Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 9
Morte em Prateado


Notas iniciais do capítulo

"Antes de mim coisa alguma foi criada.
Salvo coisas eternas e eterno perduro.
Abandonai toda esperança, vóis que aqui entrais"

Dante.



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O Hyde Park estava lindo naquela noite.

As luzes das lamparinas até poderiam parecer vagalumes gigantes, iluminando as árvores em diversos tons de verde e deixando a atmosfera escura e enevoada mais colorida e viva.

Clary poderia ter amado estar ali, se seu objetivo não fosse assassinar uma pessoa.

Ao seu lado, Sebastian estava pacificamente quieto. Caminhava lentamente em meio às belezas naturais e às pessoas ricamente vestidas como se realmente estivesse apreciando a beleza do lugar. Na verdade Sebastian, assim como ela, estava procurando por Hodge Starkweather para eliminá-lo.

Depois de longos minutos calada, Clary pôs uma mecha do cabelo ruivo para atrás da orelha e olhou para ele.

– Não acredito que esteja mesmo fazendo isso – murmurou.

Sebastian revirou os olhos negros.

– Você não vai sujar as mãos, Clarissa, fique relaxada.

Clary sentiu raiva e desespero queimando juntos em seu peito, como uma explosão química de elementos que entram em combustão fácil como pólvora e fogo.

Relaxada? – retrucou – de todas as pessoas...

– Não comece com seu discurso – ele interrompeu com impaciência – já veio reclamando muito na carruagem! Nada do que fale vai me fazer mudar de ideia, e sabe disso.

Clary resolveu calar-se de novo. Estava apropriadamente vestida para um passeio pelo parque; com um longo vestido azul-céu, o pescoço cercado por um colar de pérolas que pertenciam a Jocelyn e o cabelo vermelho trançado em um coque.

Vestida para um assassinato? Claramente que não.

– Ora, veja – disse Sebastian com uma entonação entretida na voz – é nosso querido Starkweather.

Clary seguiu seu olhar e desejou sair dali correndo e pedindo perdão por ter concordado com tudo aquilo. Hodge estava sentado em um dos bancos do parque, sozinho, exceto pela companhia de um corvo que repousava em seu ombro. De tempos em tempos, o homem tirava algo de sua sacola de papel e esticava para o bicho bicar.

Ele parecia totalmente solitário.

Com os olhos úmidos, Clary murmurou:

– Ele parece tão sozinho...

Sebastian deu de ombros.

– Ao menos não vamos nos preocupar com familiares depressivos e uma investigação apurada.

Ela o encarou, enojada.

– O que há no lugar de seu coração?

– Um enorme buraco negro consumindo todos os meus sentimentos de bom samaritano – olhou para ela de canto – vamos logo, irmãzinha.

Clary deixou-se ser puxada pelo pulso, enquanto as luzes do parque deixavam de parecer tão bonitas.

_

– Entendeu o que deve fazer? – Sebastian sussurrou para ela.

Os dois estavam atrás de uma grande macieira. Não havia frutos crescendo, pois estavam em pleno outono, então Clary não se preocupou em ser acertada por uma maçã do nada. De qualquer forma, ela se sentia mais vazia que um cadáver, e é provável que não se preocupasse nem se estivessem na primavera.

Assentiu para o irmão, não disse nada.

Ela não conseguia falar, nem ao menos piscar os olhos. Iria atrair um homem velho e solitário para sua morte sem que ele tenha feito nada com ela. O que a mãe acharia disso se a visse agora? O Jace acharia disso? É humilhante e doloroso demais para pensar.

Deixando Sebastian em seu esconderijo – em uma área vazia do parque – ela caminhou como um zumbi na direção de Hodge Starkweather. O vento que movimentou seus cabelos parecia gélido, mas ela não sentia mais nada para ter certeza.

Como se um chumbo caísse sobre ela, Clary jogou-se no banco ao lado do pobre homem. Não era para ter se sentado daquela forma... Mas dane-se!

Começou a chorar.

Starkweather a encarou com o cenho franzido, uma das sobrancelhas estava levemente arqueada. Como se ele tivesse levado um susto com a presença dela e, principalmente, seu choro repentino.

– O que foi, minha jovem?

Clary pôs as mãos sobre os olhos. Fingir estar chorando não era difícil como imaginava. Se bem que, de uns tempos para cá, chorar tinha se tornado extremamente necessário para ela. Despejar água de seus olhos era como jogar tudo para fora.

Mas ela precisava ter pensamento rápido, e mentir bem como o pai, se queria ser bem sucedida.

– Eu perdi meu cãozinho... - soluçou, tentando improvisar qualquer coisa que surgisse em sua mente - ele foi para... a parte vazia do parque e tenho m-medo de segui-lo.

– Quer que eu te ajude?

Ela iria preferir se ele a xingasse e mandasse que ela o deixasse em paz. Como esse homem poderia ser tão gentil com uma completa estranha? Uma estranha que tinha interesses mórbidos e assassinos, que estava ali com segundas e sombrias intenções.

Clary tinha nojo de si mesma.

– Por favor - pediu a ele, a voz quase inaudível.

Hodge se levantou. Clary escutou seu corvo bater as asas com violência, quase como se ele estivesse reclamando, e depois foi a vez dela de sair do banco. Ao redor deles, as pessoas começavam a diminuir de número. O vento que se tornava mais frio as obrigava a voltar para o conforto de suas casas.

Ela gostaria disso.

Virou-se para Hodge e viu que ele aguardava que ela explicasse. Limpou uma das lágrimas com o polegar, e falou:

– Estávamos caminhando por ali - apontou na direção do esconderijo de Sebastian - mas ele viu alguma coisa e se soltou dos meus braços. Eu queria mostra-lo o parque, entende?

– Tudo bem, garotinha - pôs a mão no ombro dela - venha. Vamos encontra-lo.

Fazendo um gesto para que ela fosse na frente, Hodge deu uma piscadela encorajadora. Clary amaldiçoou a si mesma e começou a caminhar, abraçando o próprio corpo por conta do frio e procurando ignorar aqueles grandes olhos negros do corvo do pobre homem.

A atmosfera foi ficando mais escura. Ela conseguia ouvir a própria respiração - nervosa e gélida - e as rápidas batidas de seu coração enquanto caminhavam em silêncio. Imaginou se Sebastian estava próximo, se ele acabaria logo com aquilo.

– Qual o nome do seu cachorro? - Hodge perguntou.

Clary estava tão perdidas nos pensamentos preocupados, que respondeu sem pensar muito bem:

– Sebby.

– Sebby?

Xingou a si mesma em pensamento.

– É - disse, dando de ombros para disfarçar - S-E-B-B-Y. Sebby.

– Criativo.

– Obrigada.

Diminuiu o passo, chamando o apelido do irmão vez ou outra (parte para disfarçar, parte para apressá-lo). Ela queria que tudo aquilo acabasse, que essa ideia de limpar o Parlamento voltasse a ser só de Sebastian e Valentim - uma ideia mórbida e sombria que ela nunca desejou saber.

Então, ouviu um assobio. O sinal.

Parou.

– Tudo bem? - Hodge perguntou, também parando.

As mãos de Clary começaram a soar. O que diria? O que faria? Sebastian estava demorando, um tempo maior do que o que calculara após dar o sinal para que ela parasse. Se algo desse errado, ela...

– Starkweather - uma voz surgiu, nas árvores escuras atrás deles.

Ela se virou.

Sebastian e Hodge estavam cara a cara. Ela fez como lhe foi instruído e correu para o arbusto mais próximo para se esconder e observou tudo em câmera lenta.

Mais uma rajada de vento gélido passou, movendo os cabelos de Clary para seu rosto. Sebastian tinha a postura ereta e imóvel, seu cabelo se moveu quase que imperceptivelmente; parecia um guerreiro segurando aquela espada prateada, talvez um príncipe sombrio. E, sobretudo, lembrava muito Valentim.

Hodge não tirou os olhos dele.

– Sebastian Morgestern - disse - subornando garotinhas para me atrair para o destino político que seu pai deseja para a Inglaterra?

O canto dos lábios do irmão curvaram-se para cima.

– Não suborno ninguém, Hodge, não sou como vocês.

– Então quem é ela? Namorada sua?

Sebastian investiu contra ele, com movimentos tão rápidos que a lâmina da espada em movimento parecia apenas rastros prateados de luz na noite escura.

Hodge conseguiu investir, mas foi golpeado no braço. Caiu de joelhos e Sebastian tinha tempo suficiente para mata-lo com um único e rápido golpe, enquanto Clary assistia com as mãos frias que não conseguiam tapar seus olhos.

Mas houve um fator que atrapalhou tudo.

O corvo.

A ave negra surgiu de algum lugar na noite e foi com tudo no rosto de Sebastian. Surpreso, o irmão dela soltou a espada e iniciou uma luta com o animal para tirá-lo do seu caminho. Clary estava horrorizada e sem chão. Hodge foi se arrastando na direção da espada que brilhava no solo. Sebastian estava de costas.

Ela sequer pensou.

Saiu dos arbustos e correu para a arma. Pisou na mão esticada de Hodge, que gritou de dor e surpresa enquanto ela pegava a espada com as mãos. Apontou a lâmina na direção do queixo do homem e hesitou. Os olhos dele eram cansados e castanhos. Pareciam mais tristes que irritados.

– Como pode estar com alguém como ele? - perguntou. Clary manteve a espada firme em sua mão, aproximando a ponta para a garganta de Hodge.

– Eu não tenho escolha - ela respondeu.

Ele suspirou, como se estivesse se desculpando.

– Nem eu.

Tirou algo das calças. Algo brilhante e preto. Ao ouvir Sebastian gritar, Clary foi movida pelo susto e a espada atravessou o pescoço de Hodge Starkweather.

Não antes do tiro da pistola dele atingi-la.


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Notas finais do capítulo

Demorei? É.
Motivo? Olímpiada Brasileira de Astronomia e Astronáutica na escola.
O mundo para por causa dessa coisinha.