A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 3
Capitulo III




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— Mas o senhor há de concordar que sua proposta é bastante excepcional.

— É por isso que será um serviço muito bem pago. Como disse, não estou familiarizado com o mundo artístico, mas tenho vários contatos que poderão ajudá-la a conseguir um bom contrato quando deixar de trabalhar para mim. Estou disposto a usar minha influência para favorecer sua carreira.

Molly ficou em silêncio por um instante, pesando os prós e os contras da situação.

— O senhor disse que é por pouco tempo?

— Sim, mas não posso estabelecer um limite. Tudo vai depender da senhorita, o quanto vai levar para se tornar amiga dele. Mas acho que podemos fazer o cálculo de uns três meses no total. E é claro, haverá a possibilidade de ele não ficar atraído pela senhorita. Talvez simplesmente a ignore.

Ela sorriu consigo mesma ao ouvir isso. Não estava habituada a ser ignorada, principalmente quando se dispunha a cativar um homem.

— Quanto aos seus honorários, independente de ficar ou não atraído pela senhorita, eu lhe pagarei mil libras pela… hã… tentativa — continuou Charles. — Se ele demonstrar interesse em conhecê-la melhor, darei mais mil libras. Assim poderá se vestir de acordo com o seu papel. Essas roupas passam a ser suas. Também pretendo alugar um apartamento para a senhorita num bairro elegante de Londres, até que tenha atingido o seu objetivo. Quando terminar seu trabalho, você terá mais quatro mil libras. Se for preciso, encarrego-me de alugar acessórios mais caros, como peles e joias, e também prometo cobrir todas as suas despesas pessoais.

Agora Molly estava completamente abismada, engolindo seco, tentando se acalmar.

— O senhor deve estar desesperado por vingança!

— Sim. — Charles falou num tom de voz grave, limpando novamente os óculos. — E por sorte, sou um homem rico, que não precisa medir despesas.

Molly o encarou, tentando avaliar-lhe o caráter. Charles Magnussen não parecia ser um homem cruel, mas sua atitude fria e contida poderia ser apenas um disfarce, proporcionada por uma educação fina. Era o presidente de uma grande empresa e, sem dúvida, devia ter pisado em alguns concorrentes para atingir essa posição. Mas havia a possibilidade de ele só ter ficado tão implacável por causa do que acontecera à filha.

— Sr. Magnussen, o que aconteceu exatamente à sua filha? — perguntou, num impulso. — Acho que tenho o direito de saber antes de chegar a uma decisão. E o senhor fica se referindo ao seu inimigo como “esse homem”. Afinal, quem é ele?

— Não quero falar nesse nome até você concordar com meu plano. Quanto à minha filha… — Seu rosto se contorceu de dor — Também acho que tem o direito de saber, mas prefiro não tocar no assunto antes de ter o seu sim.

Ela o encarou por um longo tempo e depois se levantou.

— Neste caso, Sr. Magnussen, vou ter de recusar sua oferta. Está querendo que eu confie demais, sem qualquer base. Pediu que eu me aproximasse de um homem que talvez seja perigoso. Também está se recusando a contar o que houve com sua filha e o nome da pessoa que eu preciso procurar para o plano entrar em ação. E, principalmente, não me explicou o que significa exatamente eu me tornar “amiga” dele. Não, sinto muito. Não vou tomar parte nisso. — Como Charles Magnussen tivesse ficado em silêncio ela continuou na defensiva: — Além disso, o senhor nem me perguntou se sou casada ou se tenho algum compromisso que possa me impedir de aceitar a sua proposta.

— Sei que a senhorita é livre — disse ele, calmamente. — Comecei a fazer algumas investigações, logo depois que vi a sua fotografia no saguão. Sei que não tem compromissos particulares ou profissionais.

Molly ficou imaginando se essa informação teria sido dada por John, seu agente, que sabia muito bem que em curto prazo não havia qualquer perspectiva de trabalho para ela.

— Sinto muito. O senhor vai ter de procurar outra pessoa. - O homem não pareceu ficar irritado ou desanimado.

— Por favor, guarde o meu cartão e pense no assunto. Espero que mude de ideia. De qualquer modo, peço que seja discreta quanto ao que lhe contei. — Ele se levantou. — Acho que o seu táxi já deve esta esperando. Isto deve ser suficiente. — E entregou uma nota de cinco libras a Molly.

Ela quis recusar o dinheiro, mas diante da insistência de Charles terminou aceitando. Ele a acompanhou até a calçada e a ajudou a entrar no carro.

— Telefone se mudar de ideia ou quiser discutir melhor o assunto. — disse, segurando a porta.

Meia hora mais tarde, entrando bem devagarzinho em casa para não acordar as colegas, Molly continuava certa de que não iria mudar de ideia. Mas aquela conversa ficou ecoando no seu cérebro, impedindo-a de pegar no sono. Sentia até certa pena de Charles Magnussen, mas não poderia aceitar a proposta de participar de um plano de vingança. Afinal, nem mesmo sabia o nome do homem que deveria procurar. Mas não conseguiu conter um gemido de desgosto ao pensar no que poderia fazer com todo aquele dinheiro. E depois, se não encontrasse outro trabalho, cinco mil libras seriam o bastante para viver bem durante uns dois anos. Teria tempo e calma para escolher um bom papel, em vez de ficar arranjando empreguinhos de meio período para não morrer de fome.

Os patrocinadores da peça, num gesto de coragem, resolveram continuar arcando com o espetáculo por mais quinze dias. Mesmo assim ele foi recebido com indiferença em Liverpool. Por isso, o elenco não ficou surpreso quando o produtor comunicou que a temporada estava encerrada. No domingo seguinte, Molly voltou de trem para Londres, como a maioria dos colegas. Não foi uma viagem triste. Os atores são pessoas que cultivam o otimismo, se não fizessem isso acabariam loucos. Assim, todos foram conversando sobre o futuro, com muitos planos de sucesso, piadas e brincadeiras. No final da viagem já tinham trocado entre si os números de telefone, comprometendo-se a comunicarem uns aos outros as novas oportunidades de trabalho.

Molly morava num apartamento em Bermondsey, que dividia com mais três atrizes. Apesar de os dois quartos serem relativamente pequenos, o lugar não dava a impressão de estar atravancado, isso porque alguma das moradoras sempre estava fora trabalhando em cidades do interior ou em locações para cinema ou TV.

Chegando no meio da tarde, Molly encontrou a casa vazia e decidiu tomar um banho bem sossegado, aproveitando para lavar os cabelos e relaxar da viagem. Enquanto se enxugava, olhou para o rosto pálido, desejando ter como pagar algumas sessões de bronzeamento artificial. Era lógico que a cor morena lhe dava um aspecto mais saudável e vital, mas teria que esperar até o verão, que ainda estava longe.

A moça com quem compartilhava o quarto, Mary, estava numa turnê pela Escócia, e as outras duas, Irene e Liz, só voltaram depois das dez e meia, encontrando Molly sentada no sofá, vestida num roupão e vendo televisão.

— Oi! — cumprimentou Irene. — Já de volta?

— Fracassou. — Foi a resposta lacônica.

— Oh, não! — As duas falaram quase ao mesmo tempo e sentaram-se no chão, ao lado de Molly. Ficaram escutando, solidárias, porque muitas vezes já tinham estado em situações semelhantes.

— E agora o que você vai fazer? — perguntou Liz.

— Para variar, procurar o meu agente.

— Não tem nada em vista? — Uma audição, uma proposta de trabalho, mesmo remota?

Ela negou com a cabeça. Havia guardado a oferta de Charles Magnussen tão no fundo da mente que nem se lembrou de mencioná-la.

— Ei, espere um pouco! — exclamou Irene, estalando os dedos. — Soube que amanhã vão fazer testes para um papel numa série de TV. Iam estrear na semana que vem, mas uma das garotas ficou doente e teve que ser operada às pressas.

— É mesmo! — concordou Liz, animada. — Não demos muita atenção porque eles querem alguém que possa começar imediatamente e estamos as duas sob contrato.

— Que tipo de série? — quis saber Molly.

— É uma aventura, no começo vão ser seis episódios. Depois fazem mais, se o público gostar. Dizem que o papel é bom. Quem foi mesmo que nos contou, Liz?

— Hum… já sei. Foi aquela garota que trabalhou comigo no espetáculo de mímica. Você a conhece, Molly… Lara qualquer coisa. Pensou que poderíamos estar interessadas. Vamos ligar para ela! — Liz abriu sua preciosa agenda, abarrotada de telefones de agentes, atores e contatos que um dia poderiam ser úteis. — Sim, aqui está… Lara Pulver. Vou ligar já, antes que ela vá para a cama.

A chamada não durou mais do que alguns minutos e logo Liz estava com todas as informações anotadas num papel.

— Os testes serão amanhã às dez e meia, nos estúdios da BBC. O produtor é Mark Gatiss e a série vai se chamar Doctor Who. Dizem que tem futuro.

— Obrigada — disse Molly, feliz pelo interesse das amigas. — Pelo menos é uma esperança.

Porém, quando chegou ao estúdio na manhã seguinte, teve a impressão de que metade de Londres também estava correndo atrás de uma esperança. O lugar fervia de candidatas e ela teve de abrir caminho a cotoveladas até chegar à recepção.

— Nome, por favor. — Um homem estava preparando uma lista. Molly se identificou e recebeu um formulário. — Preencha isto e depois entregue para aquela mocinha no saguão.

Pensou um pouco antes de começar a escrever suas qualificações e experiência anteriores na TV. Pegou uma caneta e usou a bolsa como apoio. Prendeu uma fotografia à folha, entrou na fila para entregá-la e depois se sentou para esperar. Conhecia algumas das moças que estavam no saguão e embora todas estivessem ansiosas para conseguir o papel, não havia inimizade entre elas. Já estavam acostumadas demais a esse tipo de coisa. Ficaram conversando por uma hora, até que surgiu uma pessoa anunciando as candidatas que não seriam chamadas. Foi lida uma lista de nomes e Molly deu um suspiro de alívio por não ouvir o seu entre os dispensados já na pré-seleção. Mas isso não significava muito, ainda havia um longo caminho a percorrer. As moças aprovadas nessa primeira triagem receberam uma folha contendo os diálogos do teste.

Molly só foi chamada no meio da tarde. Ao entrar no estúdio viu várias pessoas assistindo aos testes, todas parecendo bastante cansadas e tomando café em copos de plástico. Logo reconheceu Mark Gatiss. Seus cabelos ruivos e finos o tornavam inconfundível. Foi apresentada ao ator com quem iria contracenar. Graças à longa espera, ela havia conseguido decorar bem suas falas, o que a deixava livre para se concentrar na atuação que o personagem exigia.

Quando terminou, teve a satisfação de ver um brilho de interesse nos olhos de Gatiss. Ele fez algumas perguntas sobre a sua experiência anterior e depois disse:

— Certo. Fique por aí, está bem?

Cheia de esperanças, Molly foi tomar café na lanchonete e depois sentou-se, aguardando uma resposta. O que mais fazia na vida era esperar, constatou tirando um livro da bolsa. Porém, estava tão nervosa que não conseguiu ler. Seria sua imaginação ou as outras candidatas estavam demorando menos do que ela no estúdio?

Às seis e meia vieram chamá-la para um novo teste. Quando terminou, Gatiss a informou de que tinha conseguido o papel.

— Mas só se você puder começar imediatamente — avisou.

— É claro que eu posso. Não estou fazendo nada no momento.

— Ótimo. Quem é o seu agente?

— John Watson.

— Muito bem. O contrato será enviado diretamente para ele. Se tudo sair como espero, você começa a trabalhar na quinta ou na sexta. Venha, vou lhe apresentar o resto do pessoal.

Molly recebeu vários cumprimentos calorosos. Agora que a tensão dos testes tinha terminado, todos pareciam relaxados e simpáticos, e ela mal conseguia acreditar que finalmente havia aparecido a oportunidade que tanto esperara. E pensar que tinha chegado a ficar triste com o fracasso daquela peça horrível!

Voltou para casa com o roteiro que Mark Gatiss lhe dera para decorar, como se ele fosse a coisa mais preciosa do mundo. Sentia vontade de rir, de cantar, e teve que fazer um esforço para não dançar de alegria nos corredores do metrô. Liz e Irene ficaram igualmente entusiasmadas quando souberam da notícia e naquela noite, as três foram comemorar em um restaurante chinês.

— Sensacional! — disse John - quando Molly lhe contou a novidade no dia seguinte bem cedo. — Parece que desta vez você acertou na mosca. Um papel na TV significa trabalho quase certo para o futuro. Apareça no escritório por volta das quatro horas. Até lá já devo ter recebido o contrato.

Molly passou o resto do dia nas nuvens, flutuando de felicidade. Lavou e passou suas roupas, fez compras, limpou o apartamento e na hora marcada foi ver John, sorrindo alegremente ao cumprimentá-lo.

— Sente-se, por favor. Sinto muito, mas tenho más notícias.

— Oh, não! - Ela o encarou, já sabendo o que ia ouvir.

— Eles mudaram de ideia. Tentei lutar por você, mas como não havia nada assinado, não teve jeito.

— Mas… por quê? — exclamou Molly, desolada. — Eles prometeram John, até me deram o roteiro para decorar!

— Disseram que já tinham encontrado alguém com mais experiência de TV. Lamento meu bem, muito mesmo.

Ela o encarou, surpresa com o tom de compaixão na voz dele. Normalmente John era bastante firme nesse tipo de situação, mas agora era incapaz de olhar Molly nos olhos.

— Você tem mais alguma coisa em vista?

— Não. E você?

— Estão querendo algumas garotas para um filme pornô.

— Você sempre diz isso quando venho aqui — disse Molly, irritada. — Não tem nenhum trabalho de verdade para mim?

— No momento, não. Você sabe como é o negócio, mas pode deixar que eu telefono se aparecer alguma coisa. Sinto muito.

Ela ficou tão desapontada que sentiu vontade de chorar, mas não poderia fazer nada. Como John havia dito tudo não passara de uma promessa verbal. Estava de volta à estaca zero, suas esperanças mais uma vez transformadas em fumaça.


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Notas finais do capítulo

E aí??? Comenten, nem que seja pra criticar rsrsr!



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