O ano era 1834. Os pássaros cantavam alegremente e o Sol brilhava com muita intensidade. Era um dia perfeito para reunir a família na praça central de Olgden Ville, uma pequena cidade no interior de Harvyre. E por mais que o clima fosse de paz, Harvyre se encontrava em uma guerra brutal com seu país vizinho, Cherland. Motivos? Os de sempre: terras, dinheiro, recursos naturais, etc, etc. Tal situação fazia com que dias como aquele em que encontrava Olgden Ville fossem raros e igualmente preciosos.

Aproveitando-se de tal preciosidade estava uma família simples e feliz. Eram apenas um casal e uma filha de quatro anos:

– O dia não poderia estar mais perfeito para o primeiro piquenique de nossa pequena.

Disse o pai, enquanto se espreguiçava.

– Verdade... E pensar que mesmo em um país como Harvyre, conseguimos encontrar um pedacinho de felicidade.

Disse a mãe enquanto colocava um lençol remendado no chão para que pudessem sentar.

– É... e tudo graças à nossa pequena Cherry.

O pai erguia sua filha nos braços com um sorriso largo em seu rosto enquanto sua mulher distribuía algumas guloseimas sobre o lençol. Tudo começava a ficar embaçado, não se podia mais ouvir o que o casal dizia. A única coisa que se podia ouvir era aquele nome, que ecoava sem parar.

– Cherry...Cherry...Cherry...Cherry...CHERRY!

– Waah!

Uma garota acorda apavorada em um quarto escuro e sujo compartilhado por várias crianças.

–Cala a boca, Cherry! Queremos dormir!

Reclama um garoto de roupa surrada que estava na cama ao lado.

– M-me desculpem...

Responde a garota, num tom baixo e tímido.

– Droga... esse sonho de novo...me pergunto se é realmente uma lembrança ou apenas uma ilusão sem valor...

A garota volta a dormir. Ela havia sido encontrada uma semana atrás desmaiada em uma estrada próxima à Red Moon Forest, uma floresta escura e perigosa. Levaram-na ao hospital local e quando acordou não se lembrava de nada. Tudo o que tinha era uma vaga lembrança, um sonho para ser mais exato, e apenas por esse motivo, sabia seu nome: Cherry.

Desde então, Cherry passou a viver em um velho e mal cuidado orfanato, o Sweet Dreams. Seria apenas mais uma órfã qualquer em um país cheio de órfãos de guerra se não fosse por uma pequena peculiaridade em Cherry. Quando acordou no hospital, percebeu que tinha algo diferente em seus olhos. Ela conseguia ver algo que outras pessoas não viam. Algo que não ninguém deveria conseguir ver. Cherry percebeu que, ao fixar o olhar em uma pessoa qualquer, ela conseguia ver o passado daquela pessoa. Isso espantou todos, fazendo-a até ser notícia no jornal local. Mas sua fama não foi nem de longe positiva. Todos ficaram com medo de seu estranho dom, inclusive ela. Graças a isso, nenhuma criança do orfanato queria contato com ela.

– Er... s-será que eu poderia...b-brincar com vocês?

– O quê?! Claro que não! Some daqui, sua estranha.

– T-tudo bem... e...eu vou embora... – diz Cherry com voz de choro.

Cherry passava quase todo dia isolada em um canto qualquer da Sweet Dreams chorando ou se lamentando.

– Esses malditos olhos! O que foi que eu fiz para merecer isso? Já não bastar eu não saber nada sobre minha vida, eu ainda tenho que suportar essa maldição!

Seu primeiro mês no Sweet Dreams foi terrível. Sem praticamente nenhuma lembrança de sua vida antes daquele mês, com olhos que viam o passado alheio, crianças que a odiavam por medo e adultos que não lhe davam apoio nem carinho. Um peso muito grande para uma garota de 12 anos suportar sozinha.