A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 17
Capítulo XVII




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No dia seguinte, num rasgo de coragem, foi até o escritório de Sherlock no fim da tarde, apesar de terem um encontro marcado para aquela noite. A recepcionista a reconheceu imediatamente.

— Srta. Hooper! Não fui informada de que viria. Por acaso o Sr. Holmes a está esperando?

— Não. Só dei uma passadinha na esperança de ainda encontrá-lo por aqui. Ele já saiu? — perguntou, com um arzinho inocente. Sabia muito bem que ele ainda estava no prédio, pois tinha dado uma olhada no estacionamento antes de entrar.

— Não, ainda não. Vou ligar avisando que a senhorita está aqui. — Depois de falar pelo telefone, disse: — Ele pediu para a senhorita subir. — Olhou a sua volta, procurando alguém que pudesse acompanhar Molly.

— Não se preocupe, eu me lembro bem do caminho — ela falou apressadamente. Dirigiu-se para o elevador e apertou o botão, com o coração aos saltos, muito nervosa. Um auxiliar estava esperando por ela.

— Lamento, mas o Sr. Holmes está muito ocupado no momento. A senhorita não se incomoda em ficar esperando na sala dele?

— Não, claro que não. — respondeu com a maior sinceridade.

— Quer um café?

— Não, obrigada.

O homem a conduziu até o escritório e se retirou. Passado algum tempo, ela já estava perto da escrivaninha, examinando umas pastas, mas nenhuma delas continha os documentos que estava procurando. Abriu as gavetas rapidamente, mas não teve sorte. Depois foi até os arquivos, fazendo uma inspeção bem criteriosa, tomando o cuidado de olhar os papéis e a porta, sempre atenta ao menor ruído vindo do corredor. Havia quase terminado de pesquisar o segundo arquivo quando ouviu a voz de Sherlock. Fechou a gaveta, correu de volta para sua poltrona e pegou uma revista.

— Que ótima surpresa! — disse, aproximando-se e colocando a maleta que carregava sobre a escrivaninha para poder beijá-la.

— Espero que você não se incomode pelo fato de eu ter vindo até aqui, mas estou com um problema. — E lhe dirigiu um sorriso meio desamparado:

— O que você fez? Gastou mais do que devia?

— Não é tão mau assim. — Molly também sorriu. — Fui fazer compras e acabei assistindo a um desfile de modas. Quando saí da loja os bancos já estavam fechados e não pude descontar um cheque. Então pensei que talvez você pudesse trocá-lo para mim. Costuma ter dinheiro aqui?

— Sim, mas talvez eu mesmo possa ajudá-la. De quanto precisa?

— A quantia é bem alta. Duzentas e cinquenta libras.

— Tanto assim? Não costumo carregar muito dinheiro comigo, mas podemos dar um jeito. O que houve? Você está sendo chantageada?

— Oh, Deus não! — Ela deu uma risada. — Nada tão dramático. Foi a pia do meu banheiro que rachou. O encanador ficou de trocá-la amanhã bem cedo e já me avisou que quer receber em dinheiro porque pedi urgência. Você sabe como eles são.

— Entendo. Bem, deve haver o suficiente no cofre, se já fecharam o caixa. Sempre deixamos certa quantia aqui na empresa para as emergências. — Indo para o arquivo, ele apertou um botão e em poucos instantes o cofre estava aberto. Entrou, mas voltou depois de algum tempo. — Ainda não está aqui. Vou buscar no caixa.

— Desculpe, eu não queria causar tantos problemas!

— Não é problema algum. Estarei de volta em cinco minutos — disse, e saiu deixando a porta do cofre aberta.

Era a chance que tanto esperava. Molly esperou um pouco e depois mergulhou no interior do cofre. O lugar estava cheio de pastas. Felizmente, a maioria era do tipo grande, bem diferente da que estava procurando. Encontrou uma pilha de pastas menores, logo percebeu que estavam em ordem alfabética e procurou pelo nome Tewson e Newbury. Nada. Abriu gavetas e caixas de aço. Onde estaria aquela pasta? Seus olhos procuraram em vão. Simplesmente não estava naquele cofre.

Ela saiu e foi para perto da janela. O que poderia fazer agora? Talvez a pasta estivesse com algum dos outros diretores, o que significava que nunca mais a veria.

— Pronto querida. — Sherlock reapareceu e tirou um maço de notas do bolso. — Eis tudo o que você precisa para amansar o encanador.

— Oh, muito obrigada! — Guardou o dinheiro na bolsa e pegou o talão de cheques. — Devo preencher no seu nome ou no da empresa?

— Não é necessário.

— Não, por favor, faço questão. Se não aceitar, nunca mais vou ter coragem de recorrer a você numa hora de necessidade.

— Só até primeiro de agosto!

— Muito bem, agora falando a sério, como devo fazer o cheque?

— Já que insiste, coloque o meu nome mesmo.

Enquanto ela fazia o cheque, Sherlock fechou o cofre e avisou o motorista para esperá-los na porta.

Molly lhe estendeu o cheque, que foi guardado na maleta de couro que estava sobre a escrivaninha. Só então ela pôde perceber ali, bem em cima dos outros papéis, a pasta que tanto queria. E pensar que a maleta nem tinha estado trancada! Poderia ter lido tudo e descoberto o que queria.

— Tudo pronto? — perguntou Sherlock. Ela conseguiu fazer que sim e sorrir, sentindo-se mal. Por muito pouco havia deixado de cumprir sua tarefa. — Então vamos. — Abriu a porta e tomaram a direção do elevador. Enquanto ele se despedia dos funcionários que encontrava no caminho, Molly tentava encontrar um meio de ficar novamente sozinha para vasculhar a maleta.

Ao entrarem no carro Sherlock comentou: — Tenho más notícias, querida. Devo viajar amanhã para Edimburgo.

— Vai ficar o dia todo?

— Sim. Tenho uma reunião muito importante, que talvez se prolongue até tarde. É provável que eu passe a noite por lá, mas voltarei assim que for possível. Sinto muito, não vai dar para irmos ao cinema, como estava planejado.

— Não faz mal, Sherlock. Poderemos ver o filme em outra ocasião.

— Ótimo. Pelo visto, vou ter uma esposa muito compreensiva — disse, sorrindo. — E agora, você quer voltar para casa?

— Não. — Respondeu rapidamente, lembrando-se de que, para todos os efeitos, a pia do banheiro do apartamento estava rachada. — Que tal jantarmos num lugarzinho gostoso?

— Ótimo. Mas antes vamos até o meu apartamento. Quero tomar um banho, fazer a barba e guardar minhas coisas. Você se incomoda?

— Claro que não.

Assim que chegaram, Sherlock telefonou para o restaurante reservando os lugares e preparou um drink. Molly precisou usar toda sua força de vontade para não olhar fixamente a maleta com os documentos, que tinha sido colocada casualmente perto da porta. Se conseguisse ficar alguns minutos sozinha naquela sala… Finalmente ele terminou de beber o drinque e se levantou, indo para o quarto. Mas ao chegar à soleira da porta, parou e disse:

— É melhor eu guardar algumas coisas no cofre, antes que me esqueça.

Para grande frustração de Molly, ele pegou a pasta e os outros documentos de dentro da maleta e os levou para o quarto, onde havia um cofre de parede. Tentando manter a naturalidade, ela o seguiu e se encostou no batente, observando Sherlock girar a fechadura.

— Não sei como você consegue decorar esses números. — Falou, num tom meio choroso, procurando afetar ignorância. — Vivo esquecendo o segredo do meu cofre e tenho sempre que telefonar ao fabricante.

— Bem, é preciso escolher os números dentro de certo código, fácil de guardar. Os meus, por exemplo, são bem simples. — Respondeu concentrado, sem dar muita atenção a ela. — Meu aniversário, que é no dia dezenove de julho, somado ao mês, sete, resulta vinte e seis e mais a metade desse, o que dá treze. E pronto! — Abriu o cofre e guardou os papéis.

Quando ele entrou no banheiro, Molly teve a ideia de tentar abrir o cofre, mas achou perigosa demais. Resolveu esperar uma ocasião mais propícia e começou a olhar a sua volta, admirando o quarto de Sherlock. Era um ambiente muito amplo e refinado, mas sem ornamentos. Havia apenas uma fotografia sobre a mesinha de cabeceira. Curiosa, ela pegou o porta-retratos e ficou perplexa. A mulher da foto era extremamente parecida com Molly! Havia uma dedicatória: “Para Sherlock, o meu amor eterno”, e depois vinha uma inicial: “E”.

Ela permaneceu ali parada, olhando para o retrato e nem percebeu quando Sherlock voltou para o quarto. — O que você está olhando? — perguntou, bruscamente.

— Isto. — Ela se virou vagarosamente. — Por acaso esta mulher era a sua noiva?

Ele lhe tirou a fotografia das mãos.

— Sim.

Uma súbita onda de raiva envolveu Molly, agora se achando uma estúpida por estar desesperadamente apaixonada por aquele homem. Ela o esbofeteou com força e tomou a direção da porta.

— Por que diabos fez isso? — ele a agarrou pelo braço, obrigando-a a encará-lo.

— Você sabe muito bem. Por que é um falso, um mentiroso! Me largue! — Tentou soltar-se, mas ele a conteve com mais força.

— Mas afinal do que você está falando?

— Você não me ama! — gritou furiosa. — Ainda está apaixonado por ela. Esta só me usando como substituta porque sou parecida com a mulher do retrato. Seu canalha!

— Não é verdade… juro.

— Mentiroso! Eu podia ser gêmea dela.

— Molly, quer me escutar? Ela é só uma lembrança, nada mais.

— Não acredito. Não quero ver você nunca mais…

— Oh, pelo amor de Deus! — Num movimento súbito, ele a beijou, calando os protestos dela, numa tentativa de afastar o passado. Quando finalmente levantou a cabeça, perguntou: — Agora acredita em mim? Certo, admito que você se pareça um pouco com ela, mas se eu estivesse procurando apenas uma substituta, já a teria encontrado há muito tempo. Na verdade mesmo, só existe o fato de ambas serem meio ruivas. De resto, eu nem pude notar esse detalhe quando nos vimos pela primeira vez! Esqueceu que seus cabelos estavam presos num coque?

— Oh, Deus! — Ela o abraçou com força, os nervos à flor da pele, buscando apoio na energia daquele corpo, como se as próprias emoções ameaçassem desmoronar.

— Diga que acredita em mim. Diga — Sherlock insistiu, encarando-a fixamente.

— Eu acredito em você, Sherlock — falou, olhando o porta-retratos com um ar de cansaço. — Mas por que ainda conserva essa foto se ela não significa mais nada para você?

— Acho que se tornou parte da mobília — ele respondeu, encolhendo os ombros. Com um gesto delicado, enxugou as lágrimas que brilhavam nos olhos de Molly. — Eu não preciso de fotografias para me lembrar de você… sua imagem está sempre nos meus pensamentos!

— Oh, Sherlock, me abrace… me abrace com força. — Ele a tomou nos braços com muita ternura, beijando-a apaixonadamente até que ficasse mais calma. Então ela se afastou, foi buscar a bolsa e disse que ia retocar a maquiagem, trancando-se no banheiro. Por um bom tempo permaneceu apoiada contra a parede, tentando controlar as emoções. Por que havia atacado Sherlock de um modo tão grosseiro? Será que achava mesmo importante o amor dele? Afinal, poderia ter estragado tudo ao perder a cabeça daquele jeito. Endireitou-se vagarosamente e foi lavar o rosto com água fria. Enquanto estava refazendo a maquiagem, viu a imagem triste e abatida de seu verdadeiro rosto, sem aquela constante expressão de uma atriz representando seu papel. Pior ainda era saber que Sherlock estava apaixonado por esse personagem, que na realidade ele desconhecia a verdadeira Molly.

Quando saiu, ele a olhou com um ar preocupado, mas ao vê-la sorrir, como se estivesse plenamente recuperada, ficou mais tranquilo. Foram jantar e se divertiram porque ela se dispôs a fazer da ocasiãoum acontecimento especial. Riu, brincou e flertou com ele, agindo como a mulher envolvente que todo homem costuma guardar em seus sonhos. E precisava ser assim, pois aquela seria a última vez em que estariam juntos, em que seria possível sentir o toque daquelas mãos fortes… Portanto a noite teria que ser perfeita, para trazer sempre boas lembranças.

Depois do jantar, ela alegou cansaço e pediu a Sherlock que a levasse de volta para casa. Quando ele lhe deu o beijo de boa-noite, teve que se controlar para não se agarrar àquele homem, tentando manter a naturalidade, como se fosse vê-lo de novo em poucas horas. Porém, apesar de todos os esforços dela, um pouco da tristeza que sentia deve ter se revelado, porque ele a olhou de um modo estranho.

— Tem certeza de que está tudo bem?

— Sim, claro. Procure voltar amanhã mesmo da Escócia. Promete que me telefona assim que chegar?

— Está bem. — Hesitou um pouco e por fim disse: — Boa noite, querida.

— Adeus, Sherlock.

Indo para a janela, ficou esperando até vê-lo sair do prédio e se afastar no automóvel. Nunca havia imaginado que a dor de uma separação pudesse machucar tanto. Suspirando, percebeu que não havia mais tempo a perder. A decisão já estava tomada, precisava se conformar com o fim da encenação e dos planos de amor!

No dia seguinte, à tarde, ela ainda telefonou para Sherlock para se certificar de que ele estava mesmo a caminho da Escócia. Deixou o aparelho tocar por um bom tempo e depois deu uma última olhada no seu apartamento, para ver se não tinha esquecido alguma coisa. O zelador a ajudou com as malas e, enquanto se dirigia para o táxi, Molly guardou os dois pacotes, um com o nome de Charles Magnussen e o outro com o de Sherlock Holmes, na sua bolsa. Vestia jeans, camisa e jaqueta, tudo muito simples. Os cabelos estavam soltos e havia colocado óculos de sol para esconder seus olhos cansados.

Antes de ir para o apartamento de Sherlock, passou por Bermondsey para deixar sua bagagem. Não havia ninguém em casa e com certeza surpreenderia as amigas, que iriam submetê-la a um verdadeiro interrogatório naquela noite. De lá, o mesmo táxi a levou para o outro lado da cidade, onde Sherlock morava.

Conseguiu entrar no prédio sem ser notada. O corredor estava vazio, mas mesmo assim ela hesitou antes de abrir a porta do apartamento.

As venezianas estavam abertas e o sol iluminava a sala. Molly deixou a sacola ao lado da porta e tomou a direção do quarto. A fotografia não estava mais sobre a mesinha de cabeceira. O que teria acontecido com ela? Logo afastou esse pensamento já que não tinha mais nada a ver com Sherlock.

O cofre ficava atrás do espelho sobre a camiseira. Ela o descobriu e começou a lidar com a fechadura giratória. Lembrava perfeitamente os números: dezenove, sete, vinte e seis, treze. A porta se abriu com um estalo. Pegou a pasta, tomando cuidado para não tocar em mais nada, e ao ver a primeira carta guardada nela, descobriu tudo o que precisava saber. Charles Magnussen havia acertado. De fato a companhia Tewson e Newbury estava sendo usada num plano de fusão que lesaria a Bolsa de Valores. E pela data, o negócio aconteceria em breve.

Telefonou imediatamente para Charles e começou a contar tudo, sem rodeios. Ele não lhe perguntou como havia conseguido as informações, só pediu com grande entusiasmo que lesse a carta e desligou logo em seguida, resmungando qualquer coisa sobre ainda ter tempo de pegar a Bolsa de Valores em funcionamento.

Depois de devolver a pasta ao cofre e empurrar o espelho, ela ficou se olhando por um bom tempo antes de se afastar. Só precisaria pegar sua bolsa para ir embora. Mas, enquanto atravessava a sala, a porta da cozinha se abriu e Sherlock entrou.

— Oi Molly — ele disse, numa voz natural. — Está de saída? Por que não fica para conversarmos?


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