Tentava respirar fundo. Aos poucos as lágrimas foram cessando. Olhei a capa do caderno de Rick. Perguntava-me se faria bem abrir aquele caderno, ler seus manuscritos, de certa forma entrar em contato com o seu íntimo. No fundo eu achava que o melhor era ignorar. Quanto mais me afastasse de Rick, melhor eu me sentiria. Mas não foi bem assim. A curiosidade me movia. Foi por ela que fizemos a aposta. Oras! Porque me vetar de algo que eu tanto desejei? Decidi abrir.

Eu vi que nas primeiras páginas o livro trazia a história de Erick, um rapaz que caminhava pelas ruas de Nova York quando ouviu pedidos de socorro de uma dama. Erick se vê obrigado a salvar a mulher, porém os capangas assim como a mulher são envolvidos com a máfia. O rapaz então se sente no dever de entrar nesse mundo obscuro para descobrir o mistério que a cerca.

Parecia interessante. De certa forma ler aqueles primeiros capítulos me fez esquecer, por alguns minutos, das minhas angústias. Estava curiosa. Eu precisava continuar.

“Erick passa por muitas tensões, aprovações e perigos para se inserir na máfia. Ele muda de nome, de hábitos e aparentemente de caráter. Já lá dentro ele passa a chamar atenção dos chefes por ser extremamente inteligente e estrategista. Erick agora se chama Burt e com as sucessivas promoções dentro do cartel mafioso, Burt se vê mais perto da mulher.”

“Logo que se encontram a mulher o encara num olhar fulminante. Uma espécie de amor à primeira vista. Mesmo com a intensidade dos olhares, Burt sabe que ela se chama Elizabeth e que ela é a pupila do chefão. Qualquer deslize de Burt, ou seja, Erick, ele estaria morto, assim como ela.”

Eu estava cada vez mais conectada com a história. Realmente não imaginaria nunca que Rick pudesse ser dono de tão inestimável dom. Ele mesmo sem estar presente na minha frente, me surpreende, me arrepia. O relógio já marcava 01h47min da manhã. Mas eu precisava continuar.

“Erick, para exercer melhor seu disfarce se dispôs, antes da entrada na máfia, em usar lentes de contatos castanhos, além de deixar a barba sempre em formato de cavanhaque. Erick deixou para trás os olhos profundamente azuis e o rosto sempre sem barba. A única coisa que ainda possuía eram seus ombros largos e sua sagacidade.”

Para tudo! Erick e Burt não são apenas o mesmo. Eles são o Rick! Oh meu Deus! É o Rick se imaginando aqui. Eu não sei se ainda devo ler. Essa Elizabeth... Vai ser alguma dessas garotas vazias que Rick anda saindo... Aposto! Ai! Porque eu fui ler isso?

Mas eu quero saber o fim da história. Faltam apenas 4 capítulos... São 02h53min da manhã. Ah! Eu vou ler... Se chorar, chorei. Pronto!

“Elizabeth e Burt estavam cada vez mais próximos. A cada cruzada de pernas, a cada sorriso maldoso, a cada sacada de olhares, Burt se sentia mais atraído. Ela o levava a perdição. Ela o tentava de todas as formas, mesmo que às vezes sem intenção. Elizabeth era sexy, tinha um corpo esbelto, delgado, um balanço próprio ao caminhar. Seus cabelos quase cor de mel desciam pelos ombros e antes de chegar abaixo da coluna paravam. Lábios carnudos e tentadores que ao par com os olhos verdes deixavam muitas vezes Burt sem chão. Ela sempre se sentava ao lado dele no bar com intuito de conversas de negócios. Enquanto eles falavam ela sugeria a imaginação de Burt milhares de ideias sujas ao colocar cereja por cereja entre os lábios de forma sensual. Elizabeth era responsável por parte da contabilidade e economia da máfia. Como ninguém ela dominava esse mundo numérico com extrema habilidade. Por estar envolvida com isso sofria abusivas ameaças. Mexer com dinheiro do bando, nunca é uma boa área.”

–Olhos verdes, cabelo mel, cerejas, habilidade em economia... Eu estou sem ar... Eu... Eu... Oh meu Deus! Oh meu Deus! Não é possível! Não pode ser! Essas características... Não! Não!

Eu falava em voz alta sem me dar conta que o relógio marcava 03h35min da manhã. Papai correu até meu quarto assustado.

–Kate! Kate! O que houve querida?

–Nada papai. Está tudo bem. – O caderninho escondido embaixo do meu travesseiro.

–Foi algum pesadelo? Está mesmo tudo bem? Eu ouvi você gritando.

–Foi um sonho ruim papai, nada grave. Está tudo bem, juro.

–Certo. – Ele beijava minha cabeça. – Apague esse abajur e volte a dormir... Kate, você esta pálida. Está tudo bem mesmo?

–Ah papai. Deve ter sido do susto. Mas estou bem. Não se preocupe.

–Quer falar sobre isso? Quer beber uma água, alguma coisa?

–Não papai. Obrigada. Falo a verdade. Volte a dormir.

–Ok minha querida. Boa noite. Eu te amo. – Ele sorria enquanto encostava a porta.

–Boa noite papai. Eu também te amo.

Mesmo com todo susto, eu esperei ouvir os passos do papai se distanciarem e acendi novamente o abajur. Quis ler o resto da história. Eu tinha que ler!

“Numa noite qualquer Elizabeth num momento de distração dos chefes entrega a Bart uma carta. A carta dizia que ela precisava fugir e apenas ele poderia ajuda-la. Na carta dizia horário, data e local para que eles se encontrassem. Com medo de ser uma emboscada, Bart prefere observar de longe, na data do encontro, as reações de Elizabeth. Ele percebe que ela o anseia. Em um ato de coragem Bart aparece dentre as sombras da noite. Ela o explica o plano de fuga. Ele concorda além de sugerir ajustes. Mas, antes de terminarem o encontro Elizabeth impulsivamente o beija. Bart finalmente percebe que o que ele sentia por ela é mútuo...”.

Ela o beija? Quer dizer, eu beijo o Rick?! O que ele está pensando? Sério?! Ai, eu já não sei de mais nada. E pra piorar ele ainda não escreveu o final da história. Que raiva! Entrega-me assim, sem fim. Planta-me essa dúvida que me tira do eixo. Isso não vai ficar assim. Ah não vai mesmo! Ele que me aguarde.

04h15min da manhã.