Voltei para o meu quarto e Harry ainda estava dormindo, seu rosto sereno de certa forma me tranquilizava. Sentei em uma poltrona na sacada e encarei a Inglaterra. De onde eu estava dava para ver o Parlamento e o Big Ben imponentes diante de tanta pressão, o rio Tâmisa parecia infinito e eu rapidamente me senti pequena diante de tudo isso.
Minha cabeça estava perdida entre os muitos pensamentos que passavam pela minha mente, como eu poderia algum dia pensar em comandar aquilo tudo?
– Clary? - chamou Harry da cama, eu não levantei apenas fiquei quietinha. - Está tudo bem?
– Sim, está tudo ótimo. - ele veio na minha direção. Vestia uma calça e pegou um casaco que estava em cima de uma cadeira perto da porta.
– Você parece estar confusa. - eu pensei em como ele conseguia me ler bem.
– Eu... estou pensativa. - ele me encarou por um tempo. Sentou ao meu lado e encarou a cidade comigo, eu não sabia o que passava na cabeça dele, mas com certeza não era nada parecido com o que eu estava pensando.
– Clary, o que está acontecendo? - perguntou ele sem olhar pra mim. Eu sabia que não podia esconder dele, não mais.
– Eu estou com medo. - soltei e dessa vez ele me encarou.
– Medo do que?
– De tudo. Medo de pegar essa responsabilidade de ser vista, de ter que fazer tudo certo, de ser responsável por milhões de vidas. - ele suspirou.
– O medo é perfeitamente normal, é o que nos diferem dos animais. O medo nos mantêm seguros de nós mesmos. - eu encolhi minhas pernas e abracei meus joelhos.
– Mas ele está me consumindo. - eu estava quase chorando e era a última coisa que eu queria era chorar na frente dele.
– Clary, você quer desistir? - eu senti o peso da pergunta assim que ele a fez. Eu sabia o que ele queria dizer com aquilo, eu sabia que o "desistir" era de tudo.
Eu não respondi apenas encarei a paisagem na minha frente e isso pareceu bastar para Harry. Ele se mexeu desconfortável e virou para mim.
– Você me ama, Clarisse? - dessa vez ele tinha me achado pelo nome e eu sabia que ele estava chateado, mas quando eu me virei para encará-lo percebi algo mais nos seus olhos: medo e decepção.
– Amo, claro que amo. - não precisava pensar para responder essa pergunta.
– Então por que isso não basta? Achei que o plano era passarmos por isso juntos. Nós iríamos superar seus medos e barreiras. Nós dois. Íamos atravessar os problemas, íamos construir nossas vidas apoiando um no outro. Por que isso não basta? - ele já estava gritando as últimas palavras e eu deixei as lágrimas rolarem, quando respondi, sem querer, também estava gritando.
– Eu também pensei que bastasse, está bem? Eu achei que o amor era suficiente para me convencer de que era isso que eu queria, mas não foi. Pelo menos, não está sendo. O amor que eu sinto por você não está sendo o suficiente para encarar tudo isso. - assim que terminei de falar, me arrependi de ter dito.
Seu rosto endureceu como nunca tinha visto antes, e pela primeira vez eu vi o rosto de um líder: impassível e sem emoções. Harry levantou e estava saindo do quarto, fui atrás dele com o coração na mão.
– Harry, eu...
– Eu entendi, Clarisse. Eu entendi. Eu vou fazer o que me preparei pra fazer a vida toda, com ou sem você. - quando ele bateu a porta meu coração foi junto com ele. Me joguei no chão aos prantos, eu o amava e sabia disso, porque isso não bastava. Por quê?

>>o Ponto de vista: Harry
Eu não sabia o que fazer direito, simplesmente saí andando. Ouvi algumas pessoas me chamando e posso até ter batido sem querer em algumas pessoas, mas eu não estava vendo nada, na verdade estava tudo um borrão.
Entrei na primeira sala destrancada que eu vi afastada das pessoas e tranquei a porta. Era um salão enorme com vários potes de cerâmica mal feitos: a tentativa fracassada da minha mãe de ser uma artista.
Assim que sentei no chão me permiti chorar, deixei que as lágrimas rolassem do meu rosto. Meu coração tinha se partido com as palavras dela que martelavam na minha mente: "Eu também pensei que bastasse, está bem? Eu achei que o amor era suficiente para me convencer de que era isso que eu queria, mas não foi. Pelo menos, não está sendo. O amor que eu sinto por você não está sendo o suficiente para encarar tudo isso." Como ela teve a coragem de ter dito isso pra mim? Eu a amava e tinha certeza de que eu queria passar por isso com ela, mas vê-la com a dúvida me fez pensar se a pressão não era demais pra ela.
Levantei e comecei a jogar os vasos contra a parede, cada pedaço de argila foi estraçalhado por mim. Eu simplesmente jogava tudo contra as paredes na minha frente. Eu não sabia o que fazer, não sabia o que sentir, eu só queria que o que estava acontecendo passasse o mais rápido depressa. Mas quando não tinha mais nada para quebrar, eu não me sentia nem um terço melhor. E a dor voltou, mais forte do que nunca.

>>o Ponto de vista: Clary
Eu estava jogada no chão a horas sem me mexer, só chorando e me desesperando. A única coisa que se passava pela minha cabeça era o seu rosto endurecido de mágoa e raiva, como se ele não estivesse sentindo mais nada. Suas palavras no final me acertaram como tapas: "Eu vou fazer o que me preparei pra fazer a vida toda, com ou sem você."
Quando o céu começou a escurecer eu fui tomar um banho, talvez para esquecer, talvez para pensar, eu só queria que tudo acabasse rápido. Assim que eu entrei no banheiro ouvi a porta do quarto abri, fiquei um pouco sem ação, eu sabia que era o Harry, mas não sabia como ele estava. Eu não queria ver aquela expressão no rosto dele, nunca mais.
Eu estranhei a movimentação que ouvia e não consegui conter a minha curiosidade, e percebi que Harry estava colocando algumas coisas em uma mochila.
– O que você está fazendo? - perguntei surpresa, ele nem virou o rosto.
– Eu não sabia que você ainda estava aqui.
– O que você está fazendo? - repeti.
– Estou pegando umas roupas e o básico. Vou dormir no outro quarto hoje. - eu prendi a respiração.
– Por quê? - comecei a andar em sua direção e ele me encarou pela primeira vez. Seu rosto estava vermelho e seus olhos que sempre foram penetrantes brilhavam como se ele estivesse com raiva.
– Acho que você tem uma decisão a tomar, não quero influenciá-la. - eu peguei a mochila e segurei ela contra o meu peito.
– Você não quer me influenciar? Harry, eu sou sua esposa e nós tivemos uma briga. Todo casal briga, você está tomando uma decisão precipitada. - ele suspirou.
– Clarisse, você está com dúvidas a meu respeito e eu que estou sendo precipitado? - eu joguei a mochila dele no chão.
– Eu não tenho dúvidas sobre você, eu te amo. E não me chame de Clarisse.
– Eu venho junto com a Inglaterra... Clarisse. - eu peguei a mochila do chão e entreguei pra ele.
– É isso que você quer, Harry? Tudo bem, vá. - ele fez a mesma expressão que me assustou mais cedo e eu dei um passo involuntário para trás. Antes de sair ele olhou dentro dos meus olhos.
– Você tem até amanhã a noite para decidir. - o som da porta batendo estremeceu meu corpo e eu fiquei parada a encarando mais tempo do que podia contar.
>>o
Eu estava chorando a meia hora quando eu escutei uma batida na porta. No fundo eu tinha a esperança de que era Harry, arrependido de ter feito isso e corri para abrir a porta, mas era apenas Júlia. Não consegui esconder a decepção do meu rosto.
– O que aconteceu? - perguntou ela preocupada.
– Eu e Harry brigamos feio. - falei e ela suspirou.
– Me conte o que aconteceu em detalhes. - e eu contei. Quanto mais eu contava, mais lágrimas escorriam pela minha face, eu não conseguia mais controlar. No fim, eu estava abraçada a ela encharcando sua blusa.
– Clary, eu sinto tanto. Mas eu sabia que isso ia acontecer. Honey, ele está se sentindo traído e a culpa não é dele. Você é a única que pode resolver isso.
– Eu sei, Júlia, mas como?
– Simples, vá até ele e peça desculpas. Diga que se arrepende e que vai a coroação conforme o planejado.
– Mas Júlia...
– Para com isso agora! Vou falar só uma vez: Você tem até amanhã para tomar a decisão mais importante da sua vida, e você vai passar esse tempo todo pensando porque eu quero a sua felicidade e não quero arrependimentos. Quero que pense se vale a pena passar por tudo isso para voltar para o Brasil sem marido, sozinha e o mais importante sem o amor dele. Se você tem tanta certeza que o ama, não sei porque ainda pensa. - eu não falei nada, apenas encostei na cabeceira da cama. Júlia me deu um beijo na testa e saiu do quarto me deixando sozinha com minhas dúvidas e minha dor.
Deitei na cama e olhei para o lado que ele dormia, estávamos casados há apenas uma semana, mas eu já sentia a falta dele na cama. Sentia falta da sua respiração ao meu lado, dos beijos antes de dormir, do sorriso. Ah como eu o amava, e como aquela cama parecia enorme sem ele.