Lágrimas Secas escrita por TalesFernandes


Capítulo 6
Capítulo 6




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Durante toda a minha vida, pensei que depois da morte eu não iria me lembrar quem mais eu era. Mas isso era bem diferente. Eu lembrava de todos os acontecimentos da minha vida até mesmo quando formos mortos por aquele furacão. Outra coisa estranha, é que eu sentia que eu estava me movendo constantemente e sentia algo tocando meus ombros e me dando uma pequena agulhada.

O pior de tudo, foi eu ouvir o som de um caminhão acelerando, e murmúrios de vozes ao meu lado, todas mencionando o meu nome. No meio dessa multidão pude ver uma voz conhecida que eu adorava tanto, a de Júlia. Me esforcei para abrir os olhos, mas eles estavam grudados igual cola.

Me esforcei mais, e senti que eles estavam se desprendendo, e pude sentir a meu redor coisas mais concretas, como o calor do local, as vozes com mais clareza tudo. Isto era o céu? Pensei que era um local em meio tantas nuvens, lá no topo.

Lentamente abri os olhos, mas era tão pouco que ninguém que supostamente estava ali viu. Quando ousei abrir ele mais um pouco, uma luz bem na minha cara ofuscou minha visão. Demorou alguns segundos para meus olhos se acostumarem ao clarão, e finalmente senti os meus sentidos voltarem novamente, e meus olhos se abrirem.

Me levantei num súbito movimento, e a primeira coisa que observei foram os rostos assustados da família de Júlia. Antes de eu poder pensar em qualquer coisa, Júlia foi até mim e me deu um abraço de urso, o que por um momento fez eu esquecer toda aquela tensão.

Depois uma explosão de murmúrios ecoou pela local, e pelo o que eu vi era bem pequeno. Em um espaço de mais ou menos um pequeno quarto, estavam ali a família de Júlia, e no canto escuro do pequeno quarto, uma pessoa alta misteriosa que portava um rifle.

– Onde estou? – consegui falar meio atordoado.

– Olhe melhor, Frank. – disse Júlia.

Olhei em volta, e combinando com o local pequeno e o barulho alto de motor, pude concluir que estávamos dentro de um caminhão. Provavelmente, aquele soldado era do exército que veio resgatas as vítimas do furacão na cidade.

– Onde está minha família? – disse apavorado.

Todos da sala ficaram com os olhos marejados, cheio de lágrimas, e eu rapidamente liguei os pontos. Não, isso não podia ser verdade, NÃO!

– Olha Frank, sua família ela.. – Júlia começou mas eu tampei os ouvidos.

– NÃO! – berrei tão alto que até o soldado que parecia estar adormecido acordou com um pulo e apontou sua arma, mas logo após me ver com meu arrependimento, ele soube o que era e me lançou um olhar de pena, com seus olhos castanhos intensos.

– Frank. – Júlia disse séria e eu decidi ouvi-la. – Sua mãe e sua irmã foram atingidas por um pedaço de madeira e não resistiram a tempo dos exércitos chegarem, você foi protegido quando caiu pois caiu em cima de um colchão. – ela completou e a essa altura eu chorava desesperadamente.

Por toda a minha vida eu tinha vergonha de demonstrar minhas emoções em público, mas agora meu rosto parecia uma cascata de água, e minha face com certeza estaria toda vermelha.

– Olhe calme. Você não irá ficar sozinho e sem lar. O exército nos salvou e nos disse que irão nos levar para um alojamento que fica a alguns dias daqui, perto da cidade de Nova York. – Júlia usava sua voz mais controlada possível, tentando conter emoções nela por causa do meu sofrimento.

– NÃO! – berrei de novo, mas ninguém na sala protestou, sabiam do meu sofrimento, e todos apenas se encostaram silenciosos na parede oposta do caminhão, até mesmo Júlia, respeitando meu momento de luto.

Me encostei no canto mais escuro no caminhão, mesmo ele sendo pequeno, e comecei a chorar sem parar até o fim. O meu plano era poder morrer de fome, porque eu não tinha ido junto com eles?

Meus olhos chegaram em um ponto que não havia mais lágrimas, e eu soltava pequenos soluços de vez em quando, que com o tempo fizeram minha garganta começar a doer. Então, nesse ritmo chorando, meus olhos se fecharam lentamente e adormeci ainda com a dor no coração.

&&&&&&

Acordei com um cheiro de comida que fez meu estômago me lembrar que eu não tinha comido nada ainda. Pelo o que eu percebi, não sentia mais o movimento do caminhão andando, devíamos estar numa parada ou chegado no destino. Abri os olhos lentamente e pude ver que dentro do caminhão estava sendo preparada algumas comidas que nunca tinha visto na vida, como arroz, feijão, macarrão e carne. Olhei com mais atenção e volta, e vi que a porta de trás do caminhão estava aberta, e a família de Júlia sentados em umas cadeiras bem no lado de uma estrada. A luz do dia ofuscou minha visão, e demorei para me acostumar a ela.

Finalmente, reuni forçar para poder continuar e me levantar, nunca tinha me dado com uma morte antes, ainda mais sendo das duas pessoas que eu mais amava na vida. Tenho lembranças fortes que queimam meu coração dos momentos bons que passei com minha mãe, como o modo protetor que ela me abraçou nos segundos antes de morrer.

Levantei aos tropeços do caminhão, e pulei para fora dele. Eles estavam conversando coisas tristes e fechando a cara, e quando me viram seus olhos ficaram marejados.

– Tudo bem pessoal, eu estou bem. – menti.

– Frank! – disse Júlia animada e me dando um abraço. – Queria lhe dar um beijo, mas não tem como. – ela sussurrou no meu ouvido me causando arrepio, e por um momento aquele seus braços em volta dos meus fizeram a minha dor de acalmar um pouco.

Um soldado grande com vestimentas do exército, segurando seu rifle de assalto com apenas uma mão, me estendeu um prato grande feito, com um cheiro irresistível. Enquanto vi aquela especiaria que até então desconhecia, fiquei pensando o quanto a minha irmã e mãe iriam adorar comer isso, o que só piorou a situação.

Uma pequena lágrima escorreu no meu rosto quando eu peguei o prato, mas não houve nenhum comentário por parte deles, sentei em uma cadeira em que o soldado me mostrou ao lado de Júlia, e por um longo momento só se ouvia o barulho de meu garfo comendo, pois os outros já tinham terminado sua refeição. Júlia enfim, quebrou o silêncio.

– Então Frank, me falaram que lá no alojamento tem comida o suficiente para todos! – Júlia tentou parecer animada com a questão, mas sua voz a acusou de um duro sofrimento me vendo daquela forma.

Fiquei em silêncio por um longo tempo, quando ouço uma voz grave perto de mim que eu reconheço muito bem.

– Se acalme.

– Quem disse isso? – levanto da cadeira num pulo e deixo meu prato jogado de lado. – Mãe?

Os outros me olham com uma expressão assustada, mas ao mesmo tempo de pena. Essa confusão segundo eles devia ser pela recente perda.

– Filho. – a voz outra vez fala, e percebo que essa vem dentro de minha mente.

Dessa vez não mostrei nenhuma reação, apenas deixei isso de lado, era alucinações minhas. Quando o soldado viu que minha refeição foi acabada, todos entramos no caminhão de volta e começamos a arrumar o local onde foi feito uma cozinha improvisada, e depois de pronto o soldado fechou a porta do caminhão, mas dessa vez não entrou com a gente.

– Porque ele não entra? – perguntei.

– Talvez porque queira acompanhar seu colega motorista. – Júlia explicou.

Um fato estranho é que, a família de Júlia em momento nenhum dirigia a palavra para mim, a única coisa que consegui ouvir foram murmúrios deles hoje quando acordei, nada mais. Todo o tempo eles ficavam juntos encostados na parede, a mãe de Júlia, sua avó e o seu avô.

– Não chore filho eu estou bem. – aquela voz de novo ecoou na minha mente, mas desta vez foi algo tão intenso que isso não devia ser alucinação.

– Mãe? – pensei dentro de minha cabeça sem demonstrar nada para os outros, apenas fingindo que estava em luto. – Está ai?

– Sim meu filho, estou aqui. – a voz ecoa novamente em minha cabeça, sólido e grave como uma pessoa dizendo no meu ouvido. – Eu não tenho muito tempo para falar com você, então ouça, eu e sua irmã estamos bem, ok? Apenas digo isso.

Então sinto que algo dentro de minha cabeça se desaparece, e ela se vai. Mas essa última mensagem que ela me passou fui o suficiente para me deixar feliz, pois eu tinha certeza que elas estavam indo em um local onde tinha comida a vontade, e esse sofrimento de ter que trabalhar para viver iria acabar.

O caminhão subitamente para, e posso ouvir vários barulhos de vozes seguidos por caminhões, portas se abrindo ecoando do lado de fora. Alguém abre a porta do caminhão, e se dirige para a parte traseira. O soldado, o mesmo que vinha nos acompanhando, abriu lentamente a pesada porta feita de aço do caminhão, e anuncia:

– Chegamos, caros senhores e senhoras.


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