molly Hooper, você deve estar maluca! Ninguém recusa uma oferta dessas. — Encarou a amiga com um ar preocupado. — A não ser… o homem está querendo que você durma com ele?

— Não, nada disso. Mas é algo… incomum, como disse.

— Conte.

— Não posso. Prometi a ele que não diria a ninguém. — Liz tirou o bilhete da mão dela e leu atentamente.

— Você vai almoçar com ele?

— Não sei. Não queria nem vê-lo de novo, mas está tudo tão errado que…

— Bem, por que não procura conversar melhor com ele? Além disso, vai economizar um almoço.

— Tem razão. — Ela concordou, com uma risada. — Certo, diga ao motorista para vir me apanhar dentro de meia hora.

Trinta minutos depois, Molly estava entrando no Mercedes preto. O motorista informou que iria levá-la para um subúrbio na área de Brixton, onde Charles Magnussen a esperava. Ela não estranhou, já que o bilhete falava em ser apresentada à filha daquele homem. Com certeza, almoçariam na casa dele.

Mas, depois de algum tempo, percebeu que estava enganada.

O automóvel parou diante de um portão enorme onde havia uma placa de bronze com o letreiro: “Clínica Baskerville!”. Da guarita, o porteiro trocou algumas palavras com o motorista e o portão foi aberto automaticamente para deixá-los entrar. Seguiram por uma alameda comprida, cheia de árvores, que os levou até uma mansão de tijolos vermelhos. Muito bonita… mas a maioria das mansões não tinha pesadas grades de ferro nas janelas.

Entrando na casa, o motorista conduziu-a a uma sala ao lado do saguão, onde Charles Magnussen a esperava.

— Ah, Srta. Hooper, que bom vê-la de novo. Estou contente que tenha vindo.

Molly devolveu o cumprimento, percebendo que o homem a estudava com os olhos, muito atento, examinando o elegante conjunto azul-marinho que ela havia conseguido por uma pechincha numa liquidação. Ele balançou a cabeça com aprovação.

— Pensou na minha proposta, Srta. Hooper?

— Não. — Ela foi franca. — Havia me esquecido dela até receber o seu bilhete.

— Entendo. Bem, acho que agora podemos ir ver minha filha. — Charles Magnussen foi andando na frente e falou com a mulher na recepção. Ela apertou um botão e alguns instantes depois uma enfermeira apareceu, indicando uma porta. Seguiram por um longo corredor cheio de quartos.

Chegaram ao último quarto do corredor. Primeiro a enfermeira olhou para dentro, depois tirou um molho de chaves do bolso.

Molly, que tinha um raciocínio rápido, já havia imaginado todo o tipo de coisa durante a caminhada pelo corredor da clínica, cada uma pior do que a outra. No entanto, não imaginara nada parecido com a visão patética que surgiu quando a porta foi aberta. Uma mocinha magra e pálida estava deitada numa cama, fitando o teto com olhos parados. O quarto era grande, com duas janelas que deixavam entrar a luz do sol. De mobília, havia a cama, uma mesinha de cabeceira, uma poltrona e um aparelho de tv embutido na parede, bem alto.

Depois de olhar à sua volta, Molly deu toda a atenção à garota. Parecia ser muito jovem, tinha um rosto meigo e cabelos finos e loiros. Talvez tivesse sido bonita um dia, mas agora estava longe de qualquer ideia de beleza. Manchas escuras cobriam sua pele e havia cicatrizes nas duas faces, como se tivessem sido rasgadas a unha. Os olhos continuavam parados, fixos no teto, mas suas mãos mexiam na borda do cobertor, como fazem algumas pessoas muito velhas que continuamente tocam alguma coisa só para sentir que ainda estão vivas.

Molly ficou parada, mas Charles lhe tomou o braço e a fez avançar para mais perto da cama. Ela obedeceu com relutância. A enfermeira ficou parada na porta, discreta.

— O que aconteceu com ela? — perguntou Molly num sussurro. Embora estivesse claro que a moça estava completamente inconsciente.

— Drogas — explicou Magnussen, sucinto. Ela o encarou com horror.

— Quer dizer que o tal homem fez a sua filha tomar drogas? Charles lhe apertou o braço, num gesto de alerta.

— Vamos, conversaremos lá fora.

— E o que estão fazendo por ela? Está em tratamento, não?

— Não há cura para ela — falou Charles, num tom grave. — Seu cérebro foi afetado, vai continuar assim até morrer. — Ficou olhando para a filha em silêncio por vários minutos e depois disse com um suspiro. — Acho que já podemos ir. Não vai haver mesmo qualquer mudança.

Foi um alívio poder sair daquele prédio deprimente e sentir a brisa fresca do início de outono no jardim.

— Vamos dar uma volta pelo gramado — sugeriu. Charles parecia profundamente triste e Molly esperou até que ele criasse coragem para falar.

— Eu culpo a mim mesmo. Deveria ter percebido antes o que estava acontecendo. Mas vivo sempre ocupado, cuidando dos meus negócios. Aos dezessete anos, minha filha começou a pedir um pouco de liberdade. Fiquei com medo de prendê-la demais, de deixá-la sem vida própria, e como não tinha muito tempo para ela… — Deu uma risada amarga. — Acho que é a velha história de sempre.

— E sua esposa?

— Morreu de câncer há dez anos.

— Sinto muito.

Charles balançou a cabeça, aceitando aquele gesto afetuoso.

— Então ele conseguiu pôr as mãos em Sarah… A minha menina foi totalmente manipulada, ela se virou contra mim, contra todos os princípios que recebeu na sua educação. Aquele homem a convenceu de não me contar sobre o relacionamento deles, porque sabia que eu não aprovaria isso. Quando descobri tudo já era tarde demais. Ele havia trocado minha filha por outra e a menina já estava irremediavelmente viciada em drogas. Foi internada para tratamento, mas Sarah fugiu da clínica. Só consegui encontrá-la há dois meses, completamente acabada, do jeito que está agora. Não sei se posso dizer que ela está viva, isso só acontece à custa de remédios. — Deu um suspiro e continuou: — Talvez fosse melhor deixá-la morrer!

Molly o encarou, estudando-lhe o rosto. Só a voz e a tensão nos lábios revelavam o quanto Charles Magnussen estava emocionado. Não disse nada. Como poderia expressar sua opinião num caso tão triste?

— E quem é o homem? — perguntou, finalmente.

Magnussen lhe dirigiu um olhar rápido e depois tirou uma fotografia do bolso.

— O nome dele é Sherlock Holmes.

A foto mostrava um homem na faixa dos trinta anos. Não era um retrato posado, mas uma foto jornalistica em preto e branco. O rosto era bonito, com feições másculas e bem marcadas, revelando certa arrogância. Os olhos não estavam voltados diretamente para a câmera, mas ainda assim, ela evitou fitá-los uma segunda vez. Mesmo na foto havia algo de implacável naquele olhar, uma frieza que a deixava totalmente arrepiada. Podia compreender por que Sarah Magnussen se apaixonara tão loucamente por ele. Sim, aquele homem deveria ser do tipo que conseguia manipular uma mocinha inocente com muita facilidade. Molly se forçou a examinar bem aqueles olhos… sim, ele também parecia ser do tipo que não hesitava em destruir qualquer pessoa que se pusesse no seu caminho.

— Foi ele quem fez Sarah ficar viciada? — perguntou novamente.

— Não. Pelo que pude saber, ele só a presenteou com as drogas. Com certeza começaram a frequentar algum ambiente mais… pesado, como se diz. Mas você não precisa ficar com medo — garantiu Charles. — Holmes não tem motivo para fazer qualquer ligação entre nós. Você está avisada e principalmente, tem muito mais experiência do que minha filha possuía.

— E eu posso pular fora se surgir algum perigo?

— Naturalmente. Exijo que seja assim.

— O que o senhor quer exatamente que eu faça?

Magnussen a encarou atento.

— Quer dizer que vai aceitar?

Molly pensou naquela mocinha deitada no quarto da clínica mais morta do que viva, e depois olhou de novo para a foto que tinha nas mãos antes de voltar a falar.

–--

Menos de quarenta e oito horas depois, Molly já estava examinando com cuidado o homem da fotografia. Tudo correra muito rápido desde o instante que tinha aceitado a proposta de Charles Magnussen. Foram diretamente para o apartamento que ele havia falado em alugar, um lugar que impressionava de tão grande e luxuoso. Ficava num bairro elegante e era mobiliado com muito bom gosto. Do jeito como andavam as coisas ela só poderia pensar em morar ali se um dia se transformasse em estrela da televisão ou conseguisse um amante milionário. Lá, Charles havia explicado o que esperava por ela.

Em resumo, Molly deveria cultivar uma amizade com Holmes a ponto de ser possível mais tarde colocar um aparelho de escuta nele mesmo ou então em seu escritório. Além disso, deveria manter os olhos e ouvidos bem abertos para qualquer tipo de informação que surgisse sobre os seus negócios.

— Mas isso não é contra a lei? Um tipo de espionagem industrial?

— Santo Deus, não! — Charles se mostrou ofendido. — Não estou pedindo para invadir o escritório dele ou roubar alguma coisa. Só quero que você dê um presente para ele: a caneta que contém um transmissor. O que pode haver de ilegal nisso?

— Nada, suponho — concordou Molly, convencida pelo modo decidido de Charles. — E como vou fazer para conhecê-lo?

— Tenho várias ideias. — Ele citou algumas possibilidades, que pareciam muito artificiais.

— Não — ela disse balançando a cabeça. — Tem que ser umencontro casual, por acaso. — Pensou por um momento e depois continuou — Veja, se vou mesmo fazer esse papel, tenho que estudá-lo. Vou precisar de todas as informações possíveis sobre ele. Você pode me conseguir isso? Tenho que saber quais são seus interesses, os tipos de hobby, etc. E em primeiro lugar, gostaria de ver esse homem pessoalmente, sem ser notada. Acha que pode me arranjar isso?

— Com facilidade. Depois de amanhã, Holmes vai estar na reunião de acionistas de uma das suas empresas. Posso conseguir um convite para você entrar. Mas como pretende não ser vista por ele?

— Não se preocupe. Serei só mais uma na multidão.

–--

Em função do que havia sido combinado, Molly estava agora sentada na sexta fila de um auditório cheio de acionistas, num prédio no centro de Londres, olhando para o homem que ia tentar enganar. No palco, sentado entre outras pessoas, ele mostrava uma atitude um pouco displicente, mas na verdade estava bem atento às reações da plateia, vigilante como um gavião.

Molly, apesar de não estar familiarizada com o assunto, logo percebeu que a diretoria queria introduzir medidas contrárias à opinião da maioria dos presentes. No auditório, alguém se levantou para protestar e houve um murmúrio de discordância. O secretário-geral da empresa, que fazia a explicação, tentou tranquilizar os acionistas e tornar as propostas mais razoáveis, mas isso só contribuiu para aumentar o clima de tensão. Sherlock Holmes continuou sua observação por mais alguns minutos e depois se levantou.

— Gostaria de dizer algumas palavras.

O secretário lhe dirigiu um olhar agradecido e sentou-se, num sinal de evidente alívio.

A voz de Holmes era profunda e as palavras bem articuladas atingiram todo o auditório. Molly, apesar de estar concentrada no homem e não no que ele estava dizendo, percebeu a modificação gradual que foi acontecendo na plateia e notou que ele era um orador seguro e experiente. Tinha boa voz para isso, falava de maneira confiante, como se fosse um ator, e provavelmente conseguiria manter a atenção de uma pessoa por horas a fio. Ela procurou não escutar mais e passou a observá-lo detalhadamente. Sim, ele realmente era um homem alto. Seu porte elegante era acentuado por um terno escuro, e as mãos que não apareciam na foto que Molly tinha visto, eram finas e fortes, com dedos longos que não exibiam qualquer tipo de anel. A camisa branca aberta em dois botões realçava seu longo pescoço.

Enquanto o estudava, Molly repassou mentalmente as informações que Charles lhe dera sobre os interesses de Sherlock Holmes: carros e cavalos de corrida, uma coleção de prataria antiga, ópera, barcos a vela e esqui na neve.

Sim, dava mesmo a impressão de ser um verdadeiro esportista e era possível perceber seu corpo atlético por trás daquele terno sóbrio. E não havia dúvida de que possuía bastante dinheiro para manter todos os hobbies, além das noitadas em clubes de jogo dos quais era sócio.

Uma onda de aplausos fez Molly prestar atenção no que se passava à sua frente. Evidentemente, o discurso tinha conseguido convencer a grande maioria dos acionistas, o que mais uma vez comprovava o charme que atribuíam a Holmes. “Um adversário formidável” pensou.

O homem sorriu quando o secretário agradeceu, e depois houve uma votação. A proposta da diretoria foi aceita quase por unanimidade e a reunião terminou.

Molly saiu do auditório no meio do primeiro grupo que se retirou e só quando estava no taxi, indo para Bermondsey, foi que tirou os óculos de aro de tartaruga e o gorro de peles que usara para encobrir os cabelos castanho-avermelhados. Não era exatamente um disfarce, mas com isso ela deixava de dar destaque aos traços do rosto, tornando-se assim apenas mais alguém na multidão.

Sempre rigoroso, Charles havia conseguido a programação de Holmes para os próximos dias e depois de estudá-la cuidadosamente, Molly ligou para ele à noite.

— Acho que a minha melhor oportunidade de conhecê-lo vai ser no leilão de prataria da Sotheby's, na sexta-feira. Será que você pode me conseguir um catálogo? Vou fingir que sou colecionadora de joias antigas.

Charles gostou da ideia e prometeu lhe enviar o catálogo o mais breve possível. Fez mais que isso: na manhã seguinte, seu motorista conduziu Molly ao apartamento de Chelsea. Lá ela encontrou não apenas o que havia solicitado, mas também vários livros sobre joias antigas. E junto com eles, havia um cheque de duas mil libras e algumas cartas de apresentação para lojas que alugavam peles e adereços de qualidade.

Molly ficou olhando para o cheque por certo tempo, quase com adoração. Nunca tinha visto tanto dinheiro em toda a sua vida. Claro, metade daquela quantia serviria para comprar roupas adequadas ao papel que ela iria desempenhar. Para isso seria preciso muito critério. Mil libras seriam mais do que suficientes e a experiência de Molly em fazer o dinheiro render mais, certamente a levaria a encontrar os trajes certos a preços relativamente baixos. Além disso, possuía coisas que poderia aproveitar. Como era comum ter de usar suas próprias roupas nos espetáculos, sempre que ganhava um pouco mais procurava adquirir alguns modelos clássicos, de qualidade e bom gosto, que atravessavam temporadas sem sair da moda.

Estava ansiosa para começar as compras, mas antes cumpriu uma promessa que havia feito a si mesma desde que vira o apartamento. O banheiro era lindo, parecia ter saído das páginas de uma revista de decoração. Encheu a banheira de mármore, colocou óleo perfumado na água e se deitou no meio das bolhas, sorrindo de prazer. Era delicioso ficar ali, tranquila, sem ninguém para lhe dizer que se apressasse.


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Notas finais do capítulo

E aí gente?



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