Pequena Watson escrita por Mary Morstan


Capítulo 4
Capítulo 04: Ela Sabe


Notas iniciais do capítulo

Demorei pra postar, mas cá está.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/486874/chapter/4

E lá estávamos nós, Watson e eu, movidos por um caso que não tinha mistério algum... Mas, se formos avaliar a coisa toda ao pé da letra: ‘Watson’ nem era o verdadeiro ‘John Watson’, era só sua pequena filha ‘Emma Watson’, e essa falta de profundidade no caso até vinha a calhar em uma iniciante. Ainda mais se formos avaliar sua parca idade, que conseguia o mínimo de preencher uma “mão” e nada mais.

Começamos a andar pela calçada, Emma tentava imitar meus passos alargando os seus próprios ao máximo em que conseguia, enquanto eu tentava encurtar aos meus para não deixá-la tão para trás.

No meio do quarteirão, eu apontei uma fachada ao parar.

“Vê essa residência, minha cara auxiliar substituta?”

“Ah”, ela coçou a cabeça com uma das mãos e levantou o olhar. ”É uma casa bem bonita, não acha tio Sherly?”

“Sim, ela é singular. Sua fachada é datada da era Vitoriana. Passou por pelo menos três reformas nos últimos dois anos, isso é o que me indicam as camadas de tinta porcamente cobertas. E, bem, o preenchimento irregular e mau cuidado dar cor nas proximidades das bordas das janelas. Além de a cor extravagante que começou a ser vendida faz três meses. Coisas da moda”. Conclui dando de ombros.

Quando parei de falar, notei que ela estava terrivelmente quieta. Encarei-a, mas ela não parecia surpresa, como era de se esperar. Emma apenas sorria e segurava um risinho com os dedos, como se ao tirar as mãozinhas da boca, a risada pudesse escapar.

“Legal, titio Sherly. Eu vi ali no cantinho da janela uma manchinha branca, quase coberta pela azul e vejo esse mundo roxo que a cobriu agora. Papai sempre disse que você reparava nessas coisas... Aliás, ele me disse uma vez que a mamãe tem essa mesma mania irritante de reparar em porcarias que não acrescentam nada na vida”. Ela me imitou em um leve dar de ombros ao final da frase e sorria amplamente enquanto mexia os bracinhos.

Mas se ela era pura alegria, eu, por outro lado, estava boquiaberto. Não sei dizer se por causa da percepção dela (que por tão pequena que era e, por se tratar de uma Watson sanguínea, deveria ser mínima) ou pelo fato de que ela havia deslindado todos os sentimentos mais internos e pensamentos obscuros de John sobre o meu trabalho em uma frase curta e totalmente precisa.

“Seu pai diz isso?” me peguei fazendo essa pergunta pausadamente, levando três vezes mais tempo para fazê-la do que uma mente normal (e, dizem sobre mim as más línguas, insensível) deveria.

“Disse sim. Ele diz sempre!” Nenhuma hesitação, ela era a voz da sinceridade naquele momento. Mas antes que eu pudesse continuar minhas perguntas, Emma foi mais rápida. “Mas, titio Sherly, o que fazemos aqui exatamente? Que tem essa casa haver com aquela moça?”

“Kimberly Straunt”, eu disse o nome dela para que minha mente tentasse vê-lo como algo importante, mesmo não o sendo. “Esse é o nome dela. E, bem, por hora, de nada tem a ver com aquela figura histérica, mas em breve terá”.

“Como assim? O senhor deu pra ser vidente agora?” Ela comentou estreitando os olhos, mãos indo a cintura e aquela pontinha de pé que insistia em bater de forma ritmada e ininterrupta. “Mamãe disse que videntes são todos charlatões, tio! E eu não sei o que é um charlatão, mas pelo jeito que ela fala, me parece algo feio”.

Dei de ombros, tentando ignorar o como eu poderia arrancar algumas verdades da vida privada dos Waston sem fazer muito esforço. Tentei focar-me no caso, no momento, e explicar a ela o que estávamos fazendo ali. Afinal, tenho que lembrar que, embora Emma pareça esperta (e temos que dar todo o crédito genético a parte da família Morstan nesse ponto), ela ainda é filha de John, e as coisas costumam ser mais difíceis de entrar na cabecinha desse tipo simplório e amigável (e isso é um elogio, não uma critica. Afinal: John é John).

“Eu não adivinho nada, minha pequena Watson. O que eu faço é deduzir por meio de fatos concretos”.

Emma coçou a cabecinha após minhas palavras e eu já estava quase desistindo de qualquer comentário que viesse sobre aquilo, quando ela perguntou sem graça.

“Concreto é coisa de construir casa, não é?”, revirei meus olhos segurando loucamente a vontade de bufar. Isso era a prova do que eu já suspeitava: havia muito gene do pai nessa garota.

Estava pronto para dar um passo pela rua, quando Emma segurou meu casaco e apontou para a casa com a outra mãozinha.

“Mas, tio Sherly, você não disse o porquê que falou dessa casa. Estou confusa”.

“Ah, a casa. Ah sim, essa é a residência do senhor Baker”, e eu pensei que andaria depois dessa resposta, mas é claro que não.

“Baker? Não tio, Baker é onde você mora, é a sua rua. O senhor Baker é dono da sua rua, com certeza! Então, ele não deve morar aqui”, ela disse apontando para a casa com desdém.

“Minha casa é da senhora Hudson, cara Emma”, eu tentei começar a esclarecer, mas ela voltou a falar como se eu não fosse importante.

“Aliás,” e ela fez uma cara de pensativa que me assustou, mas decidi esperar para ver aonde isso daria “a casa que o senhor mora não é sua, né? Eu ouvi o papai falando que a casa é da senhora Hudson. Então, veja só, ela já é velhinha e deve ser casada, certo?” Eu apenas levantei uma sobrancelha, esperando que ela terminasse sua dedução estapafúrdia. “Com certeza ela é Hudson Baker e o senhor Baker é o marido dela! Então, ah tio Sherly, perdemos tempo vindo aqui se o senhor queria falar com o senhor Baker”

“Acho que você pode tirar a prova com a ‘senhora Hudson de Baker’ depois. Agora eu preciso mesmo voltar ao caso e ele me leva ao outro lado da rua”, disse já começando a andar, antes que ela me parasse de novo para algum apontamento que faria Mary ficar de cabelo em pé e explicar o verdadeiro significado de ‘o que era ser um charlatão’ para ela.

“Então tá...”, ela concordou com uma voz nada convicta e começou a andar aos pulinhos. John deveria parar de comprar tênis de mola para uma menina tão pequena... Se bem que ela está de sapatilhas... Estranho.

Bem, qualquer outro tipo de avaliação sobre o jeito de andar dessa garotinha teria que ficar para depois, afinal, eu via Henry Baker II no parque e não poderia perder a chance de falar com meu velho conhecido.

“Senhor Henry Baker II”, comecei e o rapaz me olhou no instante em que ouviu seu nome, sorrindo ao me reconhecer.

“Senhor Holmes, que surpresa! Não esperava vê-lo por aqui. Trabalhando em algum caso?” ele começou todo comunicativo, dando uma cotoveladinha teatral ao fazer a última pergunta. A vontade de ignorá-lo era grande, mas eu tentei manter um ar educado.

“Na verdade, estou...”, mas logo percebi que ele olhava para Emma e não para mim.

“Mas e você quem é, princesa? É a filha do senhor Holmes?”, e aquela pergunta voltou-se para mim com um olhar suspeito. “Ou, bem, eu não sabia que tinha irmãos”

“Tenho, dois. Mas...” e, ah sim, fui cortado por Emma.

“Sou Emma. E o tio Sherly é meu tio, mas eu não sou sobrinha dele”, ela disse simplesmente, rindo de suas próprias palavras depois. E, Henry, bem... ele riu também.

“Emma é, como posso dizer, minha afilhada” tentei esclarecer aquilo de forma rápida e Henry pareceu compreender e se satisfazer com aquilo.

“Ela é uma graça, senhor Holmes, uma graça! Mas, diga-me, o que o trás a essa parte de Londres?”, ele pareceu bem curioso.

Olhei para ela antes de começar a falar, essa história de ser cortado a cada santa frase já estava me enervando. Como não havia nenhum sinal de impedimento, decidi solucionar aquela história.

“Henry, você namora Kimberly Straunt”, eu afirmei e ele apenas concordou com a cabeça, enquanto franzia a testa. “E vai levá-la para viajar nas próximas semanas...” e antes que eu prosseguisse, ele me cotou esbaforido.

“Uau, tinha me esquecido de como você adivinha as coisas e nos deixa sem palavras”.

“Eu não adivinho nada”, o corrigi.

“Sim, moço! O tio Sherly ‘analisa os fatos’. Adivinhação, minha mãe diz que, é coisa de charlatão. E o titio Sherly não é charlatão!”, Emma disse cruzando os bracinhos e empinando o rosto em desafio, fazendo com que nós dois nos surpreendêssemos e olhássemos para ela.

“Exatamente, minha cara Watson”, concordei tentando conter o orgulho que sentia daquela pequena garotinha e volte-me para Henry novamente. “Você comprou uma passagem para vocês, para o aniversário dela e, também, vejo que tem ido com frequência ao jardim e acredito que sei o significado. Mas...”

“Ok, ok, eu digo. Eu comprei essa casa para Kim e eu, vou pedi-la em casamento após o aniversário dela. Mais exatamente nessa viagem que, oh Deus, como você sabe tudo isso senhor Holmes? Aliás, porque diabos está aqui mesmo?”, ele agora estava com a cara de desespero que eu conhecia de tempos atrás e a respiração descompassada. Ah, o velho Henry de antes, em um novo local, claro.

“Kim me contratou”, respondi simplesmente.

“Ela o que?” ele quase se descabelava agora. “Porque ela faria isso?”

“Ela estava preocupada com alguns acontecimentos... Aliás, tem sorte de ela não ser tão perceptiva quanto a Emma aqui. Ela não suspeita da viagem, mas acha que a está traindo”.

Henry ficou branco e Emma colocou as mãozinhas na boca.

“Que feio!”, ela balbuciou.

“Eu nunca faria isso, senhor Holmes. Nunca”.

“Eu percebo, mas ela não... Então, se não quiser jogar fora o anel que tem no bolso e desistir do jardim que está fazendo do outro lado da rua para ela, sugiro que adiante a surpresa para hoje”.

“Eu irei até ela agora mesmo!”, ele disse com urgência, pronto para começar a correr, mas voltou-se para mim mais uma vez e agarrou minha mão feito um louco varrido. “Obrigado, muito obrigado por me falar isso! Se não fosse pelo senhor eu ainda estaria em apuros e...oh, Deus, ainda bem que Kim foi até você e...ah eu tenho que ir! Até mais senhor Holmes”.

Barulhos de buzinas, alguns impropérios gritados pelos motoristas e lá estava Henry Baker II correndo feito um louco pela rua.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, o próximo é o último :(
Adoraria saber o que estão achando :D