Without Love escrita por Allison


Capítulo 1
Parte um




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/495484/chapter/1

Cedo ou tarde as coisas se vão. Cedo ou tarde eu irei lhe perder. Cedo ou tarde você correrá de meus braços. Cedo ou tarde eu não estarei mais aqui.

Todos os dias parecem iguais quando você está morto, mas a verdade é que, todos os dias, eu vejo o mundo mudar na frente de meus olhos. Por exemplo, ontem eu estava andando silenciosamente pelo meu quarto, em busca de respostas. E no outro dia, estava a sete palmos do chão.

E como isso aconteceu? Suponho que até agora eu não tenha entendido completamente, já que tudo sempre foi enigmático para mim. Tentarei, então, juntar as peças de uma vez por todas. Mas, para isso, terei de voltar para onde tudo começou.

Era uma bela tarde invernal na pequena cidade onde eu morava. O vento que jogava meus cabelos para trás era frio e constante. Nada o impedia de bagunçar o que uma vez estava certo, porém eu não poderia culpá-lo. Não foi proposital. Do mesmo jeito que foi bagunçado, foi arrumado por uma pequena mão infantil. Lembro-me de esbarrar em uma garota enquanto corria de volta para casa. Eu estava carregando alguns livros e os mesmos caíram ao chão. Vi que a sua expressão era de raiva, mas, de todo o jeito, ela me ajudou a organizar o que eu precisava. E eu sorri.

Ela mantinha seus olhos fixos ao chão, mesmo quando pude ouvir seu murmúrio.

– Desculpe-me pelo que aconteceu. – Seus cabelos negros eram empurrados com a mesma velocidade que os meus.

Pensei por alguns segundos em como deveria responder ou se realmente deveria responder. Por fim, minha mente não conseguiu processar o que acontecera. Ela ainda estava focada na garota surpreendentemente pálida, com cabelos e olhos escurecidos que estava diante de mim.

– Meu nome é Scarlet.

– Faith.

Os dias que se seguiram foram cada vez mais irônicos. Como tinha acabado de me mudar, não conhecia muito bem os lugares. Encontrei Faith na maioria das vezes que resolvi sair de casa. Não costumávamos conversar muito, mas ela estava ali e eu também. E isso bastava para duas crianças de seis anos.

–*-

Lembro-me perfeitamente do meu aniversário de dez anos. Ou quase perfeito.

Faith e eu estávamos correndo pelo quintal de casa junto com outras crianças. O dia era meu, mas a alegria era de todos. Eu ouvia risadas vindo de todos os cantos. Ouvia os pais conversando e acompanhava alguns de seus olhares cuidadosos. E tudo isso era insignificante para mim. O que realmente importava era que Faith, minha atual melhor amiga (se é que posso chamá-la assim) estava lá. De novo. Dessa vez, eu não carregava livros. Dessa vez, o vento não estava tão violento. Dessa vez, tínhamos apenas a alegria em nossas mãos.

Em certo momento, ela segurou meu braço e puxou-me para um quarto. Faith sorria, assim como eu e todos que estavam presentes.

– Preciso contar uma coisa, Cats.

Continuei sorrindo ao ouvir o apelido que só nós duas sabíamos o verdadeiro significado, enquanto Faith sussurrava. Nunca pensei que conseguiria guardar segredos tão bem. E digo isso porque ele permaneceu comigo durante longos anos.

–*-

Faith e eu estávamos no início de uma nova fase. Infelizmente, cada uma teria que enfrentá-la de um jeito diferente.

Eu já não via Faith nas ruas. Não íamos mais a nossa sorveteria favorita. E ninguém mais me chamava de Cats. Nunca permiti que isso acontecesse, mesmo estando cercada por pessoas novas. Essa era a minha felicidade aos catorze anos. Popularidade. Eu era o centro de muitas coisas, sempre gostei disso, sempre me senti ambiciosa, como se tivesse nascido para ser algo além da Scarlet.

Durante um tempo, supus que minha melhor amiga já não era mais tão minha assim. Encontrei Faith sentada num banco em um dia casual, mas ela não olhara para mim. Deixei-a, mesmo sabendo que não era a coisa certa a fazer. Não vi seu sorriso, não vi seus olhos brilhantes, não vi a alegria que eu queria.

–*-

Aos dezesseis anos, o que era fraco, tornou-se morto. Nessa época, eu já estava diferente de novo. E Faith também. Na verdade, ainda era Faith, mas com um perfume diferente. E eu ainda era Scarlet, mas com um novo corte de cabelo. Eu nunca desejei isso. Nunca quis me afastar de ninguém. O acaso é apenas mais uma forma de acabar com a sua sanidade.

Eu estava caminhando no meio da noite quando ouvi gritos agudos vindo de algumas ruas atrás de mim. Virei rapidamente, mas tudo que vi foi um vulto preto pulando um muro. Corri de volta para casa, senti meu coração pulsando. Eu estava paralisada, mas não poderia ficar ali. Obriguei meu corpo a mover-se cada vez mais rápido e pude jurar que havia adrenalina escorrendo de meus olhos. Depois disso, nunca mais consegui juntar coragem para caminhar sozinha.

Durante muitos dias, imaginei onde Faith poderia estar, mas sabia que não tinha mais o direito de perguntar. Pensei em ligar para ela, mesmo sabendo que estaria me destruindo com o som de sua voz. Pensei em ir até sua casa, mesmo não tendo coragem de vê-la. Pensei até mesmo em segui-la secretamente, apenas por alguns momentos. Eu só precisava de um pouco mais dela. Precisava dela. Eu sentia sua falta, mesmo sabendo que ela provavelmente não estava pensando em mim. Aliás, ela nunca estava. Faith nunca disse que estava com saudades de mim. Faith nunca aparentava se importar. E isso me entristecia.

–*-

Quando finalmente completei a maioridade, juntei tudo que nunca tive e fui atrás do que eu queria.

Sabia que ela não estava muito longe, eu sentia sua presença. Sabia que as luzes de seu apartamento estavam apagadas propositalmente. Eu ainda a conhecia, ainda tinha esperanças. Eu não desperdiçaria aquela chance. Não poderia, não ousaria. Então voltei ao mesmo banco que um dia havia visto ela.

Faith estava magnífica como sempre. Seus olhos estavam cobertos por sua franja, mas eu sabia que observavam meus movimentos. Seus braços estavam cruzados, mas eu sabia que ela não estava com frio. E o sorriso que jazia em meu rosto estava prestes a desaparecer.

– Eu quase morri de tanto que queria viver. – Ela fez uma breve pausa – Eu quase quis viver por mim mesma, porém você não cumpriu sua promessa. Vi suas lágrimas caírem uma vez e prometi que acabaria com tudo que lhe machucasse. Ah, eu era ingênua demais...

Minha voz estava falha, assim como minhas pernas. Elas se recusavam a prosseguir.

– O que te faz pensar desse jeito?

– Simples. O fato de que você se esqueceu da minha maior qualidade. Eu sou só.

– Eu também era solitária aos seis anos de idade, quando não entendia nada. E estar sozinha não muda nada. Conheço bem esse estado, de verdade. Sei lidar com ele.

– Não, você não sabe. – Sua voz era cada vez mais grosseira, como arames farpados enrolados em volta de meu pescoço - Você nunca seria capaz de entender tudo, minha cara. E eu não te culpo por isso.

– O que me entristece é ter visto em você o fim de uma história contada sempre com a mesma intensidade. Você também não foi capaz de entender o que eu sentia, Faith. Não jogue tudo por cima de mim. Eu não mereço isso.

Vi seus olhos se revirando e, pela primeira vez em anos, Faith estava de pé em minha frente.

–*-

Morar sozinha sempre pareceu ser algo maravilhoso, exceto quando você ouve no noticiário que existe um assassino ao seu lado.

Trabalhei na área investigativa durante alguns anos com meu pai. Concluí que precisaríamos de mais do que três detetives em um caso como esse. O assassino não tinha rosto nem uma definição clara. Ele apenas matava mulheres e sempre usava armas brancas. Nunca havia usado uma arma de fogo, até onde tínhamos informações. Não que o uso de armas de fogo fosse ajudar em muitas coisas, mas um assassino que usava armas brancas em uma cidade pequena como a minha era algo surpreendente. Até onde eu sabia, em um mês, havia seis casos de mortes. Seis mulheres que moravam sozinhas. Seis mulheres com marcas de cortes. E nenhuma pista de um assassino, exceto por alguns símbolos espalhados quase aleatoriamente em algumas partes dos corpos das vítimas. Uma dessas mulheres, a última a ser morta – até o momento – era uma conhecida de meu pai. Ela morava perto de minha antiga casa. Mas no mês seguinte, não soubemos de mais nada sobre o assassino. Estávamos cada vez mais preocupados, principalmente meu pai.

–*-

Eu nunca imaginei que a morte precisaria de licença para entrar na casa de alguém.

No meu aniversário de 21 anos, meus pais me deram uma enorme coleção de livros de diversos gêneros. Havia uma estante coberta com eles em meu quarto. Eu passava boa parte do tempo olhando-os e organizando-os de diversas formas. Correr meus dedos pelas capas, esse era o motivo da minha alegria. Então, decidi que precisava de mais um livro para completar minha coleção.

Fui até a biblioteca da cidade em busca de um livro perfeito. Quando adentrei o enorme centro de palavras, não pude deixar de suspirar. O cheiro maravilhoso de sabedoria preenchia meus pulmões com uma graciosidade inigualável. Caminhei lentamente pelas prateleiras, sem prestar muita atenção nos títulos que ali estavam. Eu me interessava pelas capas.

Algum tempo depois de observar todos aqueles livros, percebi que havia uma mulher sentada em uma poltrona perto de mim. Olhei-a discretamente, mesmo que ela estivesse sentada de costas para mim e – aparentemente – focada demais em seu livro. Ela lembrava uma modelo. Seu corpo era perfeitamente curvado, encaixava-se perfeitamente no blazer preto que usava. A única coisa que me incomodou foi aquele cheiro familiar de esperança e amizade.

Saí da biblioteca assim que vi a mulher entrando em um carro. Pensei em segui-la, mas seria loucura. Não devo seguir estranhos. Anotei “Chanel nº 5” em minha mão e fui ao restaurante mais próximo. Cheguei em casa ao auge da noite. Nunca fui boa com datas, mas supus que era dia vinte de novembro. Ou talvez fosse vinte e um.

Recebi uma ligação assim que entrei em casa. Era um número privado. Deixei tocar duas vezes e atendi. Não ouvi nada, a princípio.

– Alô?

Uma voz distorcida interrompeu minha fala.

– Não olhe pela janela.

Automaticamente, eu olhei para a janela. Não é como se eu tivesse alguma alternativa. E ela estava aberta. Corri para fechá-la e joguei meu celular em uma mesa de canto. Fui até o meu quarto, onde havia outra janela aberta. Fechei-a também e percebi que havia um livro no chão. Quando o peguei, percebi que não havia sido a única.

Havia um floco de neve estampado na capa. O mesmo símbolo que estava em todas as casas que um dia haviam abrigado mulheres vivas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Without Love" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.