Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 7
Doce Sofrimento


Notas iniciais do capítulo

"Há doenças que caminham nas trevas.
E há os anjos exterminadores, que voam envoltos nas cortinas de imaterialidade e uma natureza reservada;
A quem não podemos ver, mas cuja força sentimos
E afundamos sob suas espadas"

Jeremy Taylor



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/481713/chapter/7

Sebastian estava tediosamente distraído. Encontrava-se de pé, com a coluna curvada para baixo numa óbvia preguiça, e lançava facas na parede, na outra extremidade de seu quarto.

Era um movimento que ele já estava mais que acostumado em realizar, mas não tinha muita graça quando não se era recompensado com um jato escarlate de sangue quente na roupa ou no rosto. Era chato quando sua faca não trazia resultados.

Esse pensamento o fez estremecer. Perfeito! Conseguira finalmente se tornar o que o pai queria: uma máquina de matar. Não era culpa de Sebastian que Valentim odiasse a Rainha Imogen e todo o seu reinado corrupto, mas ele deveria apoiar o pai em tudo e, inclusive, matar membros do Parlamento que seguissem cegamente à Soberana. O pior, para falar a verdade, era ter que matar quem não tem nada com isso, só para não atrair desconfianças.

Parece horrível, mas ele acabava gostando. Sentia raiva daqueles homens corruptos tanto quanto o pai, também sentia raiva dos bêbados que não pareciam ter preocupações, das pessoas que casavam com quem desejavam, das pessoas melancólicas que se suicidavam... Sentia raiva de muita coisa, para falar a verdade.

Inclusive, de quem mais amava.

Uma batida sutil na porta o tirou de seus pensamentos.

– Entre – resmungou, atirando mais uma faca.

A porta rangeu, abrindo. Sebastian não se virou para ver quem era. No fundo, já sabia.

– Você pediu para que eu viesse, quando voltasse de Londres – uma voz disse, quase num sussurro.

Sebastian, mesmo desconfiando quem havia entrado, ficou ereto e em completo alerta ao ouvir a voz de Clarissa. Era quase sempre assim, agora que descobrira um segredo totalmente improvável da irmã: não confiava mais nela.

Simplesmente... não conseguia confiar nela.

– Que bom que você ainda faz algo de correto – ele disse, mais amargo do que gostaria – feche a porta, por favor.

Ouviu a porta rangendo mais uma vez, e depois ela se fechando num baque surdo.

– O que você quer de mim, Sebastian? Fala logo!

Ele piscou os dois olhos e olhou para suas facas na parede, confuso. Clary estava com a voz trêmula demais. Estaria chorando?

Droga. Ele não conseguiria fazer o que tinha de fazer se ela estivesse chorando...

Virou-se. Ao vê-la, porém, não identificou olhos vermelhos nem lágrimas. Clary tinha um olhar duro e fixo nele, algo muito diferente do desespero que demonstrara quando conversaram no dia anterior. Sua postura era ereta, o queixo erguido e a boca uma linha séria, pronta para xingá-lo num nível de voz controlado. Ela nunca se parecera tanto com Valentim, e Sebastian presumiu que ela nunca imaginaria que lembrava o pai em alguns aspectos.

– Quero que você me ajude a matar Hodge Starkweather – Sebastian disse, sem rodeios.

A expressão de Clary pareceu quebrar como vidro. Ela deu um passo para trás e quase tropeçou no próprio vestido, mas se apoiou na cômoda dele e não caiu. Ele a observou com extrema calma, enquanto a irmã ofegava e colocava as mãos dentro dos cabelos ruivos.

– Não brinque com essas coisas, Sebastian – ela falou, os dedos tremendo.

Sebastian buscou encontrar seus olhos verdes, mas Clary encarava o chão.

– Não estou brincando – disse ele.

– Você quer matar um dos membros do Parlamento? E está me pedindo para ajuda-lo com isso? – Clary passou a mão pelo próprio rosto – isso é loucura!

Ele apenas deu de ombros.

– Preciso de ajuda para tirar Starkweather da mansão dele e leva-lo ao Hyde Park. E só você faria isso por mim.

Clary o olhou com dureza, os olhos ficando vermelhos e inquietos.

– Não – ela grunhiu – não faria.

– Faria sim – Sebastian deu um passo na direção dela, depois outro – ou papai vai saber dos seus sentimentos profanos pelo seu irmão adotivo. Você não tem escolha, Clarissa! Ajude-me e nunca mais importunarei você.

Ele estava suficientemente perto dela para esticar o braço e por uma mecha rebelde de seu cabelo atrás da orelha, ou tocar sua bochecha, mas manteve os braços parados. E ela também ficou imóvel, respirando com dificuldade enquanto olhava (finalmente!) no fundo dos olhos dele.

– Você não é meu irmão – afirmou – não é o Sebby.

Sebastian permaneceu sem expressão.

– O Sebby se foi faz tempo – explicou – assim como um dia a Clary irá e, queira ou não, o Jace também. Apelidos não afirmações da nossa imaturidade. Um dia, você vai crescer.

– Suponho que pretenda me ajudar a crescer fazendo com que eu cometa um assassinato.

– Não é tão errado quanto pensa. Papai está planejando um novo rumo para a Inglaterra. Ele tem influência para isso e, principalmente, eu. Vamos fazer uma limpeza no Parlamento.

O olhar de desprezo de Clary o pegou de surpresa e Sebastian sentiu que as facas que havia perfurado na parede estavam voltando para ele.

– Você fala que meu amor por Jace é errado – ela murmurou – mas o que está fazendo não é mais errado do que o que eu sinto. Nem chega perto! A única diferença é que você está iludido o suficiente para pensar que está fazendo algo certo.

Sebastian cerrou os punhos.

– Não me julgue, Clary – berrou, então diminuiu o tom – não sei o que você viu de tão especial em Jace para amá-lo dessa forma, mas saiba que eu vou te salvar disso porque...

Sua garganta secou.

As sobrancelhas de Clary se uniram.

– "Porque" o quê, Sebastian?

A cabeça dele doía, o coração doía, os olhos doíam. Nunca esteve tão perto da terrível verdade quanto naquele momento e não viu alternativa senão correr para fora do quarto, deixando uma Clary perplexa sozinha.

Enquanto corria, para qualquer lugar desde que estivesse completamente só, a voz de Clary estalava como um chicote em seus ouvidos. A pergunta se repetia e repetia, e a resposta queria vir, mas morria na boca dele.

Sebastian saiu da mansão e caiu de joelhos no jardim, enterrando a cabeça nas próprias mãos e puxando os próprios cabelos. O desespero nunca foi tão profundo, a angústia nunca fora tão iminente.

Ele quase disse.

Ele ia dizer.

Jamais poderia dizer.

Eu te amo, Clary. Eu te amo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Geeente, o capítulo tá fresquinho maaaas é o menor que já tivemos na fic até agora. Espero, de todo o meu coração, que não se incomodem com isso.

Beijooos