Paz Temporária - Sombras do Passado escrita por HellFromHeaven
Sarah é uma garota bonita, inteligente, popular no colégio, com pais amorosos e estuda em Knowledge Nest. Sempre foi uma das melhores alunas da sala e o orgulho de seus pais. Bondosa, sempre tentava se dar bem com todos seus colegas, sem exceção.
Costumava andar em um grupo de cinco pessoas: ela, Steve, Julia, Garry e Stella. Dos cinco, era a única inteligente. Todos os outros eram alunos medianos, mas eram populares por seu carisma ou por se destacarem em algum esporte.
Era apenas um dia normal de aula. Sarah e seus amigos conversavam enquanto a professora ainda não havia chegado.
– Sarah! Semana que vem vai ter um teste e eu estava pensando se...
– Não, Garry. Eu não vou te passar cola.
– Aaah, de que outro jeito eu tiraria média?
– Ai ai. Você não tem jeito mesmo não é?
– Esse aí é caso perdido, não sei nem como quer entrar no exército desse jeito. – disse Steve – No máximo vai virar um qualquer da linha de frente e morrer no primeiro dia de combate.
– Cala a boca, Steve. Você também não pode falar nada. Só se fode nos testes.
– Pelo menos eu sou melhor no combate corpo a corpo e de mira.
– Meh, isso não impor...
A professora entrou impedindo que continuassem a conversa. Ela apresenta uma aluna nova para a classe, era Cherry. Baixinha, magra, olheiras profundas, cabelos e olhos negros e aparentemente nervosa. A aula passou e Sarah observou que Cherry não havia se comunicado com ninguém durante o dia todo.
Aquilo a deixou intrigada e resolveu comentar com seus amigos quando voltavam para casa.
– Algum de vocês chegou a falar com a garota nova?
– Não, acho que ela não falou com ninguém. – disse Julia – Ela é meio estranha não?
– Pois é! Viram aquelas olheiras? Aposto que ela toma remédios controlados. – disse Stella.
– Ou ela tem insônia. – acrescentou Steve – Já tive problemas com esse tipo de coisa quando era mais novo.
– Mesmo assim... Ela tem um ar meio sinistro.
– Hehehe, é só chegar uma garota nova que a Stella já fica toda incomodada. – disse Garry – Ela é estranha mesmo, mas isso não importa. É só a gente não andar com ela ué.
– É verdade, acho que ela não se encaixaria no nosso grupo mesmo.
– Eu não sei... vai que ela é legal? Não acham que estão tirando conclusões precipitadas?
– Sarah, Sarah. Sempre com esse seu espírito caridoso.
– E você com esse seu espírito de babaca, Garry.
– Cala a boca, Steve.
Alguns dias se passaram e Sarah notou que Cherry continuava sem se comunicar com ninguém. Isso a estava incomodando então ela decidiu que pelo menos tentaria falar com Cherry na hora do almoço. Estava caminhando até o refeitório, quando viu um garoto ser empurrado contra a parede por um dos valentões da classe.
– Me passe a droga do dinheiro do lanche ou eu te mato!
– Eu já disse que não trouxe dinheiro hoje! Por favor, não me machuque.
– Tsc, mariquinhas. Eu deveria te arrebentar só por ser tão frouxo.
Sarah ia intervir, mas foi interrompida por uma voz vinda da multidão que se aglomerou em volta dos dois:
– Como se você pudesse chamar alguém de mariquinhas, Ted.
Todos olharam com espanto para a origem da voz. Era Cherry. Ela caminhava em direção aos dois com um sorriso no rosto.
– O que foi que você disse?
– Isso mesmo que você ouviu Ted. Ou melhor... Teddy Bear.
–... D-do...que é que você me chamou?
– O quê? Está com problemas auditivos? Eu te chamei de Teddy Bear. Não é como seu namorado te chama?
– N-namorado? D-do que é que você está falando? Vou acabar com você se continuar falando merda!
– Ah, sim. Vai acabar comigo. Você não machucaria uma mosca, sua bicha reprimida. Eu sei que você só age como um “valentão” porque tem medo de que façam o mesmo com você.
– V-você nem me conhece. Não escutem o que ela fala, ela é louca!
– Posso até ser, mas se quiserem eu posso até provar que ele joga no outro time. Está até desesperado. Ah é! Não ia acabar comigo?
– Eu... eu...
– Como eu imaginei, volte correndo pro seu macho. Volte pro seu querido Ronald.
– Cale a boca!
– Você devia se envergonhar. Acho que nem seu querido Ronald te aceitaria se soubesse que você é um babaca.
– Pa... pare...pare...
– Tudo bem, já disse o suficiente. Volte a fazer o que estava fazendo, Teddy Bear.
O garoto estava com os olhos cheios d’água. Todos o encaravam e comentavam sobre o que estava acontecendo. Depois de encarar a multidão por um tempo, o garoto saiu correndo em direção ao banheiro. Cherry ajudou o garoto a se levantar, mas esse se afastou com medo nos olhos e sai de perto dela. Todos a encaravam com medo.
– Como... como você sabia disso?
– Ah... isso? Bem... É que eu consigo ver o passado das pessoas.
Todos ficaram em silêncio por um tempo. Uma expressão de medo tomou a face de todos, não sabiam o que pensar. Cherry saiu andando como se nada tivesse acontecido. Pouco tempo depois, a multidão se dispersou e só sobraram Sarah e seu grupo de amigos.
– Vocês viram aquilo? Que garota bizarra! – disse Stella.
– Né? Meu deus, e ainda diz que pode ver os passados dos outros, teeeeenso. – disse Garry.
– Será que ela estava falando sério? – disse Julia.
– Capaz. Afinal, como mais ela saberia daquilo? – respondeu Steve.
– Eu avisei que ela era estranha. Dizem por aí que ela morava num orfanato até pouco tempo atrás. – disse Stella.
– AH! Isso explica tudo! Esse tipo de gente não nasceu pra se socializar.
– Mas que... É sério isso, Garry? – disse Sarah indignada.
– Claro! Esse tipo de gente sempre dá problema. Não é à toa que ficam mofando naquelas espeluncas.
– Pois é. Quem nasceu pra ser pobre tem que aprender a se misturar com sua própria gente. – completou Stella.
Sarah ficou paralisada enquanto seus amigos discutiam sobre como o fato dela ser órfã influenciava seu modo de agir. Ela não concordava nem um pouco com aquilo. Tentou pensar que era brincadeira, mas todos falavam com um tom sério. Aquilo a estava incomodando muito, tanto que ela tinha vontade de ir ao banheiro e vomitar. “Como podem pensar algo assim? Eu pensava que eles eram boas pessoas...”. Coisas assim passavam por sua cabeça.
Ficou parada por alguns minutos. Já não ouvia mais o que seus amigos diziam. Apenas queria ir embora. E foi o que ela fez, saiu olhando estaticamente para frente sem nem um destino definido. Andou por praticamente toda a escola e acabou passando direto por sua sala. Quando se deu conta faltavam apenas 3 minutos para o término do intervalo. Correu como nunca e acabou chegando a tempo.
Passou o resto da aula sem prestar atenção em nada do que o professor dizia. Só conseguia pensar no fato de que ela não conhecia seus amigos como imaginava. Na hora da saída seus amigos a chamaram para sua caminhada rotineira a caminho de casa.
– Saraaaah! Hora de ir.
– Não... eu não vou com vocês...
– O que houve? Você está estranha desde o fim do almoço. Tem algo pra resolver que está te preocupando?
– Não... na verdade, eu tenho algo para resolver. E vou fazer isso agora...
Ela ficou em silêncio por alguns segundos e todos a observavam.
– Eu não vou mais andar com vocês.
– O quê?! O que aconteceu, fizemos algo?
– Não para mim. É só que vocês não são quem eu pensava que fossem.
– Do que você está falando?
– Como assim do que estou falando? Não suporto a ideia de andar com pessoas que julgam as outras sem nem ao menos tentar conhece-las!
– Ah, está falando daquela órfã? Não precisa ficar brava por causa disso, é só uma estranha. É só a gente não falar com ela que tá de boa.
– É... Vocês não entendem mesmo... apenas... apenas não me procurem mais...
Sarah apenas se virou e seguiu seu caminho até sua casa sozinha.
No outro dia, Sarah se sentou longe de seus antigos amigos e ficou apenas prestando atenção na aula. Percebeu que eles a olhavam, mas apenas ignorou. Na hora do almoço comprou sua comida e procurou um lugar afastado para comer. Andava distraída quando foi interrompida por uma voz familiar:
– Você não precisava fazer aquilo por minha causa.
Sarah se vira e avista Cherry, que estava escondida atrás de uma pilastra.
– Er... O quê?
– Você não devia ter brigado com seus amigos só por que falaram algumas merdas sobre mim. Eu estou acostumada com esse tipo de coisa.
– Esse não é o problema. Não é só por ser você. É que eu não suporto esse tipo de coisa. Odeio pessoas que julgam os outros sem nem ao menos tentar entende-los!
– Oh... isso é... nobre de sua parte...
– Não é nada... eu só tento ser uma boa pessoa.
– Entendo... dá pra ver que isso é verdade se olhar no seu passado.
– Bem... Ah! Você tem com quem almoçar?
– Olha, depois do que aconteceu ontem, o que você imagina?
– É... Então, já que eu também estou numa situação solitária. Vamos almoçar juntas.
– J-juntas? V-você tem certeza? Não tem uma reputação a zelar?
– Hahaha, eu nunca liguei pra esse tipo de coisa. Ainda não te conheço direito, mas o simples fato de você se preocupar comigo em relação a eu ter parado de falar com meus amigos já mostra que você não é uma pessoa ruim.
Cherry ficou em silêncio por algum tempo com uma expressão de quem não acreditava no que estava ouvindo.
– Vamos, nós duas estamos sozinha mesmo. O que você tem a perder?
– É... T-tudo bem, vamos...
As duas almoçaram juntas e começaram a se conhecer melhor. Muitas pessoas que passavam olhavam espantadas, principalmente os antigos amigos de Sarah. Quando o almoço terminou, Sarah mudou de lugar para uma cadeira ao lado de Cherry. Antes, todos os lugares ao redor de Cherry estavam desocupados.
A partir daquele dia, elas começaram a andar juntas. Isso acabou virando uma rotina. Certo dia, Cherry estava distraída, quando Sarah apareceu muito animada:
– Cherry!
– Nossa, que animação hein.
– O Lucas me chamou para sair!
– Oh, que legal.
– Pois é! Ele é tão bonito...
– Se você diz.
– Não acha ele bonito?
– Não.
– Sério? Eu o acho um dos garotos mais bonitos da escola.
– Eu discordo, mas tudo bem.
– Quem você acha que é o mais bonito?
– Da escola eu não sei, mas da sala... O Hank.
– Hank?
Hank era considerado um dos garotos mais feios da escola. Magro demais, tímido, cabelo despenteado, ou seja, sem nenhum atrativo aparente.
– Por que ele?
– Por quê? Porque ele tem uma vida complicada. O pai é alcóolatra, a mãe é stripper, a casa está sempre suja e bagunçada. Cuida sozinho da irmã de sete anos. Trabalha em um mercado depois da aula para ajudar a sustentar a família. Suporta os abusos dos babacas da sala. E mesmo assim, nunca se queixa de nada e se esforça tanto que tem uma bolsa integral e é um dos melhores alunos da escola.
Sarah fica sem ter o que dizer e apenas permanece em silêncio envergonhada.
– Nossa... não sabia disso tudo...
– Não se culpe, é natural do ser humano julgar os outros antes de conhecê-los. E não sei por que se espantou com minha resposta. Seria estranho se eu respondesse me baseando na estética, sendo que a primeira coisa que vejo quando olho alguém, é sua história.
– Oh... entendo... Ah! Como funciona... não... err... como você vê as coisas?
– Bem... Quando eu olho para alguém, a primeira coisa que eu vejo é o nome dessa pessoa, depois seu dia, semana, mês, ano. Demora alguns minutos para ver o passado completo e o tempo varia de acordo com a idade da pessoa.
– E você consegue ver uma vida inteira em alguns minutos?
– É difícil explicar. É como se... o passado das pessoas ficasse armazenado em algum lugar da minha cabeça. Eu acabo só vendo partes importantes do passado. E tudo em primeira pessoa. Mas seu eu quiser saber de coisas sem nenhuma importância é só... pensar um pouco que eu acabo me lembrando... da lembrança...é complicado, nem eu mesma entendo direito.
– Nossa...
– Sabe o que é irônico?
– O quê?
– Minha memória é extremamente boa para guardas lembranças de outras pessoas. Eu me lembro de tudo o que aconteceu comigo desde que acordei naquele hospital detalhadamente. E mesmo com uma puta memória dessas, eu ainda não consigo me lembrar de nada que aconteceu antes disso... é meio frustrante...
– Vai ver é algum tipo de bloqueio. Pode ser seu cérebro dizendo que se lembrar dessas coisas não vai fazer bem a você.
– Pode ser... mas eu gostaria muito de me lembrar de tudo...
– Se você quer se lembrar tanto assim. Por que você não faz algumas pesquisas? Vá aonde você foi encontrada, procure pistas... que nem um detetive!
– Detetive?
– É! Eu te ajudo! Vamos lá amanhã mesmo, depois da aula.
– Agradeço a iniciativa, mas tenho que falar com meu... pai antes e...você deveria fazer o mesmo, não?
– Ah! É verdade. Desculpa, acabei me empolgando demais.
As duas saem rindo. Cherry fica interessada na proposta de Sarah. Não pretendia usar capas e lupas, é claro, mas a ideia de investigar o local onde foi encontrada parecia muito promissora.
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