Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 2
Segredos Obscuros


Notas iniciais do capítulo

"Não tenha pena dos mortos, tenha pena dos vivos. E, sobretudo, daqueles que vivem sem amor"

J.K. Rowling



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Clary gostava de ir para o centro de Londres, sair um pouco de casa para variar. Geralmente ela inspirava o ar profundamente e deixar que seus pulmões se enchessem de liberdade. Era um hábito discreto, que fazia ao sair da mansão Morgestern.

E como sempre saía na companhia dos irmãos, procurava não deixar que os dois a vissem fazer isso. Com certeza Jace usaria como zombaria, e Sebastian comentaria com o pai... E o pai a proibiria de sair, pois ela não pode se sentir feliz. Nunca.

Enquanto caminhava com a postura ereta e perfeita, observou Jonathan de canto.

Os cabelos dourados dele pareciam feitos de raios de sol, os olhos sempre brilhavam como ouro derretido e seu meio sorriso era radiante e ao mesmo tempo misterioso. Não se parecia nada com Valentim ou Jocelyn...

E não deveria parecer. Jace era adotado.

Clary se lembrava de quando Valentim contou a verdade, Jocelyn estava dando os primeiros indícios da doença que tornou sua vida uma terrível e eterna tristeza (e Clary ás vezes achava que ficaria assim no futuro).

De qualquer forma, a cena ainda era viva em sua mente. Valentim estava de pé, na sala, e a mãe deles estava sentada no sofá encarando o nada. Ela e Sebastian estavam no chão, como duas crianças: e ele a ensinava a jogar xadrez, sendo o ótimo professor que sempre fora.

Na época, ela tinha onze anos. Sebastian tinha treze.

Jace tinha doze.

– Precisamos conversar, Jonathan - foram as primeiras palavras de Valentim.

Depois disso os olhos dourados de Jace encaram o pai fixamente.

Clary lembra de ter encontrado o olhar de Sebastian, seus olhos escuros parecendo entender o que Valentim queria. Ela havia franzido o cenho na época, transmitindo uma pergunta silenciosa.

O pai deles contou uma história. Uma história sobre um amigo muito próximo dele - da família Herondale, que era tão rica e respeitável quanto os Morgesterns - que havia sido assassinado, tendo seu corpo jogado no Rio Tâmisa.

Valentim também dissera que a esposa desse amigo dele estava grávida e que ela havia se suicidado por não aguentar a morte do marido. Jocelyn a encontrou e tirou o feto (de oito meses) da amiga, Celine, e o levou para casa. Alimentou-o e o criou como se fosse dela.

Jonathan havia ficado quieto durante a conversa, encarando a mãe e depois o pai. Nele havia aquela máscara comum de indiferença, como se estivesse dando de ombros por dentro. Só mais tarde, naquela noite, quando Clary ouviu uma batida na porta de seu quarto, soube que era só fingimento.

Jace chorou nos ombros dela durante toda a madrugada.

E foi ali que ela começou a se apaixonar por ele.

– Perdeu alguma coisa, Clarissa? - Jace perguntou, notando que ela o encarava.

Ela tentou fingir que não era nada demais.

– Talvez o dia - respondeu.

Sebastian olhou de canto para os dois.

– Parem, crianças - disse, sério e autoritário.

Jace deu um meio sorriso.

– Desculpa, papai.

– Quer parar de fazer piada de tudo?

Clary encarou a rua de paralelepípedos diante deles, onde carruagens e pessoas vestidas em cores diversas passavam sem preocupação. Talvez se focasse naquelas cores, pudesse esquecer que mais uma das indetermináveis brigas dos dois estava começando.

– Talvez quando você parar de ser tão perfeitinho - disse Jace, cuspindo as palavras em Sebastian como se fossem espadas - o filho perfeito de Valentim Morgestern. Homem e legítimo. Duas características que eu e Clary não temos, certo?

Por mais que não parecesse, Sebastian também costumava usar uma máscara. Mas enquanto a de Jace era um sorriso despreocupado, a dele era uma expressão séria e distante. Aquela expressão caiu assim que Jace falou, substituída por um olhar duro e úmido, quase fragilizado.

– Você e Clary... - sussurrou - tem muito mais do que eu jamais poderia ter...

– Tipo o quê? - Jonathan continuou atiçando - o ódio e decepção de papai? Tem razão, você jamais teria isso... Embora nós tenhamos e muito.

Clary começou a sentir água nos olhos, e ardia. Ardia no rosto e no peito ouvir Jace falando em voz alta tudo o que os pensamentos dela já disseram de formas venenosas. E ouvir da pessoa que amava (da única pessoa que amou daquela forma, embora não pudesse) doía e muito.

Sebastian encontrou os olhos dela, e parecia ser o único a entender o que se passava em seu coração. O irmão mais velho, afinal, era o único que ouvia seus gritos aflitos quando Jace a importunava.

Sua máscara pareceu quebrar mais ainda.

– Acho que esse passeio durou demais - disse, olhando novamente para o irmão.

Jace apenas deu de ombros.

– Perfeito. Esse cheiro de fezes de cavalo já estava congestionando minhas narinas.

Deram meio volta. E traçaram o caminho de volta para casa.

Embora Clary já esperasse por isso.

_

– Já voltaram? - Valentim perguntou, erguendo os olhos de seu livro.

Jace se largou no sofá e Clarissa subiu direto para o quarto. Apenas Sebastian ficou ali de pé, encarando o pai e esperando que o irmão mais novo contasse como ele era mesquinho e metido a superior.

Jace permaneceu calado, porém.

Sebastian suspirou.

– Nos desentendemos - explicou.

Valentim revirou os olhos, muito ligeiramente.

– Suponho que a discussão de vocês dois tenha atingido Clarissa novamente...

– Não - disse Sebastian.

– Sim - disse Jonathan.

Valentim olhou de um para o outro, com seus cautelosos e inteligentes olhos escuros. Pareceu capitar cada expressão dos filhos, cada veia saltada e cada sinal de mentira. Apenas deu um sorrisinho entretido.

– Sebastian, vá acalmar Clarissa.

Jace olhou para o pai, incrédulo.

– Por que não eu? Fui sincero!

Valentim o encarou.

– Sua presença só deixaria sua irmã mais irritada e abalada, sabe disso Jonathan.

Jace levantou-se do sofá e se direcionou para a copa. Sebastian lembrou-se do quanto ele gostava de comer e lutar quando se sentia muito frustrado...

Encontrou os olhos do pai.

– Estou indo - disse, e se retirou.

_

Clary havia se jogado na própria cama e pegado um dos quadros que havia pintado. Todo ano seus pais renovavam seus materiais de pintura, desde que continuasse tendo aulas de etiqueta e (por mais irônico que seja) luta de espadas.

Porém, o que ela amava fazer era pintar. Geralmente colocava ali, em imagens, seus mais profundos sentimentos. Logicamente, só tinha um quadro que revelava o que sentia por Jace - que era uma coisa totalmente errada, ela sabia, mas inevitável - e era o quadro que segurava.

Ela o havia pintado com um anjo. Um anjo numa planície verde como a do lado de fora do casarão, cujas asas brancas estavam abertas e divinamente belas.

Ele abraçava uma versão da própria Clary, cujos cabelos estavam soltos ao vento...

Ela repousou o quadro sobre a cama e o encarou de cima. Era belo e impossível, como seus sentimentos pelo irmão adotivo. Sinceramente, ás vezes ela imaginava em contar tudo a ele e fugirem juntos. Não tinham o mesmo sangue, então não estariam fazendo nada de errado em um lugar onde não saberiam que foram criados juntos.

Tinha esperança... não tinha?

– Clary?

Ela ergueu os olhos rapidamente, como um rato assustado. Mal deu tempo de esconder o desenho... Sebastian encarava do rosto assombrado dela, para a imagem profana dela amorosamente abraçada com o irmão em sua própria pintura.

O queixo de Sebastian caiu. E Clary escondeu o próprio rosto, enchendo seus dedos de lágrimas.


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Notas finais do capítulo

Vish!