Undisclosed Desires escrita por MarieClaire


Capítulo 1
I - A "Falha" na estrutura


Notas iniciais do capítulo

Aos que já leram esse capítulo, realmente me desculpem. Fui obrigada a repostar, por uns problemas de visualização, como já disse nos avisos :/
Aos que não leram ... bem, sejam muito bem-vindos. É minha primeira fanfic oficialmente Yaoi, e espero realmente que tenha ficado boa. Eu aguardo, tipo, muito ansiosamente, comentários. É algo que estimula muito os autores, e mesmo que venham escrito um "detestei" já será empolgante. Sério, tipo, sério mesmo. Faz toda a diferença escrever quando se sabe a opinião dos outros.
Enfim, boa leitura *-*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/488092/chapter/1



Verão de 2013 , Mansão Malfoy.

Draco conteve algo semelhante a um choro quando finalmente encontrou seu filho. Seu único filho. Sentiu o estômago revirar-se de forma arrebatadora, e os músculos de todo o corpo tensionarem-se.

Parecia uma das cenas horripilantes de filmes de terror. O mocinho - nesse caso, nem tanto - saia em busca da criança desaparecida por algumas horas, dentro da enorme mansão pouco habitada. Os elfos domésticos lhe diziam não saber o paradeiro do menino, então ele continuava a busca, preocupado.

Não havia ninguém em casa antes dele chegar do trabalho. O que era realmente suspeito, já que Astoria não lhe avisou que sairia.

Depois de explorar todos os cômodos do local, lembrou-se da existência - meramente decorativa - dos jardins. O primeiro deles, devastado há anos pelo tempo. Esquecido por todos, era apenas uma sombra do que fora um dia. O tom estava de um amarelado doente, com o mato seco e morto espalhado por todos os cantos.

De certa forma, simbolizava a própria família que o esquecera.

Sem obter sucesso na busca, Draco seguiu até o jardim que era eventualmente tratado pela mãe, e pelos elfos. O único que possuía o tom verde comum de jardins. Mas sem uma flor se quer. Nascisa, a mãe de Draco, gostava de flores, mas Astoria e Lucius as odiavam. Diziam ter um cheiro enjoativo, e aparência desnecessária.

Mas o loiro não as detestava tanto assim. Lembravam-no coisas esquecidas há muito, como flores que cresciam em locais surpreendentes em sua antiga escola. No passado, provavelmente as acharia toscas.

Ouviu um som estranho, que soara como uma espécie de grunhido doloroso. No mesmo instante, acelerou o passo na direção de onde o mesmo viera, chegando a parte do jardim onde a grama já estava bem alta.

Foi quando o encontrou, em meio a alguns arbustos, próximo ao enorme muro que cercava a casa.

O menino de apenas oito anos, possuía as vestes sujas de sangue fresco, e um facão empunhado em uma das mãos. Seus olhos azuis assumiam uma expressão maníaca, enquanto o pai fitava agora as partes do que devia ser um animal ao redor da criança. Mutiladas, e separadas.

O sangue formando pequenas poças.

–Scorpius ... - sussurrou, a voz rouca e embargada.

Em resposta, o garoto apenas virou o rosto, encarando-o de frente. E o homem sentiu medo do próprio filho, ao perceber que não havia nem se quer uma expressão de culpa no rosto do menor.

Era como se o que estivesse fazendo, fosse absolutamente normal. Não algo de que deveria sentir vergonha.

–O que você fez ... ? - perguntou, aproximando-se um único passo para ver melhor. Desejando do fundo de sua alma que aquilo fosse uma ilusão.

Mas não era. O animal, agora identificado como um coelho, estava com os membros arrancados, e o pescoço degolado, jorrando o fluído vermelho cujo cheiro forte fizera o estômago do pai revirar-se. O pelo branco sujo. Os olhos com dois furos profundos.

Ele levou a mão ao ombro do filho,após alguns segundos, ainda em estado de choque.

–Vamos ... te dar um banho, Scorpius - disse apenas, sem nem notar que havia falado alguma coisa. Não era capaz de raciocinar. Como num filme, cuja cena repetia-se em sua mente,sem que cogitasse acreditar.

O nome da esposa, Astoria, vinha em sua mente, insistentemente. Desejou que ela estivesse ali , para entender do que ele tanto falava sobre o filho. Scorpius estava apresentando cada vez mais um comportamento doentio. E mesmo que a todos fosse mais fácil simplesmente ignorar, estava chegando ao seu limite.

Sentia-se tão tentado a desistir e ver somente o que quisesse.

–Draco - ouviu a voz infantil chamá-lo, de forma cordial.

Pela primeira vez, sentiu-se grato pelo próprio filho nunca tê-lo chamado de pai.

Sua visão correu pela grama, e respirou bem fundo, antes de focalizá-la no menino de novo. Mais precisamente em seus olhos. E mesmo que o par azul fosse idêntico ao seu, não via nada de si que não fosse físico refletido naquela criança.

–Sim ? - respondeu, engolindo em seco.

O garoto não conteve o sorriso quase invisível no canto dos lábios. E Draco o viu a tempo de identificar.

Era um sorriso de deboche.

–Você está com medo ? - perguntou, num tom desafiador.

O homem sentiu um frio intenso na espinha. Sua mente lhe gritava para não entrar no jogo. Era isso o que ele queria. Todo o tempo, Scorpius jogava. Jogava com seu juízo, e sua sanidade. E sabia que era quase como uma piada interna para o menor. Menosprezar ainda mais o pai que desprezava tanto.

–E do que eu teria medo, filho ? - devolveu outra pergunta, erguendo uma sobrancelha numa tentativa - falha - de parecer menos assustado do que realmente estava.

–De mim.

ooo

Quando minhas costas foram violentamente de encontro ao encosto da cadeira, a dor era o mais insignificante dos problemas. No automático, levei a mão ao bolso escondido, retirando de lá meu antigo canivete.

Aos doze anos, gravei as palavras "purificador de almas" em seu cabo, por achar um belo nome.

Empunhei-o com firmeza, perfurando a madeira da mesa da biblioteca e criando uma fenda no meio do objeto, que, graças ao tamanho do corte,chegou a ligar suas duas extremidades.

Nem o fato do som ter sido alto me preocupava, já que a fúria, naquele momento, era prioridade. E não seria um velho bibliotecário prestes a bater as botas que me impediria de qualquer coisa.

–O que está fazendo ?! - perguntou uma voz feminina, vindo de trás. Meu rosto virou-se levemente em sua direção, e a garota pareceu esquecer-se do barulho, por alguns instantes.

Era visivelmente mais nova, e do primeiro ano. Notei por seus livros em perfeito estado na mão esquerda - além de só estar carregando dois, o que era quase um milagre durante os outros anos - , e as sapatilhas negras refletindo o exterior feito um espelho de tão limpas. Garotas dos outros anos, usavam sapatos gastos.

Além do fato de seus olhos estarem com pequenas olheiras, indicando que dormira pouco.

Saudades de casa, e da família perfeita, provavelmente.

Suas bochechas rechonchudas coraram, e ela sorriu de canto, sem graça.

Como toda boa idiota faria.

Em resposta a seu comportamento "adorável", coloquei a lâmina em seu campo de visão, e seus olhos se arregalaram instantaneamente.

–I-Isso é uma faca ?! - sussurrou, num tom infantil e assustado.

–Se abrir a boca, eu vou atrás de você - ameacei, sem quebrar o contato visual.

Ela engoliu em seco, apavorada, e pôs-se a correr o mais rápido que podia, na direção da saída.

–Boa menina - murmurei, girando a arma por entre os dedos.

Voltei meus pensamentos para o que interessava, enquanto dedilhava o cabo, entretido.

James Sirius Potter. Ou melhor, a morte de James Sirius Potter.

Mesmo que tivesse garantido que não faria mais esse tipo de coisa, se vingar de forma superficial seria inaceitável. Não engoliria desaforos de um moleque cuja vida era alvo de inveja alheia. Desconhecia coisas como sofrimento, e angústia.

Pelo menos até agora.

As cenas e falas se repetiam em minha mente, e cheguei a conclusão de que matá-lo, seria pouco. Todo o meu maldito trabalho de fazer meu sobrenome se tornar menos sujo, havia sido jogado no lixo por um cuzão de merda.

E não que eu ligasse pra qualquer coisa que envolvesse minha família, mas quando isso me atingia, e atingia meus planos, diretamente, tornava-se uma questão pessoal.

No geral, pessoas falando de mim pelas costas chegava a ser agradável. Como dizia o ditado, era melhor ser temido, que ser amado. Mas o Potter passara dos limites dessa vez.

Dos limites da minha paciência. Já estava a meses sem nenhum entretenimento psicótico, e sentia a abstinência me atingir mais a cada dia.

Era como ficar sem drogas. Você pode aguentar até um certo tempo, mas se não tiver intenção de largar o vício, em algum momento vai surtar e ter a recaída.

E a minha recaída estava prestes a acontecer.

Mas primeiro eu teria que fumar um cigarro, e me concentrar em criar um plano que superasse os demais em grandiosidade.

Não que isso fosse ser difícil. Só precisava observar minha vítima um pouco, e descobrir algum ponto fraco na estrutura.

E era justamente essa a parte que me intrigava. Uma família que devia ser dotada da "perfeição eterna", não teria pontos fracos, se não o próprio ego. Ou, pelo menos, não deveria ter.

ooo

Pisquei os olhos algumas vezes, um tanto desnorteado, enquanto observava a figura parada a minha frente.

–Albus, finalmente acordou - disse Lorcan, estalando os dedos em frente ao meu rosto - Cara, você anda muito esquisito.

–Hm ? - bocejei distraído, enquanto erguia a cabeça da mesa, olhando em volta. Os livros e estantes permaneciam ali, indicando que ainda estava na biblioteca - O que está fazendo aqui ?

–Eu vi uma menina correndo no corredor, ai entrei aqui, e depois de levar um esbarrão do século do Malfoy, que mais pareceu uma surra de ombro, te encontrei dormindo o sono da morte, praticamente - explicou, sentando-se na beirada da mesa - Cara, as aulas começaram tem pouco mais de um mês, e você já está um caco. Tá pensando em perder a reputação de intelectual esse ano?

–Ah, não. Eu estava estudando mesmo - contei a ele, coçando a nuca um tanto sem graça - Mas ... tenho dormido pouco de noite.

–E compensa de dia - acrescentou, rolando os olhos - Olha, eu sei que o teste não foi como -

–Eu não quero falar sobre isso, Lorcan - cortei-o, um tanto grosseiramente. Pigarreei em seguida, concertando a atitude - Foi mal, cara, só estou cansado de tudo.

–Eu sei - garantiu o Scamander, sorrindo de lado. Coçou suas sobrancelhas loiras, analisando-me - Quer ajuda pra estudar ?

Engoli em seco, negando com a cabeça. Não era uma boa ideia. Ultimamente, meu "problema" vinha piorando de forma incontrolável. Se antes só me atingia em momentos tensos, agora vinha até nos mais comuns, como estar concentrado lendo um livro.

–Tô bem, sério - garanti, recostando-me na cadeira de modo desleixado - Só precisava tirar um cochilo.

–Se é assim ... - deu de ombros, levantando-se - Vou encontrar Alice, e estaremos no pátio, ok ? Se precisar, já sabe.

–Uhum - concordei, sorrindo levemente. Ele assentiu, me dando as costas e passando a caminhar em direção a saída.

Permaneci olhando-o se afastar por alguns instantes, até que senti meus olhos pesarem, apoiando a cabeça nos joelhos.

Aquilo estava ficando preocupante.

Belisquei com força meu próprio braço, bufando enquanto erguia o corpo, voltando a atenção ao livro de doenças crônicas em cima da mesa. Agora eu me lembrava do que estava fazendo antes de dormir. Precisava de um remédio, o quanto antes.

–Albus Severus ?

Ergui uma sobrancelha, reconhecendo a voz. James.

–James ... - murmurei, sorrindo torto enquanto fechava o livro rapidamente, recebendo o cumprimento habitual. James sempre bagunçava meus cabelos, como forma de mostrar quem era o mais velho.

–Al ! - a voz irritante ecoou por todos os corredores, e tentei manter o sorriso quando Dominique me deu um abraço sufocante. Seus cabelos ruivos caiam por sobre meu nariz, fazendo cócegas.

Assim que me livrei do abraço, levantei da cadeira, cobrindo os livros com os cadernos de anotações, por precaução.

–Nick - cumprimentei-a, e mesmo usando seu apelido, soara altamente cordial. Ela riu, apertando minha bochecha com força.

–Seu fofinho ! Estudando muito pros testes, priminho ?!

Se tinha um motivo pra eu detestar Dominique, certamente era esse. Ela tratava todos da família normalmente, exceto eu. Tudo era no diminutivo, e se ela descobrisse qualquer coisa, eu seria o último a saber.

Uma vez Lily me disse que era porque ela me achava inteligente demais pra querer ouvir seus assuntos normais.

Como se eu fosse algum tipo de aberração que se alimentasse de livros e sabedoria universal.

–O que estão fazendo aqui ? - perguntei, tombando a cabeça levemente para o lado, enquanto identificava Rose, mais atrás deles. Seus cabelos ruivos selvagens estavam soltos, e ainda mais bagunçados que o normal - Oi, Rose.

Ela olhou-me, parecendo constrangida, e abriu um sorriso tímido.

–Oi, Al. Como você está ?

–Bem - garanti, sorrindo de canto em retribuição. James franziu o cenho.

–Ora, vocês não são da mesma sala ? - perguntou a nós dois, desconfiado. Dominique riu, concordando com a cabeça.

–É, não se falam todos os dias ?

–Na verdade ... - ela riu de nervoso, dando de ombros - Não costumamos ... interagir com frequência.

Ela quis dizer, nunca. Nunca nos falamos, e muito menos "interagimos". E não é por culpa minha. No primeiro ano, puxei assunto com ela todos os dias, sempre que sentávamos relativamente próximos. E ela nunca me dava uma resposta que fizesse o assunto continuar. Só levei cortes, até que acabei desistindo.

–Não acredito - Dominique tapou a boca, fingindo estar incrédula - Que loucura isso !

–É por que o maninho aqui é um sonserino ? - deduziu James, rindo enquanto dava um peteleco no simbolo de minha casa, estampado na capa - Achei que todo mundo havia superado essa decepção.

Minha carranca automaticamente formou-se. Se tinha algo que eu odiava quando o assunto "dia da seleção" se iniciava, era quando ele chegava a esse ponto. Todos os membros da família, com exceção de Lily, meu pai, e minha avó, pareciam me dar pêsames por ter ido para a Sonserina.

E nunca, nunca mesmo, ouvi um "Parabéns, Albus", depois desse dia.

–Não, não tem nada a ver com isso - garanti, dando de ombros - É só que -

–Ele só presta atenção nas aulas, não é ? - James riu da própria piada - Pode dizer, Rose. Nós sabemos disso tão bem quanto você, e olha que nem somos da sala dele.

–É, em parte por isso - concordou ela, rindo junto aos dois. Meu sorriso falso permanecia na face, enquanto imaginava dar com a luminária na cabeça de James consecutivas vezes.

Não entendia a necessidade dele de caçoar do fato de eu estudar muito. Não era como se eu sentisse prazer em fazer isso.

Minha vida era monótona, e eu não via graça em atividades como festas e grupos de estudo que faziam tudo menos estudar. O convívio com grandes números de pessoas sempre me deixava pouco a vontade.

–Hey, pessoal ! Cheguei atrasado, mas cheguei ! - anunciou Hugo aproximando-se enquanto arrastava minha irmã mais nova, Lily Luna. E atrás deles, vinham Victoire, nossa prima mais velha, e Ted Lupin, seu atual-perpétuo namorado.

A loira sorriu pra mim, e automaticamente fui abraçado, com firmeza.

–Há quanto tempo não o vejo, primo ! Ninguém me dá notícias de você !

Estão tentando me apagar da família, não soube ?

–Sou uma pessoa ocupada - debochei, e ela riu fraco, tocando a ponta do meu nariz de forma terna, e esquisita - Fala, Teddy.

–Como vai, cara ? - ele sorriu, e seus cabelos assumiram a coloração azul habitual. Sempre que o garoto se distraia, seus cabelos saiam do tom castanho que ele tentava manter, para ser discreto.

–Na mesma - garanti, e batemos uma mão na outra, como cumprimento. Logo depois, surgiram Louis,Fred II,e Roxanne, rindo alto enquanto zoavam de alguém em especial, parando próximos de nós.

–Foi mal o atraso, galera - desculpou-se Fred, relaxando os ombros enquanto socava de leve o braço de James - O idiota esqueceu de dizer que íamos estudar hoje.O que é novidade. Tentamos convencer a Molly e a Lucy de aparecerem, mas sem chance. Geralmente fazemos algum jogo e tal, então será que podem explicar -

–Fred ! - Dominique o repreendeu, e o moreno resmungou algo em reclamação. Ela direcionou um olhar sugestivo em minha direção, e o restante da família finalmente pareceu notar minha presença.

–Ah, o-oi, Al - ele riu, nervoso - Como 'cê, tá, primo ? Quase nunca te vejo.

–É, sempre escuto isso - debochei discretamente, sorrindo de canto - Tô ótimo.

Minha cara devia dizer o contrário, pois todos assumiram uma postura um tanto desconfortável.

Ainda sem entender muito bem o que estava rolando, disse :

–E então, iam estudar em grupo ?

–É, íamos - James deu de ombros - Não fica chateado, Al, pensei até em te chamar. Mas você tem notas ótimas, e sei que não precisa desse tipo de coisa.

–Você arrasa nos testes, primo - complementou Louis, para amenizar o clima tenso presente na situação. Quase arremessei um dos livros da estante em sua direção.

Engoli em seco, quando aquela sensação voltou a me atingir.

Isso sempre acontecia. Sempre os via juntos, rindo, e fazendo qualquer coisa da qual eu nunca era convidado. Mas era a primeira vez que os pegava no flagra, e tentando ser discretos quanto a isso.

Era obvio que não me chamaram, porque nunca faziam isso. Eu não era tão engraçado quanto eles, e certamente achavam que rir não estava no meu dicionário particular e limitado de ações. Em momentos como esse, me perguntava se achavam que eu era uma máquina programada para viver em função de tudo que eles consideram inútil.

–Não tem problema, pessoal - garanti, tentando manter o sorriso firme no canto dos lábios - Fico feliz que estejam estudando em grupo. Bem ... eu tenho que ir ... sabe, estudar mais.

Era pra ser uma piada, mas ninguém riu, então mantive a postura séria.

–Até mais. Vejo vocês por ai ?

–Claro! - responderam, no coro mais falso da história da humanidade.

–Ah, Al ... - a voz de Rose me fez virar, e olhei-a com curiosidade. Ela batia os dedos indicadores, sem jeito, quando disse no seu pior tom piedoso - Sinto muito pelo teste.

Enquanto olhava-os, constrangido, minha visão pareceu escurecer, e comecei a ver flashes de um dos piores dias da minha infância.

Lily e James voavam de vassoura no quintal da Toca, enquanto meu pai ria, gritando instruções. Eu permanecia sentado ao canto, com a mão segurando o joelho ralado.

Fora a primeira vez que ele tentou nos ensinar a voar. E os dois haviam conseguido de imediato. Obviamente, diferente de mim.

–Que teste é esse ? - perguntou James.

–Do Time de Quadribol - respondeu Rose.

Ouvi meu irmão dizer qualquer coisa, mas eu já estava indo.

Sai a tempo de que não vissem minhas mãos passarem a tremer, e acelerei zonzo pelo corredor em busca de um local vazio, focando em não apagar antes de estar num lugar seguro.

ooo

Você sabe que é seu dia de azar, quando encontra a pessoa que vem assombrando seus pensamentos na saída da biblioteca, acompanhado da cambada toda de miseráveis de sangue sujo.

A começar por Dominique Weasley.

E claro que a dupla não se esqueceu de provocar-me com comentários venenosos e superficiais sobre minha família.

Mas aquilo estava prestes a mudar. O tabuleiro era meu, e era questão de tempo até as peças estarem sob meu comando.

Um dia, ainda vai me agradecer por seus talentos, Scorpius. Não há habilidade melhor a ser aperfeiçoada, do que a arte da manipulação.

Engoli em seco, afastando a lembrança rapidamente. Quase que de imediato, senti a angústia e a raiva me atingirem, e imaginei novamente o canivete em minhas mãos.

A situação estava ficando cada vez mais difícil de conter.

Um tanto desnorteado, voltei a andar, tentando manter a mente distraída com o cigarro em meus lábios. Não podia me dar ao luxo de entrar em crise agora. Era cedo demais para que a máscara caísse. E eu ainda tinha muito o que fazer antes de ser descoberto. Principalmente com relação a aquela maldita família.

Minha respiração foi assumindo uma frequência irregular, e meu corpo encontrava-se duro e tenso. Era mal sinal. Ninguém podia me ver num momento como esse.

Acelerei o passo, enquanto procurava alguma porta entre aberta, e vazia. O mapa da escola aparecia em minha mente, enquanto tentava pensar em alguma sala pouco habitada próxima daqui.

Então, ouvi uma espécie de rosnado, e meus olhos se direcionaram a fresta da porta metros a frente. Aproximei-me silenciosamente, espiando a cena que se seguia dentro do local.

Era o banheiro feminino há muito desabitado, graças a um fantasma irritante de uma garota que morrera ali, muitos anos antes, quando a Câmara Secreta fora aberta pela primeira vez.

Ao finalmente reconhecer a figura que encontrava-se com as mãos recostadas a pia, um sorriso macabro formou-se no canto de meus lábios.

Sorte era pouco para descrever um momento como esse.

Albus Severus Potter, o garoto com quem eu dividia o dormitório e a maior parte das aulas, estava ali, bem diante dos meus olhos, tendo - possivelmente, devido aos sintomas - uma crise psicológica.

Olhava fixamente seu próprio reflexo no espelho, com as mãos trêmulas. Os olhos piscavam, parecendo estarem prestes a fechar.

Ele abriu a torneira, lavando o rosto com uma expressão assustada, e focando-se no espelho novamente. Por um instante, achei que estivesse sendo enganado pela própria visão.

E minha suposição só fora confirmada quando o mesmo cerrara os punhos com força, socando o espelho a sua frente com tanto ódio que as lascas do vidro voaram a distância.

O som do estilhaçamento não fora baixo, porém, para sua sorte, o corredor estava vazio, exceto pela minha presença.

As primeiras gotas de sangue começaram a sair, e foram seguidas de filetes cada vez maiores, provindos do corte que acabou sendo feito em sua mão.

Enquanto assistia a cena, senti as engrenagens passarem a funcionar com uma velocidade que poderia ser considerada da luz, para um ser humano comum. O plano vinha em cenas e cortes incertos, porém compreensíveis. Era isso.

Retirei o cigarro da boca, usando um truque para apagá-lo , e levei minha mão até o bolso interior da capa, retirando de lá o canivete. Não teria como falhar.

Estratégia para induzir a afeição de pessoas problemáticas : Prove a elas que compartilham o mesmo problema. O problema dos adolescentes traumatizados por algo, é pensarem que são os únicos que vivem tais situações. Para induzi-los a socializar, é necessário jogar uma isca de seu próprio cotidiano. Seres humanos são egocêntricos, então costumam sentir-se confortáveis com pessoas que reflitam a si mesmos.

A lâmina roçou contra minha pele, e quase tive de controlar um gemido. Era tão nostálgico que me causava arrepios. Arrastei-a levemente contra grande parte do braço, enquanto descia até a altura do pulso.

Cortes horizontais não causam a morte.

Sorri de canto, tentando controlar a emoção, enquanto aprofundava a lâmina contra minha pele, sentindo a dor invadir meu pulso. Em resposta a ela, abri o corte um pouco mais, estendendo-o por uma reta consideravelmente grande e profunda.

Fiz outros cortes acima, e abaixo, do primeiro, mantendo a perfeição no corte. O cheiro de sangue me fizera fechar os olhos por alguns instantes, hipnotizado.

Era tão intenso.

Os ferimentos queimavam e ardiam ao mesmo tempo, e a dor tornava-se ainda mais aguda. Meus músculos encontravam-se contraídos, e engoli em seco, respirando fundo antes de cortar o outro pulso, aproveitando a situação.

Geralmente, auto-mutilação não me dava prazer. Era coisa de gente fraca, e insegura. Mas quando se tem saudades de ferir, é suficiente para abrir exceções.

Fiz apenas dois cortes no outro pulso, e lambi o restante do sangue da lâmina, apreciando o sabor por alguns instantes.

–Sente esse gosto, meu filho ? É o gosto de sangue-puro.

Abri os olhos imediatamente, segurando o cabo do canivete com uma força desnecessária. Meus olhos voltaram-se para o garoto que parecia estar prestes a desmaiar, enquanto meu dedo indicador roçou no material resistente.

Não, Scorpius, não agora. Você tem que manter o foco. Vai ter sua chance depois.

Suspirei cansado, abrindo a porta que, felizmente, não fizera som algum, e entrando no local. Albus estava distraído demais com a própria crise para notar minha presença, então aproveitei para dar a volta no conjunto de pias que formavam uma espécie de círculo.

Respirei fundo algumas vezes, fechando os olhos enquanto deixava meu corpo cair para trás, num baque alto contra o chão frio e duro do banheiro. Podia sentir a poça de sangue formar-se, graças aos cortes recentes, ao redor do meu braço.

Passei a realizar uma contagem lenta mentalmente, para manter a postura enquanto esperava. O som dos passos aproximou-se, e meu instinto disse que já estávamos muitos próximos quando senti o toque em meu braço, próximo do pulso.

O babaca achava que eu estava morto.

E não tardou até ouvir a voz rouca e hesitante perguntando :

–Você está vivo ?

Contive o sorriso debochado, murmurando um impaciente :

–Por que eu não estaria ?

Abri os olhos, focalizando-os no par verde intenso do moreno a minha frente. Albus estava ajoelhado, e mantinha uma expressão um tanto esquisita no rosto.

Entre a preocupação, e algo que não consegui compreender.

–O que acha que eu sou ?! - complementei, com ironia.

Ele engoliu em seco um tanto sem graça, levantando-se.

–Você está mesmo bem ?

–Te faço a mesma pergunta - cortei-o olhando na direção dos cacos do espelho quebrado. Ele contentou-se em travar o corpo, tenso.

–Eu ...

Ficamos em silêncio por alguns instantes, e apoiei meu peso nos cotovelos, erguendo o corpo até sentar. Fingindo dificuldade.

–Já sei. Teve uma crise de pressão por ser parte da família mais perfeita e famosa do mundo bruxo. Imagino como deve ser horrível ser tão importante, mesmo não tendo feito absolutamente nada.

Usei meu melhor tom de ironia, que teve seu efeito. No mesmo instante, o garoto fechou a cara, ofendido.

Sua resposta não demorou muito, e veio no tom mais irritado possível.

–Não devia sair por ai falando de pessoas que desconhece a vida. Ainda não te julguei pelo fato de ter cortado os pulsos numa tentativa ridícula de aparecer, e ter fumado no mínimo dois cigarros antes de entrar aqui.

Ergui uma sobrancelha, assustado com a última informação. Cigarros mágicos eram muito, muito, discretos. Não emitiam cheiro, somente efeitos colaterais. E isso dependia do tipo. Se fossem mistos, podiam vir com emoções diversas. Se fossem básicos, apenas nos deixavam mais calmos, ou surtados.

E eu não estava surtado.

–Como sabe ... ?

–A sua sola está com uma marca de meia lua visível, por ter apagado ele com o pé. E tem uns fiapos de grama na beirada da sua capa... , ou seja, fumou ele lá fora.O segundo deve ter sido muito perto daqui, já que sua respiração está muito lenta. É efeito colateral dos cigarros bruxos, que foram originalmente criados com a intenção de forjar uma morte. O efeito não dura muito tempo, então estava fumando no corredor.

–Isso não quer dizer nada. Eu poderia estar fumando o primeiro até agora.

–Muita gente no caminho. Sem chances. Acendeu outro ainda nesse corredor, que é o único sem uma alma a essa hora do dia. E não o apagou com o pé, por medo de deixar evidências no piso. Então, deve estar guardado em algum bolso.

–O da esquerda - contei a ele, contendo um sorriso cínico de canto - Como sabe tanto sobre cigarros ... ? Já fumou antes ?

–É tão difícil de acreditar ? - perguntou-me em resposta. Engoli em seco, incrédulo - Sacanagem. Eu sei, sou um certinho de merda. Mas ... simplesmente sei sobre as coisas.

Ri baixo, e seco, rolando os olhos.

–Um certinho de merda. Então, minha vez de bancar o detetive.

–Sobre ... ?

–Sua crise. Aposto que entrou em colapso quando encontrou seu irmão mais velho na biblioteca. Aposto que descobriu que eles nunca te chamam pra aquelas reuniões públicas escrotas, de primos fodões de Hogwarts.

Senti o clima ficar pesado, apesar de duvidar que estivesse atingindo no lugar certo. Faltava alguma coisa. O problema dele não eram crises psicológicas.

–Como é ser o único deslocado da família, Potter ? Vive as sombras do seu irmão ou -

–Eu não preciso que me digam tudo o que eu já sei, Malfoy - cortou-me, tranquilamente.

O corte fora diferente do que imaginei.

Isso era realmente ruim.

Observei o garoto sair do banheiro, deixando a porta aberta e escancarada, enquanto anotava mentalmente o fato de que, manipulá-lo, seria bem mais complexo do que imaginei de imediato.

Mas nada disso importava. Eu havia acabado de descobrir a falha na estrutura. Albus Severus Potter.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pelo amor de Merlin, comentem essa budega HAHA' E então, o que acharam ? Avaliações sinceras, falô ? >.< Previsão de uma semana no máximo até o próximo *0*