Oneirataxia escrita por venus


Capítulo 2
Belispeak


Notas iniciais do capítulo

ayyy
cá estou eu com um novo capítulo :) eu demorei um pouco para postar, porque já tinha escrito, mas tive que fazer uns ajustes aqui e ali...
obrigada pelos comentários positivos
me estimulou a postar mais rápido :)
desculpem os erros ortográficos, não revisei :/



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A luz se infiltrava através das folhas verdes da figueira. A clareira, como sempre, estava mergulhada na penumbra. Ao seu lado, alguns vermes escalavam a pedra cujas suas costas estavam encostadas. Uma floresta escura se estendia diante dela, os galhos quebradiços das árvores semelhantes a vários dedos, balançando-se à medida que o vento ia passando, como dedos apontando suas garras para ela, chamando-a para entrar naquela escuridão inacabável.

Ela conhecia aquele lugar de antemão. E saberia que, logo logo, a clareira inundaria. Se alguém pudesse entrar na sua mente, diria que era improvável inundar uma clareira. Afinal de contas, o solo humífero absorveria a água. Porém, aquela era a mente de Mavis, portanto, não tardou para a floresta partir-se ao meio e da fenda, saíssem ondas salgadas de lágrimas não derramadas.

— Mavis? Mavis? — sua psicóloga de terças-feiras a chama, tirando-a de seus devaneios. — Se me permite perguntar, mas... Você fumou maconha antes de vir pra cá?

Ela somente nega com a cabeça.

— Ótimo. — a dra. Suri lhe dá um breve sorriso e lhe entrega uma xícara de cerâmica. — Um pouco de chá pra você.

Mavis deixa a xícara sobre a mesa de vidro ao lado do seu sofá de couro comprido. A sala da dra. Suri é bem agradável. Tem umas samambaias penduradas no teto, quadros de flores enfeitando a parede pintada de azul celeste, livros mofados em estantes de madeira rústica e o ambiente cheira a frutas silvestres com chá de camomila. É um lugar bem caloroso e confortável. Janelões erguem-se do chão atapetado, permitindo que Mavis veja as ruas sinuosas e ensolaradas de Quillensdale.

— Quer me contar de alguns sonhos? — pergunta a dra. simpaticamente.

— Pode ser. — replica Mavis displicente.

— Vá em frente.

— Bem... — inicia ela, meio indecisa. — Eu estava em uma floresta. Não, estava numa clareira, a mesma se sempre. Então ela se encheu de água, mas não me afoguei. Parecia um lago com o chão cheio de lodo. Daí, eu comecei a andar no rio, tipo, submersa. Tinha muita água, sabe? Mas eu conseguia respirar. Demorou muito até encontrar uma rocha gigante cheia de fungos verdes. Aproximei-me e vi que tinha uma rachadura nela. Dei uma espiada na fenda e daí... — Mavis engole a seco, hesitando em terminar a narração.

— Beba o chá. Acalma os nervos. — sugere a dra. Suri bondosamente.

Ela obedece, dando um gole pequeno na xícara para não queimar a língua.

— Então, eu vi a minha irmã. Iris estava contorcida no chão, gritando de dor e segurando a cabeça com muita força. Tentei ajudá-la, mas não consegui, porque mal conseguia enfiar o meu braço dentro da fissura. Eu assisti a sua morte.

Um silêncio atípico se segue. A dra. pigarreia e diz:

— Isso não aconteceu de verdade, Mavis. Sua irmã está bem. Está em casa, segura sob os cuidados da sua mãe. Ela vai ficar bem.

— Eu sei. Eu sei. — repete com incerteza.

— O.k. — a dra. rabisca alguma coisa na sua prancheta. — Sua mãe me disse que ontem você voltou às aulas. Como foi?

— Legal.

— Soube que fez novos amigos.

Mavis revira os olhos. Topher não pode ser considerado um amigo. Ela tinha até se esquecido do seu sobrenome.

— Não exatamente. — responde, um tanto irritada.

— Sua mãe me disse que ele te acompanhou no caminho de casa. — a dra. ergue as sobrancelhas e abre um sorriso novamente.

— É óbvio. Nós vamos para casa de ônibus. Ele só se sentou ao meu lado, porque não tinha mais assentos vagos. — o que é mentira, porque ela voltava para casa com Bessie, a sua picape. Contudo, Topher suplicou por uma carona e Mavis não conseguiu dizer "não".

— Mas também soube que vocês passaram o intervalo juntos. — insiste a dra.

— Ele ficou me seguindo.

— Isso já é um começo, Mavis. Ele deve gostar de você.

— Talvez porque nós dois sejamos esquisitos. — e não conseguindo reprimir, arreganha um sorrisinho irônico.

A dra. Suri suspira. Mavis suspira. Ambas as duas não gostavam das sessões de terça-feira. A psicóloga tinha que aguentar os resmungos mal-humorados da garota, enquanto Mavis recordava-se de momentos ruins quando sentava o traseiro naquele sofá e era obrigada a contar tudo à uma desconhecida. Lembrava-se de Iris deitada em um leito hospitalar, de tubos ligados ao seu corpo inerte, de um aparelho medindo os seus batimentos cardíacos. Lembrava-se dos seus pais debulhando-se em lágrimas e beijando a sua testa, prometendo que tudo ficaria bem.

— E como vai o Aiden? — ela utiliza o típico tom infantil ao pronunciar o nome dele.

A propósito, Aiden também está lá, observando o corpo de Mavis acomodado no sofá. Ele está a encarando, um pouco triste por causa do incidente do dia anterior, imaginando como seria tocar a sua pele aveludada. Pessoas imaginárias como ele não podem encostar nas coisas do mundo real.

— Bem. — responde ela por fim, fitando seus olhos turquesa nas orbes esmeralda dele. Mavis sorri. Todavia, Aiden é incapaz de retribuir o sorriso.

— Ele está aqui? — a dra. percebe a súbita felicidade de Mavis. Porém, o semblante da garota torna a se fechar quando olha para o rosto cadavérico da psicóloga.

Coitada da dra. Suri. É uma mulher tão amável, de cabelos prateados e de óculos de aros redondos que ressaltam seus olhos nebulosos. Tão adorável, tão afável, tão simpática... Mas todos nós sabemos como psicólogos são; eles usam essa máscara para poderem fuçar no íntimo do paciente e contar tudo o que descobriram aos seus pais.

É por um desses motivos que Mavis não gosta das sessões da dra. Suri.

— Pode descrever o Aiden para mim?

— Vamos embora, Mavis. Não aguento mais ficar aqui. — murmura seu amigo, cansado.

A verdade é que Aiden não está cansado. Ele está com medo. Morrendo de medo. Mavis criou um amigo imaginário muito inteligente. Ele sabe que a dra. Suri tem o poder de fazer com que Mavis passe a não acreditar na sua existência. Todos os adultos têm esse poder, na verdade.

— Ele é engraçado. — é o que ela diz. — E bonito, também.

O último comentário faz Aiden sorrir orgulhosamente.

— Deve ser mesmo... — a dra. Suri concorda, com um humor implícito na fala. — E o que ele está fazendo agora?

Aiden está mostrando o dedo médio para a humilde psicóloga. Mavis, sem coragem de responder à pergunta inocente da dra., apenas reprime uma risada e recolhe a sua mochila escolar do chão. Ela iça seu corpo para cima e bebe todo chá de camomila num gole só, a bolsa já pendurada nos ombros.

— Aonde está indo, srta. McKiddie? — a mulher grisalha questiona, levantando-se também. — Nossa sessão não acabou.

— Não estou muito a fim de ficar.

— Mas isso não é opcional! — a dra. Suri eleva o tom de voz.

— É sim. Minha mãe que está pagando. Mas não precisa contar a ela sobre isso, fique com o dinheiro.

Então, abre a porta de madeira maciça, deixando para trás uma dra. Suri pasma e indignada. Aiden a segue, como sempre. Os dois caminham calmamente até o estacionamento, onde Bessie, a picape de Mavis, está estacionada.

✶✶✶

Topher Redford gira sua caneta esferográfica nos dedos nervosamente. Faz alguns esboços no papel em branco, porém não é capaz de finalizar o desenho, porque o assento vazio ao seu lado o incomoda. Ele pensa naquela garota dos cabelos negros azulados, dos olhos turquesa pintados de preto, do casaco pesado cinza-chumbo, dos lábios rosados pressionando um cigarro e da voz fria que utilizava para falar com ele.

— Ei, Toph. — uma garota loira com a boca vermelhíssima se aproxima. — É Topher, certo?

— É. — ele responde e logo desvia seu olhar para o papel de fichário.

— Meu nome é Alfie Dorothea. — ela diz animadamente. — Posso me sentar aqui?

Topher a encara, enquanto Alfie agita suas garras pintadas de rosa de forma ansiosa. Ele suspira pesarosamente e diz:

— Desculpe, já está ocupado.

— Ah... Ah, sim. É. McKiddie está sentada aí, né? — ela baixa seus olhos para a cadeira de plástico, fuzilando-a com uma raiva surpreendente. — Parece que ela vai faltar hoje. Não se importaria se eu me sentasse aqui.

— Bom, Mavis deve estar atrasada. — ele afirma, olhando para o relógio de ponteiro da sala, tentando esconder seu desespero. Uma piranha está prestes a se sentar no lugar de Mavis.

— Você gosta dela, hein?

— Desculpe?

— Eu disse: Você gosta dela, hein? — ela gesticula seus lábios carnudos exageradamente, inclinando-se sobre ele.

Alfie Dorothea usa um corpete jeans, que aperta seu dorso dando formato ao seu corpo franzino. Ela tenta — tenta, porém falha — fazer com que Topher olhe para o seu peito que transborda pelo decote, e continua a fitá-lo com seus olhos âmbar arregalados.

— É. Ela é bem legal. — responde ele, por fim.

— Dizem que McKiddie tem um namorado. E que o nome dele é Aiden. — Alfie começa, sentando seu traseiro ossudo na cadeira. — Pelo menos era o que diziam ano passado.

— Ahn... — Topher se afasta dela de maneira delicada e quase imperceptível. Estava ligeiramente desconfortável diante daquela situação. É a primeira garota bonita que dá mole para ele.

— Não vale a pena correr atrás dela como um cachorrinho perdido.

— Não estou correndo atrás dela como um cachorrinho perdido. — ele protesta, franzindo o cenho.

Alfie solta um riso escárnio, que atiça a raiva em Topher. Dorothea joga a sua cabeça para trás e continua rindo, os olhos fechados e lágrimas brotando no canto de ambos. Ela as seca e toma fôlego, focalizando seu olhar na porta de metal, com um súbito ódio.

Topher avista Mavis parada no batente da porta, varrendo a sala com seus olhos frios e cheios de desprezo. Ela olha para Alfie e revira os olhos, tirando os fones brancos do ouvido e enrolando-os em volta do celular. Marcha na direção de uma mesa no lado oposto da sala, indiferente.

Quase de imediato, ele se levanta da cadeira e a segue sistematicamente.

Provavelmente, você deve preferir a Mavis, ou o Topher, ou o Aiden, mas eu prefiro muito mais a Alfie Dorothea. Existe uma garota triste e amargurada por trás da sua fachada de menina malvada. Uma garota que preferiria estar no lugar da esquisita que tem um amigo imaginário ao invés de estar na própria pele.

— Bom dia, turma. — a prof. Derby adentra a sala com seu xale roxo esvoaçante à la Stevie Nicks, os cachos loiros platinados flutuando sobre as suas costas. — Estou vendo carinhas novas. — comenta com a sua vozinha fina e delicada.

— Quem é? — pergunta Topher.

— Ahn? — Mavis resmunga, meio desligada, olhando para extremidade da sala, onde Aiden está agachado, fitando seus olhos cintilantes nela. Aquele olhar a fazia derreter por dentro e tinha a capacidade de tirá-la da órbita por alguns minutos. — Ah, é a professora de artes.

— Hoje nós vamos ficar aqui na sala, porque a escola ainda não providenciou um ateliê... — ela murmura algumas coisas incompreendíveis e continua: — Hã... O.k. Quem são os alunos novos?

Além de Topher, uma garota oriental que se chama Kim e um garoto sardento chamado Will levantam a mão. Os três se apresentam e a professora prossegue com a aula.

— Não há uma forma mais legal de começar o ano do que essa! Nós vamos fazer retratos! Isso mesmo, classe. Ânimo, pessoal, ânimo. — ela exclama, saltitando pela classe.

Mavis não escuta o resto, obviamente. Fica olhando para o canto da classe, como se estivesse hipnotizada. Aiden gosta de ouvir as palavras da prof. Derby, então está absorto no quadro-negro. O entusiasmo dele na aula da artes é impressionante. Se pudesse segurar um lápis ou uma caneta, certamente sairia desenhando tudo o que visse. Mavis se lamentava por ele ser imaginário por causa desse motivo: não era apenas ela que sofria com o fato, Aiden também odiava ser um mero fruto da sua cabeça que não podia encostar nas coisas do mundo real.

Ela desvia os olhos dele e analisa Topher. Assim como Aiden, ele presta atenção na aula, com a coluna vertebral reta e os ombros arqueados. Para enxergar a lousa, precisa usar um óculos de aros pretos e quadrados, que o fazem parecer inteligente e — Mavis tem de admitir — fofo.

— Para lição de casa, quero que façam o retrato do seu parceiro. Um servirá de modelo, enquanto o outro desenhará. — a prof. Derby anuncia.

Mavis procura por Grape Hollingberry, uma outra garota excluída da sala, que sempre era sua dupla nos trabalhos. Elas não eram amigas. Só eram colegas. Se uma das duas achasse uma dupla mais interessante, largaria a outra sem escrúpulos.

Ela já estava se erguendo do assento, quando Topher segura o seu pulso. Grape está se encaminhando na mesa de Mavis, mas ao se deparar com a cena, abre um sorriso de compreensão, se afasta e se senta ao lado de Alfie, que permaneceu impassível e calada durante aqueles minutos.

— Nós vamos fazer isso juntos, né? — ele diz, sem afrouxar seus dedos.

— Ahn... É. Acho que sim. — olha de relance para Aiden, que finge estar descontraído perante àquele momento. — Quer dizer, eu não sou uma boa desenhista. Desperdiçaria muito papel fazendo um esboço.

— Ah, tudo bem. Modéstia a parte, eu sou um bom desenhista. — ela solta uma risadinha sem-graça e ele completa: — Não, é sério mesmo. Tenho que ser bom em alguma coisa, certo?

— Também não sei se sou uma boa modelo. — ela insiste, tentando se desvencilhar de Topher.

— É só ficar parada e sorrir.

— Não consigo sorrir, também.

— Eu vou te fazer sorrir, Mavis McKiddie. Pode apostar. — e dito isso, deposita um beijo rápido da sua mão.

Ela se senta, tentando deixar a sua expressão impassível. Calafrios percorrem seu corpo. Ainda pode sentir a pressão suave dos lábios de Topher contra a pele sensível da sua mão. Mavis a recolhe, encolhendo-se em seguida.

Aiden está virado para eles, mordendo violentamente a boca e pestanejando.


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Notas finais do capítulo

bom, esse capítulo foi meio broxa, desculpa :/
mas enfim.... todos os capítulos vão ter nomes de musicas, mas elas não têm muita coisa a ver com a história; são apenas as músicas que eu escuto enquanto escrevo.
essa, por exemplo, chama-se belispeak (dã) e é do purity ring. é bem legal, na verdade :)
deixem reviews, eu fico super hiper mega feliz