Lágrimas Secas escrita por TalesFernandes


Capítulo 5
Capítulo 5




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– Mãe, estou cansado! – resmunguei quando ela insistia em me levantar para ir cuidar da horta no fundo da casa.

– Vamos garoto! Eu não crio filho meu para ser um peso morto! – ela cutucou mais uma vez meu corpo, já estava ficando irritado com tudo aquilo. Todos os dias de manhã eu era obrigado a regar a horta, enquanto minha mãe plantava mais algumas sementes nela. O problema é que eu vivia cuidando daquilo e nunca vi nenhuma cenoura ou alface no almoço, aquilo não dava resultado.

– E trate-se de ir rápido, pois depois do almoço você vai ter aulas mocinho! – um desânimo percorreu pelo meu corpo quando eu percebi que era segunda, o meu pior dia da semana. Como qualquer garoto de minha idade, eu odiava estudar, mesmo que por causa das limitações seja fácil aprender a matéria. O professor era um velhinho que não sabia explicar direito, e quando pedia para mim fazer algo ele mal olhava para saber se estava certo.

Levantei com muito custo daquela cama, com aquele colchão macio e os lenções branquinhos implorando para mim voltar, e tive que me conter ao máximo para não perder o controle me cair naquela cama de novo.

Após tomar banho e comer um pão no café-da-manhã, olhei no relógio e vi que ainda eram 6:30, que horas minha mãe tinha me acordado? Pelo o que eu lembro, o sol estava bem imponente no céu, criando apenas alguns raios amarelados, enquanto o céu empolgantemente ficava azul por todo o vasto mundo em que vivemos. E de pensar que em meio a esse universo imenso, somos apenas um pontinho no mapa.

Sem alguma vontade ou ânimo, segui para nossa pequena hortinha que não dava nada, e começamos a fazer as tarefas. Pelo menos, aquela dura tarefa me tirava os pensamentos sobre aquele beijo que venho tendo toda hora, desde ontem. Minha mãe como de praxe danou comigo por ter demorado 10 minutos, mas ela aceitou de boa a desculpa que não estavam achando o sal.

Enquanto minha mãe passava na horta jogando as sementes na terra seca, eu passava atrás regando para que elas possam ter nutrientes necessários e aflorarem. Um pequeno chão de terra na horta ao lado, vi que tinha alguns pequenos alfaces crescendo por meio de algumas sementes, e provavelmente teria uma trabalho extra para regalos igualmente.

De tempos em tempos, eu olhava para a casa de Júlia e pensava sobre o que ela estava pensando do beijo de ontem. Será que ela se arrependeu e agora não quer mais falar comigo? Eu queria muito isso desde que a vi, mas eu valorizava a nossa amizade mais ainda para poder arriscar tudo por conta de um beijo. Tinha que admitir, ela beija muito bem.

O resto da manhã se passou arrastando, por incrível que pareça, aqueles pensamentos sobre Júlia fizeram a hora passar voando, mesmo eu fazendo trabalho forçado. Teve um momento que minha mãe me elogiou e eu nem agradeci de volta, estava realmente no mundo das luas.

Quando chegou a hora do almoço, já fui direto para o banheiro tomar um bom banho antes de começar a estudar, aquela aula chata sobre quem inventou os Estados Unidos, ou como as Montanhas Geladas do Norte surgiram.

Quando terminei de almoçar, já me apressei para pegar os meus materiais e ir para a salinha reservada aqui mesmo na minha casa, pois alternávamos, dia aqui e dia na casa de Júlia, que não mudava nada. A salinha reservada era mais mesmo quando pegávamos o sofá e a mesa que comemos e colocamos ela num canto para que pareça o máximo possível com uma sala de aula.

A porta bateu, e quando abri Júlia e o nosso professor estavam esperando ansiosamente para começar a aula. Tinha que admitir, Júlia gostava de estudar, e se saia melhor do que eu. Eu estudava mesmo só para mostrar para minha mãe que estou ali, “aprendendo”, ou pelo menos fingindo que está.

Uma coisa em Júlia me chamou a atenção, ela carregava consigo uma confiança nas palavras jamais vista, aquela menina que em horas constrangedoras sempre ficava tímida, agora tinha uma aura de auto-confiança e poder.

– Boa tarde, Frank. – Júlia me abraça e fico surpreso por sua atitude, no mínimo pensei que ela seria uma menina calada depois do que ocorreu ontem em sua casa. Percebi que esse pensamento era o mais infantil de todos, então me esforcei ao máximo para também disfarçar que não ocorreu nada, mas por dentro eu queria tocar nesse assunto.

– Boa tarde, Júlia. Vejo que hoje está mais confiante de si mesma. – observei.

– Isso é algo ruim? – ela brinca com a afirmação e eu tive que acompanha-la, sua risada era contagiosa.

– Em excesso sim, vê se não fica metida. – dou um leve soquinho em seu braço, e ela finge dor.

– Vou contar para a mamãe! – ela tenta manter a cara de séria mas não consegue, solta uma longa gargalhada.

– Podemos entrar? – diz o professor impaciente, olhando para o relógio. – Está na hora!

Nem havia percebido direito que o professor estava ali, então me adiantei e acompanhei eles para a nossa salinha reservada. No começo da aula, fiquei trocando algumas ideias e papos furados com Júlia, até finalmente o professor se zangar e mandar todos nós calar a boca.

A aula passou arrastando, olhando para a Júlia confiante de si mesma. Olhei em volta, e percebi que já eram 5:30, deu o tempo para a aula, pulo de ansiedade e anuncio.

– Bom, deu a hora professor, obrigado por passar seus ensinamentos. – digo para ele e seu rosto se ilumina em um tom de gratidão pelos elogios, inflando seu ego.

– Não se esqueçam que amanhã tem prova, moçada! – anunciou o professor.

Geralmente, em todos os casos, isso era motivo de preocupação suprema, mas não com esse professor. Suas provas eram ridiculamente fáceis, e eu podia abrir o livro na mesa que sua visão já embaçada confundia claramente com a folha da prova.

– Frank, preciso falar com você.. lá fora. – meu coração explode nas minhas costelas, e eu quase caio ali mesmo. Isso poderia significar várias coisas, “lá fora.”

Ela me leva até de fora com o meu corpo meio trêmulo, e antes que eu possa anunciar algo, ela me encosta na parede de minha casa e me dá um longo beijo, apaixonado ao mesmo tempo calmo.

– Era só isso mesmo, tchau lindo. – o beijo somado com a palavra lindo, me deixou sem palavras, como já era vidente. Mas isso não estava certo, queria começar algo sério com ela, assumir relacionamento, não ficar só beijando-a, pois um romance não é só isso.

Meus pensamentos foram interrompidos quando começa a chover levemente, e depressa corro para dentro de casa, mesmo ainda atordoado por conta do beijo surpresa.

&&&&&&

Ouço outro barulho de trovão agoniante no céu, seguido por um clarão que me deixou aturdido. Aquela chuvinha que começou a alguns minutos atrás, virou um verdadeiro temporal. Ventos fortes castigavam a nossa casa, seguida de chuvas com um pouco de granizo, e relâmpagos e trovões.

Estávamos todos os três encolhidos no quarto de medo, era a primeira vez que a cidade enfrenta aquele temporal. Essa situação continuou por uns 10 minutos, e quando ela começa a piorar.

Vejo na pequena janela do nosso quarto, um grande redemoinho se formando no céu, seguido por vários formatos de raios em volta. Cutuco minha mãe com minhas mãos trêmulas, mas nem percebo que as duas já olhavam aquilo tudo com o susto vidente no rosto.

Já tinha aprendido sobre aquilo nas aulas, e se não me engano, estava se formando um furacão nas nuvens. Na mesma hora, me ocorreu o que poderia acontecer com a gente, e fiquei preocupado com Júlia. Antes desses meus pensamentos se focarem, o chão começa a tremer fortemente, e minha mãe abraça forte nós dois com as lágrimas nos olhos. Todos os três tremiam de medo ao mesmo tempo que o chão, e as armações de madeira da casa começavam a se quebrar e rachar. Meu medo era vidente, e minha vontade era seguir Júlia e abraçar ela também.

Num súbito clarão, o céu fica todo tomado por raios e o furacão desce em nuvens estrondosas, fazendo que os ventos movam até as casas próximas. Ouço minha irmã e mãe rezando baixo para isso, e decido fazer o mesmo, ainda pensando na segurança de Júlia. Os ventos começam a piorar, e escutamos o primeiro barulho de madeira sendo arrancado da nossa velha casa e deixando o vento forte entrar dentro dela chegando até nós.

Nossas roupas flutuavam em nosso corpo, e cada vez mais o furacão chegava perto. Ele devia estar a uns 200 metros, e os ventos só pioravam. Pensei em tudo o que vivi até ali, nos meus amigos, no nosso velho professor, e deduzi que se fosse morrer, pelo menos seria uma parcela feliz com a pequena vida que tive.

O furacão invade a cidade, e nossa casa voa para o ar, assim como eu sinto meus pés de desprendendo do chão, e meus olhos fecharem subitamente num desmaio.


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