DS (HIATOS) escrita por Lily Becker


Capítulo 2
Primeiro Capítulo




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Eu realmente não sei o que ainda estou fazendo aqui. Digo, não sei o por que de ainda estar escrevendo essas cartas. A unica coisa que a primeira carta me causou foi um choro infinito. Eu passei praticamente todo o dia de ontem chorando.

Falando em cartas, eu ainda não a li. A carta que minha mãe escreveu continua guardada na gaveta da mesinha que fica ao lado de minha nova cama. Todo dia eu a abro e todo dia eu a guardo sem ler uma palavra sequer. Eu sou uma covarde, eu sei.

Tem quase seis meses que tudo aconteceu e eu ainda acho que vou acordar a qualquer momento no meu antigo quarto e reparar que tudo aquilo foi um pesadelo. Eu sonho com eles praticamente toda noite. Cada sonho é uma maneira diferente de tentar me convencer de que tudo foi um mal entendido, ao que me parece. O primeiro sonho veio duas semanas depois do acidente e nele o médico nos pedia desculpas e dizia que tudo fora um engano. Nosso pai estava bem e Olive mal havia se machucado, toda aquela confusão de morte e coma ocorrera em outro acidente, com outras pessoas, então nós voltávamos para casa e tudo ficava bem. Mas eu continuava acordando no quarto que eu tinha na casa de tia Jenna. Agora eu tenho sonhos semelhantes praticamente toda noite e cada vez que eu acordo eu me sinto pior por saber que aquilo nunca vai passar de algo criado pela minha mente.

Eu não me lembro exatamente do que aconteceu aquela noite. Eu acordei no hospital pouco tempo depois com Hans adormecido na poltrona ao lado de minha cama e Brad deitado em uma cama ao lado da minha olhando para o teto. Ele não chorava, só estava parado, o braço esquerdo em uma tipoia em cima do peito.

— Brad? — chamei baixinho e imediatamente ele me encarou. Ficamos em silencio por alguns segundos antes de eu perguntar — É verdade?

Ele simplesmente assentiu. Não disse nenhuma palavra. Lentamente seus olhos se encheram de lágrimas junto com os meus. Ele se levantou rapidamente e passou para a minha cama, me abraçando com o braço bom.

Ele não disse uma palavra sobre nosso pai, só falou que as noticias que os médicos trouxeram sobre Olive não eram as melhores. Minha irmã batera forte com a cabeça no acidente e os médicos não sabiam quando ela acordaria, ou melhor, não sabiam se ela acordaria.

É o que eu me lembro daquela noite no hospital. O resto foi apenas um borrão. Eu e Brad fomos liberados no dia seguinte, tendo em nossa lista de tarefas apenas "descansar". Fomos direto para a casa de Jenna, também conhecida como nosso novo lar. Aquela era a antiga casa de nossos avós maternos, então já estávamos extremamente familiarizados com ela, até porque havíamos morado lá por um tempo até a casa que papai mandara construir ficar pronta. Nos primeiros dias eu sentia muita tonteira devido a pancada na cabeça, mas nada mais, a ficha não tinha caído ainda, então estava tudo bem comigo.

Jenna e Brad estavam devastados, era completamente notável. Eles choravam o tempo todo e não pareciam estar dormindo. Eu chorei bastante no primeiro dia, admito, mas depois eu só fiquei um pouco pra baixo, então as coisas começaram a mudar. Tio Christian ficou conosco por duas semanas e aquilo pareceu me fazer muito bem. Ele sabe controlar bem suas emoções e por mais que ele estivesse tão mal quanto os outros, ele conseguia colocar as coisas em ordem e dar apoio a todo mundo, mas logo ele teve que voltar para sua nova cidade e o jogo inverteu. A cada dia que passava Jenna e Brad voltavam para a vida normal, aceitando a realidade, e eu fui entrando cada vez mais no estado de negação. Ainda estou nele e eu sei disso, é por isso que estou escrevendo (acho). Tudo parece mais real quando é dito em voz alta (ou escrito, no caso).

Quando completou dois meses eu parei de sair de casa e minha tia finalmente reparou que algo estava realmente errado. Eu os via em todo lugar quando saia. Via Olive nos corredores do colégio e sempre enxergava meu pai quando estava andando na rua, aquilo estava me deixando doida, então um belo dia eu me recusei a sair do quarto. Tenho meus momentos bons (aqueles onde eu rio, saio de casa normalmente, faço piadinhas e sou simplesmente eu), mas a maioria dos meus momentos tem sido dos ruins. Tem alguns tipos dos meus piores dias. O primeiro é onde eu fico dias sem ter vontade sequer de respirar, meu cabelo chega a ficar sem ver uma escova por mais de uma semana e a simples ideia de levantar da cama me assombra. O segundo é aquele que eu tenho um armário cheio de máscaras para usar durante o dia, mas debaixo da máscara tem um mundo desmoronando lentamente, onde eu me sinto morta por dentro e não consigo sentir mais nada, mas por fora eu continuo com as piadas e risadas para parecer bem.

Mas o que as pessoas não veem sobre a minha depressão? O que ninguém enxerga é que, constantemente eu me sinto um fardo, ou um empecilho. O que não veem são as noites de insônia, pensamentos obscuros, ansiedade, choro, tremedeira e a incapacidade de buscar por ajuda. Ninguém vê a luta, a dor, exaustão e tortura criada pela minha própria mente. O que ninguém percebe quando me pedem para "lutar contra ela", é que o simples ato de levantar todo dia JÁ SOU eu lutando.

Eu escuto praticamente todo dia alguém falando de mim pelas minhas costas. Eles estão preocupados, é o que dizem, e ouvir isso torna tudo pior. Cada vez que eu escuto alguém falando sobre os meus problemas, eu me sinto culpada, mesmo não tendo pedido por eles. Sinto como se eu tivesse que esconder melhor minha depressão. As pessoas já tem problemas demais para se preocupar sem ter que cuidar dos meus também.

As vezes as pessoas estão simplesmente falando de algo que não entendem. Tem gente no colégio que acha que é frescura ou que eu tô criando essa falsa tristeza para ter atenção. Eu realmente não sei como reagir a isso, então eu deixo pra lá.

São quase quatro da manhã agora e eu tenho aula as oito, mas não estou com nem um pouco de sono. Eu dormi cerca de duas horas essa noite e quando acordei senti que podia beber dois litros de água de uma vez. Lutando contra a vontade de permanecer deitada eu me levantei e fui até a cozinha no primeiro andar em completo silencio. O chão de mármore preto estava gelado e imediatamente me arrependi de não ter colocado meias, mas eu estava com tanta sede que ignorei isso. Peguei uma garrafa na geladeira e bebi quase metade dela de uma vez, deixando de lado os copos e bebendo direto do bico, quando eu ouvi as vozes vindas da sala.

No inicio eram apenas sussurros, então larguei a garrafa e andei silenciosamente em direção às vozes e conseguindo, aos poucos, identificar o que era dito.

— Eu sei! — Jenna sussurrou com a voz embargada e como não houve resposta eu supus que ela estava no telefone —Eu estou preocupada com o que ela pode fazer, Chris. [...] Sim, eu sei, eu também achei que estava tudo bem, mas ela não... [...] Você acha que ela faria isso? Eu discordo, Chris. Ally está mal, mas não acho que chegaria a tanto. [...] Eu vou conversar com o psicologo e ver o que ele acha disso [...] Certo, eu vou ficar de olho em qualquer coisa perigosa [...] eu também te amo.

Assim que percebi que a ligação havia sido encerrada eu corri para meu quarto de forma mais silenciosa o possível, fechando a porta poucos segundos antes de Jenna passar pelo corredor.

Eu rolei na cama por quase uma uma hora antes de desistir de dormir, finalmente pegar o caderno e começar a escrever.

***

Eu nem abri os olhos na manhã seguinte e já tinha uma decisão tomada: eu não iria para a escola. Meu corpo estava dolorido e ao mesmo tempo que minha mente estava cheia de pensamentos, ela parecia completamente vazia. Então eu simplesmente não desci para o café e continuei deitada olhando para o teto. Voltar a dormir parecia impossível e sair do quarto me parecia ainda mais difícil, então eu não fui na aula aquele dia. Também não me levantei no dia seguinte, ou no depois daquele, muito menos na semana seguinte e, quando eu vi, já haviam duas semanas que eu mal saíra do quarto.

Nesse tempo eu fora empurrada para o banho algumas vezes, mas em todas elas eu só deixei a água escorrer pelo meu corpo por alguns minutos, passei o sabão pelo corpo e voltei para a cama com o cabelo molhado e cada vez mais embaraçado. Jenna me obrigava a tomar café da manhã todos os dias, mas a casa sempre ficava vazia até as seis da tarde, então eu jogava fora o almoço que ela deixava pronto e fingia estar dormindo quando ela e Brad chegavam, para que eles não me atormentassem. Nos fins de semana eu era obrigada fazer pelo menos três refeições decentes, mesmo alegando não estar com fome alguma.

Na terceira semana alguém resolveu fazer alguma coisa.

Era aproximadamente quatro da tarde  quando Hans invadiu meu quarto, abriu as janelas e arrancou minhas cobertas.

— Mas... o que? — murmurei esfregando os olhos.

— Bom dia, flor do dia — disse ele se jogando ao meu lado na cama de casal — Preparada para um dia maravilhoso? Bom, um resto de dia maravilhoso, pelo menos.

— O que diabos você pensa que tá fazendo, Hans?

— Uma intervenção. Nós vamos sair.

Revirei os olhos e bocejei. Coitado dele se ele achava que eu ia sair.

— Tenho um compromisso muito importante com a minha cama, meu cobertor e meu travesseiro, mas obrigada pelo convite — disse e fechei os olhos, me aconchegando na cama quentinha e macia.

— Vamos, Ally! Eu tenho uma surpresa para você...

— Não ligo. — interrompi.

— Deixa de ser chata. Você vai levantar, tomar um banho, arrumar esse ninho de pássaro que você tem chamado de cabelo, escovar os dentes, por uma roupa bacana e me acompanhar em um dia maravilhoso.

— Você não pode me obrigar, sabia?

— Isso é um desafio?

— Talvez.

Eu te digo apenas uma coisa, querido leitor: se alguém perguntar se você está fazendo um desafio, diga um grande e belo "não". Hans me encarou por alguns segundos antes de se levantar e me pegar no colo sem dificuldade alguma e me carregar até meu banheiro.

— Você tem meia hora para estar lá em baixo comendo alguma coisa — disse ele assim que me pôs na pia — Se você se atrasar um minuto sequer eu subo e te arrasto do jeito que você estiver, Allison. Estou falando sério.

— Tá bom, pai — brinquei e ele sorriu.

Eu conhecia Hans desde o dia eu nasci, literalmente. Papai, tio Dan e tio James haviam crescido juntos e nós seguimos os passos deles. Desde sempre eram os três, meu pai, tio Dan e tio James, consequentemente eu também crescera com aqueles que se tornaram meus melhores amigos: Hans e Elizabeth. Quando tínhamos dez anos um garoto da nossa idade se mudou para o bairro e logo se juntou ao nosso grupo. Seu nome era Oliver e ele acabou completando o nosso grupo que ninguém sabia que estava incompleto até ele chegar.  Pouco tempo depois o grupo se tornou incompleto novamente quando Liz se mudou com a mãe para a Noruega após o divorcio dos pais.

Fiquei mais alguns poucos minutos sentada na bancada antes de tirar a roupa e me enfiar debaixo do chuveiro. Passei shampoo pelo menos três vezes antes de criar coragem para pentear o cabelo. Eu não consegui. Cada vez que eu tentava passar a escova pelos fios doía e minha cabeça já começava a latejar quando eu finalmente joguei a escova do outro lado do box e me taquei no chão com lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Fiquei ali, encolhida, com a água quente caindo em meu corpo antes de levantar e sair do box sem desligar o chuveiro ou pegar uma toalha e parando em frente ao espelho enorme que tinha ali.

Eu estava horrível. Em seis meses meu cabelo ficara ainda maior, quase passando da cintura. Era notável que eu emagrecera e que estava mais pálida. Tinha cicatrizes visíveis em minhas coxas  além da pequena cicatriz em minha testa (lembrança do dia em que meu pai morreu). Eu não consegui me olhar por muito tempo sem chorar. Meu rosto estava vermelho, eu tinha olheiras arroxeadas enormes embaixo dos olhos inchados e vermelhos, meus lábios estavam rachados e sem cor e meu cabelo parecia um ninho de rato.

Eu tive vontade de socar alguma coisa e foi o que eu acabei fazendo com a parede. Tenho certeza que doeu mais em mim do que nela. Eu me encolhi em uma bolinha e chorei, segurando a mão direita com força.

Eu odeio isso. Odeio quando me sinto daquele jeito. Quando me sinto insignificante, vazia, ridícula, estranha demais...

Foi rápido. Em um momento eu estava jogada no chão e no outro eu me levantei com raiva e andei em direção ao móvel onde eu tinha guardado uma grande tesoura de metal. Naquele dia eu descobri que seria uma péssima cabeleireira.  Eu cortei as mechas loiras com raiva e sem cuidado algum logo acima dos ombros. Os fios longos e mal-cuidados caiam no chão molhado em grande quantidade, grudando também em todo o meu corpo. Ficou extremamente torto e de um tamanho que eu nunca pensei que deixaria meu cabelo ficar, mas sinceramente não me incomodou. Foi como se um pouco do peso que eu sentia dentro de mim tivesse ido embora jundo com aqueles fios.

Voltei para o banho logo em seguida, deixando a água tirar os fios soltos do meu corpo. Passei shampoo mais uma vez e depois foi bem mais fácil desembaraçar o cabelo. Hans bateu na porta quando eu estava me ensaboando e acabou me dando mais cinco minutos antes de abrir a porta. Ele e tia Jenna iriam surtar, eu tinha certeza. Terminei o banho rapidamente, me enrolei em uma toalha fofinha e enrolei meu cabelo em outra toalha um pouco menor.

Tomei cuidado com o chão molhado e e sai do banheiro sem me preocupar com a bagunça que havia feito. Hans havia separado uma roupa para mim e a mensagem era clara: estava frio. Me sequei, vesti a calcinha e a calça confortável de moletom, depois uma blusa azul escuro de manga comprida e um moletom preto. Quase ignorei o cachecol da sonserina, mas se Hans o colocara é porque era realmente necessário. Peguei uma toca cinza e calcei meu All Star preto antes de descer.

Eu estava certa. Jenna não gostou muito da mudança. No momento em que eu entrei na cozinha seus olhos se arregalaram e sua boca abriu.

— Ally! — exclamou e Hans a cutucou com o cotovelo. Imediatamente sua expressão suavizou

Abri um sorrisinho sem graça e me sentei.

— Não ficou tão torto assim — Hans disse.

— Ficou sim, Hans. — falei — Onde nós vamos?

— É surpresa, sinto muito, mas não posso dizer.

— Você sabe que eu odeio surpresa.

— Você vai gostar, Ally — tia Jenna disse — É melhor irem, vocês estão ficando atrasados.

Levantei a sobrancelha e olhei pra ela. "Você realmente tá ajudando essa peste a tramar contra mim?" pensei.

— Onde está Brad? — perguntei e ela desviou o olhar.

— Não dormiu em casa.

— Vamos, garota. Tenho que te apresentar uma pessoa. — Hans disse e me puxou delicadamente pela mão. — Brad vai encontrar a gente lá.

Revirei os olhos e suspirei. Eu realmente não queria sair. Jenna me entregou uma bolsa quando estávamos na porta do carro e ajeitou meu cachecol.

— Se divirtam — ela disse e acenou com a mão quando entramos no carro.

Fiquei em silencio e com os olhos fechados por todo o caminho, que pareceu passar rápido demais, e quando chegamos Hans quase me bateu por ter dormido de novo.

— Você dorme demais — falou — É só encostar em algum lugar e já tá dormindo. É um absurdo, sabia?

Dei de ombros. Ele continuou a falar.

— Você se lembra daquele primo meu? Então, ele já se mudou pra cá. Tem um mês que tá morando lá em casa.

— Legal. Corin, né?

— Andrew. Você já viu fotos, tenho certeza! Alto, branquelo que nem você, cabelo bipolar...

— Olhos azuis? — chutei.

— Ele mesmo!

— Não tenho ideia.

Hans revirou os olhos e saiu do carro.

— Bom, nós quatro, a surpresa e Andrew vamos comer pizza mais tarde. Seja gentil.

"Ótimo" pensei "Além de ser obrigada a sair de casa, eu serei obrigada a interagir socialmente. As coisas ficam cada vez piores".

— A surpresa é uma pessoa? — perguntei enquanto andava ao lado dele em direção a uma casa branca super bonitinha.

— Seres inanimados não comem pizza, comem? — ele tocou a campainha.

— E como é essa pessoa?

— Baixa, adoravelmente agressiva, relativamente explosiva, olhos castanhos, ruiva e... — a porta se abriu — ela está na sua frente.

— Liz?! — exclamei quando minha melhor amiga se jogou em cima de mim gritando meu nome.

Tinha pelo menos um ano que não víamos Elizabeth. Depois que se mudou para outro país, ela e sua mãe voltaram para casa em praticamente todas as férias, mas no ano anterior elas acabaram viajando para a Alemanha e nós não nos encontramos. Não pensei que estivesse com tanta saudade até ela aparecer na minha frente com um pijama  curto mesmo naquele frio insuportável.

Eu me senti realmente bem abraçando Liz. Foi como se, por um momento, nada tivesse acontecido. A sensação de seus braços finos em volta de meu pescoço e seu corpo quente contra o meu era completamente familiar e agradável.

— O que você tá fazendo aqui? — perguntei ainda a abraçando.

— Eu tô de volta! Mamãe e Mike se casaram e estão terrivelmente apaixonados, é horrível.

— Pensei que você gostasse de Mike — Hans disse.

— Eu adoro ele, mas os dois estão impossíveis e decidiram passar um ano viajando juntos pelo mundo e depois vão voltar para cá. Eu decidi voltar pra casa antes.

— Definitivamente? — perguntei finalmente a soltando.

— Sim. Definitivamente. — ela sorriu e deu um abraço em Hans— Entrem. Oliver está lá dentro e Brad deve voltar a qualquer momento.

— Que casa é essa?

— Do casalzinho apaixonado. Eles viajam em dois dias e vou ficar aqui até eles irem, depois volto a morar com meu pai. Eu e mamãe íamos ver vocês ontem, mas a viajem foi extremamente cansativa e acabamos dormindo a tarde inteira.

Nós fomos direto para o novo quarto de Liz, onde encontramos Oliver jogado na cama vendo TV. Ele sorriu quando me viu entrar e acenou com a mão.

— Gostei do cabelo, pirralha — ele disse enquanto bagunçava ainda mais o cabelo castanho escuro.

Nós nos espalhamos pelo quarto de tamanho médio. Liz se deitou do outro lado da cama de casal, Hans se jogou em um enorme puff preto e eu sentei na escrivaninha marrom com as costas escorada na parede cinza. Brad chegou cerca de uma hora depois e levantou as sobrancelhas quando me viu, mas não disse uma palavra sobre o cabelo.

Meu irmão não parecia bem aquele dia. Suas roupas estavam amassadas, seu cabelo bagunçado e seus olhos estavam vermelhos e rodeados por olheiras profundas. Com certeza não dormira aquela noite. Ele sorriu quando viu Elizabeth e a segurou com força quando ela pulou em seu colo.

— Desculpa o atraso — murmurou e se sentou ao meu lado — Eu tava... no hospital.

E foi simples assim. Toda a pequena animação e felicidade que eu tinha conseguido na última meia hora desapareceu em um segundo. Olive. Brad estava com Olive de novo.

Desde o acidente ele fica no hospital pelo menos uma noite por semana e praticamente todo dia ele passa para dar um oi. Eu não consigo nem entrar no quarto. Eu tentei diversas vezes, mas só consegui em uma delas, a primeira. Não fiquei nem dois minutos com ela antes de sair correndo. Não quero ver minha irmã daquele jeito de novo mesmo que isso signifique não ver Olive nunca mais.

Tudo piorou quando Liz quis saber mais sobre a situação de Olive. Ela estava chorando, mas mesmo assim Hans a repreendeu baixinho. Cada palavra que Brad disse ressoava em minha cabeça mesmo quando ele parou de falar e de repente era tudo um borrão. Eu estava sufocando, minhas mãos tremiam, eu não sentia meu corpo, minha visão estava completamente estranha e do nada eu estava sentada do lado de fora da casa puxando o ar com força.

Senti braços familiares me apertando contra um peito magro e segurei com força a camisa dele enquanto palavras tranquilizantes eram sussurradas em meu ouvido. Levei algum tempo para conseguir normalizar a respiração e mais um minuto para parar de chorar.

— Ally... — ele murmurou.

— Obrigada, Hans.

— Ei...

— E-eu não quero ficar aqui agora. Me empresta seu carro?

— Quer que eu te leve em casa?

— Não quero preocupar Jenna. Encontro vocês na pizzaria.

Ele não deixou eu ir sem ter certeza de que eu estava melhor, mas em cinco minutos eu já estava dentro do carro quentinho indo em direção à pizzaria onde sempre nos encontrávamos. Não consegui ficar no carro por nem um minuto depois de ter estacionado, eu precisava de ar fresco e espaço e aquilo era exatamente que o carro não tinha. Me sentei em um banco de madeira do lado de fora da pizzaria e apertei meu casaco contra o corpo enquanto respirava profundamente.

Aquela devia ser a quarta crise em duas semanas, sendo também a unica que eu tive ajuda. Eu odeio receber ajuda ou ter ataques quando estou em público e isso já aconteceu algumas vezes. A primeira crise que eu tive foi na escola logo depois que voltei para as aulas. Meu corpo inteiro tremia e eu não conseguia respirar, parecia que as paredes da sala estavam se fechando e eu não conseguia entender nenhuma palavra que ninguém dizia embora todas as vozes soassem extremamente altas em minha cabeça. Tia Jenna passou a me levar no psicologo no dia seguinte e eu fiquei uma semana em meia sem ir pra escola.

Eu estava com os olhos fechados, mas senti imediatamente quando outra pessoa se sentou ao meu lado no banco e a encarei no mesmo instante encontrando um par de olhos azuis hipnotizantes.

Ele é lindo, admito. Se essa história fosse um conto de fadas, eu diria que senti borboletas na barriga e que meu coração acelerou drasticamente. Seria mentira dizer isso, mas aquele garoto definitivamente me atingiu em cheio.  O cabelo preto faz um ótimo contraste com a pele clara, corada pelo frio, e junto com os olhos claros e os lábios avermelhados  ele é com certeza um dos garotos mais bonitos que eu conheço.

— Sua bochecha tá suja. — foi o que ele disse.

— Quê?

— Bem aqui — ele apontou para o lado esquerdo de meu rosto e imediatamente eu levei a mão até o lugar onde ele disse. — Isso.

— Hã... obrigada?

— De nada.  O que leva uma garota a ficar do lado de fora de uma pizzaria as sete da noite nesse frio?

— O que leva um garoto a ficar do lado de fora de uma pizzaria fazendo perguntas sobre a vida de alguém que ele nem conhece nesse frio?

— Touché — ele disse com um pequeno sorriso no rosto e estendeu a mão — Sou Andy.

— Ally — respondi e apertei sua mão, que estava extremamente gelada. — Respondendo sua pergunta, eu tô esperando uns amigos.

— Respondendo a sua, eu tô esperando meu primo. Por que aqui fora?

— Eu preciso de ar. E você?

Ele corou ainda mais.

— É que eu te vi aqui sozinha e você parece meio perdida, sei lá. Fiquei curioso.

— Já te falaram que você é meio estranho? — perguntei.

— Não sou estranho, jovem.

A primeira coisa que reparei quando desviei os olhos de seu rosto foi a blusa que usava por debaixo do moletom. Ela era branca e tinha um garotinho de cabelos pretos usando um tapa olho e uma roupa de garçom. Eu conhecia o personagem, embora o desenho da camisa fosse muito mais fofo que o do anime. Kaneki, de Tokyo Ghoul (na primeira temporada, é claro).

— Você gosta de anime. — afirmei sorrindo e ele sorriu também.

— Não nego.

E então nós entramos em um mundo paralelo apenas conversando sobre animes. Quase o xinguei quando ele disse que não gostara muito de Akame Ga Kill (ele só viu dois episódios, isso é um absurdo!), mas desisti quando Andy falou que um de seus animes favoritos era Ao No Exorcist. Nós trocamos os números de telefone e voltamos a conversar. Andy era divertido e engraçado e pela primeira vez em muito tempo eu realmente esqueci de tudo o que acontecia ao nosso redor. Era ótimo falar com alguém que não me tratava como se eu fosse quebrar caso ele passasse do limite. Andy não sabia quem eu era, não sabia da minha vida e muito menos dos meus problemas, então ele não me olhava com dó quando achava que eu não estava vendo e eu não precisava criar teorias sobre o que ele pensava sobre mim. Ele não me conhecia. Era a pessoa perfeita pra tirar os problemas da minha cabeça naquele momento e foi o que ele fez sem que nenhum de nós reparecemos.

Ficamos ali mais ou menos uma hora antes de nos interromperem com um pigarro. Era Hans. Ele estava com as sobrancelhas erguidas e nos encarava com curiosidade. Suspirei quando vi e senti meu sorriso diminuindo um pouco quando fui puxada de volta para a realidade.

— Parece que eu nem precisei apresentar vocês certo? — Hans disse logo depois.

— Como assim? — perguntei ao mesmo tempo que Andy soltava um "ah". Hans riu.

— Ou talvez precise. Ally, esse é meu primo, Andrew Collins. Andy, essa é minha melhor amiga, Allison Levon, mas acho que você já notou isso.

E foi ali que eu soube que fugir da realidade é algo realmente impossível. Ela vai voltar e junto com ela vem um grande tapa na cara para piorar tudo.


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