Without Love escrita por Allison


Capítulo 2
Parte dois




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Eu não me amo. E é por isso que eu entendo o porquê de você também não fazê-lo.

Corações partidos, estraçalhados, tudo isso é comum e inegável. A dor chega sem pedir permissão, invade-lhe como uma bala perdida. Você não tem tempo para pensar. Não tem tempo de clamar por piedade. A vida é cruel, as pessoas são cruéis. Isso é inegável.

A lembrança mais antiga que tenho é de quando estava caminhando despreocupadamente na frente de minha casa e acabei batendo em uma garota loira. Ela era linda, do jeito que chega a dar repulsa. Seus olhos brilhavam, seus cabelos voavam. Poderia facilmente dizer que ela era bonita demais para estar nesse universo. Percebi que alguns livros haviam caído quando nos batemos. Ajudei a juntá-los. Era a coisa certa a fazer. Desculpei-me pelo evento e, de repente, ouvi o nome da garota. Sua voz era mais aguda do que o normal, mas isso não era um problema. Apresentei-me da forma mais simples que pude e continuei pensando.

– Você mora por aqui?

– Na verdade, sim. Esse é meu apartamento. – Apontei para o enorme edifício atrás de mim.

– Ele é todo seu?

Lembro da risada que contive. Imaginei que ela não era daqui.

– Não, apenas uma parte dele.

–*–

As memórias de uma pessoa vão até onde seu coração alcança.

Puxei Scarlet pelo braço. Já não aguentava mais esconder as coisas dela. Eu confiava em minha melhor amiga, essa era a maior certeza que uma garota de dez anos poderia ter. Se existisse um limite de proximidade entre melhores amigas, suponho que Cats e eu havíamos quebrado-o há muito tempo.

– Preciso contar uma coisa, Cats.

– Pode contar, Faith.

– Eu vou morrer antes de você. – Suspirei profundamente. A verdade machucava.

– Hã? Por que está dizendo isso?

– Porque é o que vai acontecer...

– Prometa-me uma coisa.

– O quê?

– Prometa-me que nunca vai me deixar.

Essa foi a primeira vez que vi Scarlet tão séria, mas não foi a última.

– Okay, eu prometo. Mas você tem que me prometer uma coisa também.

– O quê?

– Você nunca vai me deixar também.

– Eu prometo, Faith.

Seus braços me envolveram calorosamente. O cheiro doce que ela exalava era maravilhoso. Ela me levou de volta para o quintal e continuamos o nosso dia perfeito, sem contar para ninguém sobre nossas promessas.

–*–

A vida nunca dará uma segunda chance. Aprendi isso muito cedo.

Dois dias após o meu aniversário de catorze anos, meus pais tiveram uma briga horrível em casa. Depois de muitos gritos, resolvi sair de lá. Fui até um banco e sentei-me lá, imaginando o motivo de tanta raiva. Balançava minhas pernas ritmadamente enquanto observava o chão.

Quando o sol estava indo embora, percebi que havia uma garota de pé longe de mim. Reconheci aqueles cabelos loiros na hora. E, de repente, parecia que toda a raiva que estava em casa fora colocada dentro de mim. Scarlet havia me deixado. Ela havia me dado as costas. Scarlet não me procurara.

Voltei para o meu apartamento e tranquei-me em meu quarto. Peguei uma folha de papel e comecei a escrever. Precisava tirar aquele peso de mim.

“Quero você fora da minha cabeça. Agora.”

–*–

Se minhas palavras fizessem um som, seria o barulho seco de um tiro.

Uma pessoa não precisa estar dentro de uma caixa, abaixo da terra ou dentro de um pote para ser considerada morta. Uma pessoa já está morta a partir do momento que tudo que vê é escuridão. Uma pessoa já está morta quando convence a si mesma que não tem mais esperanças. E eu estava morta. Além de ver a escuridão, eu sentia uma queimação na garganta. Não sabia dizer se era o gosto amargo das palavras que não saíam ou da vodka que descia.

Pensara diversas vezes em finalmente me enterrar, sem medo do que aconteceria depois. Pensara também em convidar a morte para dividir uma bebida em qualquer bar de esquina. Esses pensamentos me deixavam cada vez mais perto do que eu mais queria. A morte.

Arranjei um pequeno caderno onde anotava todos os meus planos, além de pequenos bilhetes e algumas cartas. Minha vida toda estava em um caderno. Perigoso? Sim. Saídas alternativas? Inexistentes. Quer dizer, eu não as enxergava. Eu não enxergava muitas coisas. Apenas sentia. Sentia dor, ódio, raiva. E tudo isso era descontado em garrafas de bebidas. Ninguém se importava, de qualquer jeito. Muito menos eu.

Saí de casa no meio da noite. Sabia exatamente o que fazer. Ou pelo menos achava que sabia. Terminei a quarta lata de cerveja daquele dia. Segui meu caminho pelas ruas escuras, olhando atentamente para cada canto. Não estava me sentindo muito bem, estava meio tonta e com uma faca no bolso, mas isso era comum.

E foi então que eu vi. Vi exatamente o que eu queria. Meu alvo. Aquela garota loira. Minha mente gritava “mate-a” freneticamente e eu não pude deixar de obedecê-la. Ela segurava uma caixa ou algo do tipo. Vi uma pessoa andando por ali, mas tive tempo suficiente para puxar a garota até um pequeno beco sem ser percebida.

– Não ouse gritar. – sussurrei em seu ouvido.

Então um grito disparou entre meus ouvidos, quase que automaticamente, despertando em mim a raiva que adormecia com o álcool. Em questão de segundos, o pescoço da garota jorrava sangue. Joguei-a no chão, vendo seus cabelos loiros se espalharem pelo chão e corri. Corri até uma casa com um muro baixo e pulei-o. Percebi que alguém havia me visto. Olhei para a pessoa que se aproximava cada vez mais rápido. E era Scarlet. Eu não tinha matado Cats, tinha matado apenas uma criança qualquer. Vi que Scarlet estava chorando. Correndo e chorando.

Naquele momento, prometi que mataria tudo que a fizesse chorar.

–*–

Eu ainda estava na mesma casa. No mesmo quarto escuro com as mesmas luzes que eu insistia em manter apagadas. Mas sem os gritos familiares.

Todos os dias, eu sentava-me no mesmo banco de sempre. Todos os dias, despedia-me temporariamente do sol. Sabia que ele voltaria. Ele era o único que não me abandonara sequer uma vez. Ele sempre esteve lá. Sempre partiu, mas isso é algo normal. Encontrar o caminho de volta é a parte mais difícil. O que eu não esperava era vê-la naquele dia. Eu estava seguindo minha rotina, não precisava de mais nada. Não pensei muito enquanto falava o que pensava. Tudo fluía perfeitamente. Menos Scarlet. Ela interrompia minha paz interior e isso me irritava.

– Eu fui a pessoa que mais lhe entendeu em toda a sua vida. Não ouse negar isso. Você sabe muito bem qual é a verdade.

– Não lhe reconheço mais, Faith.

– Sei disso. E fico feliz. Tudo está indo exatamente como eu planejei.

– Planejou?

Se ainda tivesse dez anos, juro que faria Cats sentar ao meu lado e ouvir tudo. Passaríamos a noite criando expectativas, fazendo promessas que talvez nunca se cumprissem. Mas ela não era mais a Cats de oito anos atrás. Ela era outra pessoa. Não queria admitir isso, mas era.

– Sim, planejei. Mas não se preocupe, não sou nenhum tipo de ameaça. Só quero pedir-lhe um favor. - Ela ficou em silêncio, então eu prossegui. – Suma da minha vida.

–*–

Com o passar dos anos, fui criando certa resistência ao álcool. Prossegui com meus planos, com o meu caderno. E tudo estava dando certo. Na verdade, uma das partes do plano era que ele desse certo.

Scarlet provavelmente não se lembrava de minha existência. Ela estava ocupada demais com o caso de um assassino. Isso tirava todo o seu tempo. Como eu sabia disso? Simples. Eu sempre a via.

Desde pequena, aprendi que uma promessa é um elo que você cria e que não pode destruir. Se fizer isso, perde sua honra. Perde sua vida. Perde toda a bondade que estava ali. Eu sempre cumpri minhas promessas. Até mesmo as promessas eternas, as promessas que fazia a mim mesma, as promessas silenciosas. Todas elas valiam algo. Todas elas eram importantes.

Eu nunca prometi que seria boa. Não, isso não. Pessoas boas são apenas pessoas más que acabaram de adquirir máscaras novas.

–*–

Meu plano seria posto em prática depois de anos. Finalmente estava pronto. Finalmente eu poderia agir. Não sem fazer testes, é claro. Mas os mesmos já haviam acontecido. Estava adorando aquela sensação.

Resolvi matar algum tempo em um lugar aleatório da cidade, afinal, a ansiedade estava me corroendo. Fui até a biblioteca e peguei um livro aleatório sobre terror. Eu era apaixonada por isso. A forma como tudo se resumia à morte. A complexidade de uma arma carregada: engatilhe e atire.

Era um livro bom, de fato. Não prestei muita atenção na história em si. Minha mente focava no que viria a seguir. Senti meu celular vibrar e saí da biblioteca imediatamente. Senti que tudo daria certo. Quando terminei o que precisava, fiz uma última ligação. Só precisava disso.


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