Trevor

Quando vi já era sábado de manhã. No dia anterior, sexta, Kylie dormiu comigo.

Passei os olhos pelo quarto e vi que Kylie não estava mais lá. Tinha um bilhete em cima do meu celular. Peguei-o e li. Dizia o seguinte:

Trevor, muito obrigada por ter deixado eu dormir aí. Resolvi a briga com meus pais e está tudo bem agora. Se for na Terra hoje, volte antes das sete. Vou estar te esperando com uma surpresa.

Beijos, Kylie.

Terminei de ler e fiquei feliz. Achava bom quando tudo se resolvia na família da Kylie. E teria uma surpresa.

Novamente, coloquei uma blusa preta e um casaco por cima. Tênis e calça jeans. Peguei meu celular, e desta vez, um livro.

Livros no Mundo Negro só são sobre o passado da política e sobre alguns Escolhidos. Peguei o livro de um Escolhido antigo, que eu já tinha aprendido na escola, mas nunca lembrava o nome. Para quê saber porra? Se eu vou governar um dia ou não, que se dane.

Desci novamente para Los Angeles, e fui para a sorveteria. Só fui lá porque era mais sossegado para ler, porque sorvete não me interessa muito.

Fiquei um tempo concentrado no livro, até que me lembrei da garota do dia anterior. Ah, como era linda… se apaixonar por mortais é meio que um crime para o Mundo Negro. Mas aquela garota mexia comigo de um jeito bom, um jeito que eu nunca sentira antes.

O sininho na porta da sorveteria balançou, avisando que alguém entrara. Levantei a cabeça para ver quem era. Meu coração acelerou. Era aquela garota.

Ela se sentou numa mesa ao lado da minha, com um livro diferente. Começou a ler despreocupada, até que fez uma careta e virou a cabeça para o lado. Antes que ela pudesse perceber que eu estava a encarando, voltei a cabeça para o meu livro. A garota me olhava de um jeito esquisito. Meu celular tocou. Era meu melhor amigo, Josh, irmão da Kylie.

– Eaí Trevor?

– Oi cara! – respondi sorrindo – Como estão as coisas?!

– Para um Não-Escolhido está tudo bem. E chato – Josh riu – E contigo?

– Tudo bem.

– Soube que dormiu com a minha irmã – ele deu uma gargalhada.

Senti minhas bochechas queimarem.

– Josh, eu só dormi com ela, nada de mais.

– Aham.

– Imbecil.

– Tenho que desligar, só queria saber se você estava bem, vai fazer dois anos que a gente não se vê.

O tempo havia passado muito depressa. Josh teve umas complicações com mortais e foi preso. Fazia dois anos. Dois anos se passaram sem meu melhor amigo, e eu não percebera.

– Quando você volta? – perguntei, tristonho.

– Ah, sei lá Trevor… - Josh parecia triste também - Acho que daqui uns meses.

Um sorriso tomou conta do meu rosto.

– Que bom.

– É, eu sei – ele respondeu – Mas sério, tenho que desligar. Até mais.

Não respondi, apenas desliguei o celular. A garota ainda me olhava, só que agora de cima à baixo. Ela percebeu o que fazia e desviou o olhar. Voltei a ler, mas uns minutos depois olhei para a garota. No marca página que ela estava nas mãos tinha um nome: Mackenzie S. Fiquei feliz e confuso. Aquele poderia ou não ser o nome dela. Tirei o pensamento da cabeça, fechei o livro e fiquei olhando a tela do celular. Nossa Trevor, que passatempo interessante.

Coloquei os braços na mesa e apoiei minha cabeça. Senti que minha blusa e meu casaco deram uma subida, e que provavelmente dava para ver um pedaço da minha tatuagem. Não liguei. Comecei a pensar se aquela garota estaria afim de mim. Não entendia se isso teria possibilidade, principalmente porque eu iria me ferrar depois, mas estava pensando muito nisso.

Caí no sono. Horas de passaram e eu ali, dormindo. Acordei com um toque delicado no meu ombro. A suposta Mackenzie, me olhou de um jeito doce e com um sorriso bobo no rosto.

– São seis horas, eles já vão fechar – disse ela.

– Ah, obrigado – respondi.

Ela fez um aceno com a cabeça e saiu as pressas da sorveteria. Me levantei devagar, peguei meu livro e meu celular, sai da sorveteria e fui para casa.

Quando abri a porta, Kylie estava sentada no sofá ao lado de Josh.

– Surpresa! – exclamou ela, sorridente.

Abri um sorriso de orelha-a-orelha. Não tinha palavras para expressar aquilo. Meu melhor amigo estava de volta!

Josh veio correndo e meu deu um abraço. Dentre isso, falei:

– Você me enganou, sem graça. Disse que sairia depois de uns meses.

– Surpresa ué! – respondeu ele, rindo – Senti falta de te chamar de Heterocrômoto.

É, Josh também me chama de Heterocrômoto.

– Não dá para inventar outro apelido não?! – perguntei.

– Não – disse Kylie – Forever Heterocrômoto.

Todos rimos.

Os dois ficaram na minha casa até meia-noite, vendo filme de terror e comendo pizza. Há tempos não me divertia assim. Mas nenhuma das brincadeiras e risadas da Kylie e do Josh me fizeram esquecer a Mackenzie.