The Forest City escrita por Senjougaha
Um trovão ressoou no céu e iluminou a cara maníaca de uma japonesa que erguia um cartão de crédito dourado, fazendo com que meu coração acelerasse de medo enquanto o cheiro do chá de Coraline impregnava a sala.
– O que você está fazendo aqui? - perguntei sentindo meu estômago afundar ao prever a resposta.
– Cartão de crédito + baile amanhã = compras - ela respondeu como se fosse óbvio.
Era óbvio. Mas a expressão sinistra dela calcinou qualquer raciocínio que eu pudesse ter ao som dos trovões e Coraline mexendo aquele chá com a colherzinha já estava dando nos nervos.
– Compras às 9 da noite? - perguntei cética.
Ela deu de ombros como se realmente não tivesse a menor importância o fato de que loja alguma estaria aberta àquela hora.
Coraline abaixou o jornal e a xícara para encarar nós duas com um olhar curioso.
– A gente encontra algum lugar - Yukina insistiu e desviou o olhar como se algo tivesse chamado sua atenção. Mas antes de ela se virar, pude ver que ela mesma não acreditava naquela falsa esperança. Revirei os olhos.
– Olha, podemos cuidar disso amanh...
– Nem pensar! - ela apontou o indicador na minha cara.
O esmalte da vez era azul-piscina. Que tipo de vestido ela planejava vestir? Franzi o cenho enquanto tentava focar em sua unha para conferir se era MESMO azul piscina.
Coraline pigarreou e ganhou a atenção de Yukina.
– Eu tenho algo que pode servir - ela disse.
– E o que está esperando para nos mostrar, diretora que aliás não sei o que faz aqui? - Yukina meteu o bedelho.
– Ela é minha tia - interrompi antes que Coraline tivesse tempo de se sentir ofendida - e está morando aqui agora.
Coraline tinha um ótimo gênio. Quando se desconsiderava seu ego que falava alto demais às vezes e sua mania de deixar frases no ar, que lhe dava um ar misterioso.
Ela se levantou e foi para o andar de cima, voltando de lá um minuto depois com um vestido estilo medieval que eu torcia para que não incluísse espartilhos.
– Isso tem espartilhos? - perguntei assim que ela desceu do ultimo degrau.
– Não - ela respondeu prontamente.
– Então vai ser esse - disse eu me levantando e pegando o vestido em minhas mãos.
Yukina abriu a boca e alternou entre olhar para o vestido, Coraline e eu.
– Que merda é essa? Você nem experimentou?! - ela berrou ultrajada.
– Eu amei o vestido… - murmurei.
– E podemos fazer os ajustes depois - Coraline sorriu e alisou meus cabelos desgrenhados.
Yukina estava prestes a ter uma crise. Revirei os olhos.
– Estou indo experimentar, senhorita crise de moda - murmurei e subi para o meu quarto.
O coloquei da melhor forma que pude sem a ajuda de ninguém e encarei meu reflexo no espelho do banheiro. Mesmo descabelada e com as mangas grandes demais para mim, eu gostei do resultado. Torci o nariz quando me lembrei de que o vestido me fazia parecer o que eu realmente era: uma princesa.
O tecido era bordô e haviam detalhes em renda. Já podia imaginar a quantidade de bijuterias que Yukina me faria usar para compensar a “simplicidade” do vestido. Bufei e desci a escada batendo o pé, protestando desde já.
A reação das duas foi inesperada: se levantaram e bateram palmas.
– É só ajustar e fazer um penteado - Coraline aprovou.
Yukina franziu o cenho e as duas começaram a discutir sobre deixar meu cabelo preso ou solto.
– Tanto faz - resmunguei e desisti de erguer a alça do vestido.
As duas me fitaram com uma interrogação na testa.
– Já estou indo nessa droga, não precisam se preocupar com os detalhes - dei de ombros.
Elas voltaram a discutir de onde pararam, me ignorando completamente. Soltei um grito de frustração e voltei ao meu quarto para vestir roupas normais. Quando desci, elas ainda discutiam e quando adormeci no sofá elas ainda faziam isso. Não me lembro quando pararam. Deve ser porque eu dormi.
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Acordei esperando ansiosamente por uma paz que não tive. Mal abri meus olhos pela manhã para fungar e sentir o cheiro de torradas. Yukina já estava lá em cima com seus olhos grandes e dilatados pela animação.
– O baile é hojeeeeeee! - ela cantarolou quando vi que abri um olho.
Joguei uma almofada nela e a xinguei de diversos palavrões em outras línguas. Pensei que ela não fosse compreender, mas a cara que ela fez me levou a concluir que sim, Yukina falava essas línguas melhor do que alguém que só sabia alguns palavrões.
– Coma tudo - ela empurrou um prato em minha direção e cruzou os braços enquanto esperava eu começar a comer.
Senti meu estômago afundar quando passou pela minha cabeça que aquilo era tão… Daniel.
Torci o nariz e me distraí com o cheiro das torradas. E com o gosto delas.
– Qual é a agenda pra hoje? - Yukina perguntou se sentando no tapete felpudo.
– Sei lá, assistir animes talvez? Jogar algum rpg? - murmurei de boca cheia.
O olhar de desgosto e decepção que ela me lançou foi impagável. Do tipo que pessoas filmariam para criar gifs para Tumblr e que gerariam muitos “reblogs”.
Alguns minutos de silêncio se passaram. Comecei a me perguntar se devia me preocupar ou apreciar o momento, até que Yukina o quebrou.
– Você vai aceitar fácil assim? - ela perguntou.
– O quê? - franzi o cenho.
O que aquelas pessoas pensavam que eu era? Que lia mentes o tempo todo? Faziam perguntas 24 horas como se eu devesse saber do que se tratavam!
– Michele e Daniel - ela estalou os dedos como se eu estivesse no mundo da lua e ela não pudesse estar falando de nada além daquilo.
Revirei os olhos.
– Ele é SEU primo - respondi e estalei os dedos a imitando.
– Mas VOCÊ é que está gostando dele - ela estalou os dedos de novo.
– Não estou - eu disse pausadamente e larguei a torrada pela metade no prato.
Yukina revirou os olhos.
– Ah, por favor - ela implorou - não é como se ele não estivesse caidão por você também.
Congelei por um breve segundo, mas me recuperei logo, antes que Yukina percebesse e disparasse uma chuva de perguntas e suposições. Arrepiei e fui levar o prato até a pia. Ela me seguiu.
– E então? - Yukina insistiu.
– Pare de delirar - trinquei os dentes com raiva - eu vou ao baile com Liam e ponto.
– Estou decepcionada - virei para encará-la e vi sua expressão de choque - eu… eu jurava que algo aconteceria entre você e meu primo…
Ela falava baixo, como se conversasse mais consigo mesmo do que comigo. Bufei e bati o pé.
– Não será no momento que seus sonhos se concretizarão - respondi sarcástica.
– Tem razão - ela assentiu e seus olhos ganharam um novo brilho - não devo ser apressada, ainda shippo vocês.
A encarei estupefata. Yukina era retardada, só podia ser. Será que havia alguma chance de um dia ela aprender o que era sarcamo?
Mas no fundo, o que ela disse me causou certo impacto. Inconscientemente eu passara a acreditar na ideia criada por mim mesma de que Michele e Daniel ficariam juntos para sempre depois do baile. Reparei que era aquilo que nutria o buraco negro de ciúmes, e não o fato de que iriam passar a noite juntos. Bom, isso também, mas eu só estava com medo de não ter chances com Daniel nunca mais.
Respirei fundo e o alívio que tomou conta de mim depois de ter pensado nisso me invadiu, foi avassalador. Fazia tanto sentido que relaxei completamente e a nuvem negra de ciúmes que me acompanhou o dia inteiro se dissipou. E depois veio a negação absoluta da verdade nua e crua que me atingiu como um soco no estômago.
Não. Eu não estava apaixonada por Daniel.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Me desculpem se houverem erros de digitação! O que estão achando da história? Está entediante?