Selfless and Brave. escrita por comfortablynumb


Capítulo 8
Bohemian Rhapsody




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/478548/chapter/8

Open your eyes
Look up to the skies and see
I'm just a poor boy
I need no sympathy
Because I'm easy come, easy go
A little high, little low
Anyway the wind blows
Doesn't really matter to me...

— Como isso funciona? — perguntei a Amah, curioso. Ele cutucava as cutículas, dando de ombros.

— Provavelmente você já deve ter percebido que irá enfrentar os seus medos. — ele continuou olhando a sua mão. — Obviamente, eu não tenho o poder de ler mentes, ou algo assim, mas o soro tem. E é ele que me indicará o que você mais teme. Espero que não tenha se assustado com as diversas reações, as quais suponho que tenha visto todas, já que é o último.

— Não acha que isso é invasivo demais?

— Não. — ele sorriu e deu de ombros. Abrindo a caixa preta, consegui visualizar uma seringa e nela, um líquido azul. Ele injeta a agulha em minha garganta, e pela última vez, engulo em seco.

Vejo Chicago crescer sob meus olhos e sinto um aperto em meu coração. O vento frio machuca minha pele quando em contato, mas não é isso que me irrita. O que realmente me irrita é a altura. Ao meu lado, vejo a tirolesa, que com a brisa, o fio balança-se rapidamente. Estou no topo do edifício Hancock e as estrelas parecem brilhar de modo mais intenso. Tento concentrar-me no céu, embora seja impossível e algo distrai-me. O cabo da tirolesa acaba sendo arrebentado, fazendo com que eu consiga ouvir o barulho dos vidros estilhaçados das janelas. Meu coração batia mais forte e a sensação de estar à beira da morte era evidente; mas, uma parte de mim sabia que aquilo não era real. Tento ir para trás, mas meu pés estão presos.

Pule.

E eu estou em outro lugar.

Enquanto recomponho-me, tento pensar no que eu mais temo, e a resposta foi clara: as paredes de madeira empurravam-me para o centro da sala, que agora era apenas mais uma caixa. Claustrofobia. Após vários anos me escondendo no guarda-roupa como forma de punição de Marcus, tomei nojo daquela situação e ao mesmo tempo, medo. Medo de me esconder, medo de me curvar perante ao agressor. Medo dos monstros que me perturbavam na escuridão. Agora, tudo o que eu queria fazer era gritar, mas não conseguia. Então, fechei meus olhos e esperei que aquilo acabasse.

Mas não acabou. Enquanto meu corpo, ainda que magro, preenchia todo o local, senti-me zonzo. Prestes a chorar, tento reprimir as lágrimas. Não quero que Amah me veja chorando e pense que eu sou covarde. Apesar de realmente ser.

A caixa me espremia cada vez mais, e eu realmente não conseguia me mover.

— Pense em algo, Careta. Pense em algo! — conseguia ouvir a voz de Amah ecoando em minha mente. Pensar em algo? A única coisa que eu conseguia pensar era em me livrar daquela situação. Por fim, senti algo tocar a ponta de meus dedos, e quando vou tentar alcançá-la, o topo da caixa abaixa junto a mim. Mesmo desconfortavelmente, consigo alcançar o objeto. Uma barra de metal.

Uso-a para destruir o "teto" da caixa, dando pancadas sucessivas. Consigo e faço o mesmo com as laterais, até me libertar daquilo. Levanto-me, dando um longo suspiro e livrando-me de mais um pesadelo. Quando estou em condições para prosseguir, minha mente automaticamente me leva a um lugar totalmente diferente.

Estou numa sala branca, e tudo que há nela é uma mesa, uma arma e uma mulher de roupas brancas, como uma sem-facção. Só então consigo perceber qual é o meu medo: preciso atirar naquela mulher.

Quando eu via as pessoas da Audácia, sentia a mesma energia que eles, mesmo estando em vestes de Abnegação e não realizando o que eles realizavam. Mas, às vezes questionava-me se o sistema militar de Chicago, controlado por eles, não era corrupto. Matar uma pessoa inocente só por ela ter afrontado uma pessoa da Audácia? Isso me parecia errado e a possibilidade de eu fazer algo como isso, fazia com que eu estremecesse. E é o que eu tenho que fazer.

Caminho até a mesa e seguro a arma, quase caindo pelo peso dela. Ainda não segurei uma em si, mesmo tudo isso parecendo tão real. Quando acostumo-me com o peso, aponto para o rosto da mulher, inexpressivo. Tudo isso seria mais fácil se eu apenas fechasse os olhos e pensasse estar atirando no vácuo.

E é isso que faço. Fecho os meus olhos e aperto o gatilho, ouvindo a bala atingir o corpo de uma mulher inocente.

Quando abro meus olhos novamente, estou no mesmo local, porém, sozinho. Percebo que não estou mais no início da sala, mas no meio. De repente, um flash de luz atinge os meus olhos e eu sou obrigado a tampá-los com minhas mãos. Quando aquilo acaba, percebo que estou rodeado por homens vestidos de Abnegação. Marcus.

Lembro-me vagamente do meu teste de aptidão, enquanto me desesperava e estava rodeado pelos meus próprios alteregos. Mas desta vez, terei que enfrentar algo que temi durante toda a minha vida. Dou de ombros quando ouço as vozes de Marcus, uníssonas.

— Isso é para o seu próprio bem — ele diz e joga seu braço para trás, pronto para jogar o cinto em minha direção. Fico de joelhos no chão, tentando esquivar-me. Mas sou eu contra várias versões dele, então, sinto a dor alucinante do objeto quando entra em contato com meu corpo. — Eu não vou ter um egoísta na minha casa! Eu não criei meu filho para ele ser um mentiroso! — ouço, porém já estou longe daqui. Lembro de meu quarto, do pequeno vaso azul de minha mãe e de meu armário. Aos poucos, as vozes vão desaparecendo e minha visão também.

E eu estou em outro lugar.

Amah me encara com o olhar surpreso e eu tento entender o por que do espanto. Dou de ombros quando ele quebra o silêncio.

— Só isso? Meu Deus, Careta!

Ele me oferece sua mão para me equilibrar. Aceito-a e só então lembro-me de meu último medo. Se ele assistiu todo o meu pensamento, descobrirá que as acusações da Erudição, de fato, fazem sentido. Meu coração bate mais forte, mas não por eu ter passado por minha paisagem do medo. Solto-me de sua mão, já me sentindo fisicamente melhor.

— Acho que deveríamos lhe dar um novo apelido. Sei lá, algo como "Espada de Samurai". — ele ri e eu faço o mesmo, embora esteja preocupado.

— Isso é horrível — digo entre risadas.

+++

Caminhamos até o refeitório, onde todos os iniciandos estão agrupados em cadeiras. Tento encontrar uma mesa vazia, mas sou repreendido por Amah, que me segura pelo braço. Ele assobia e de repente, todo o alvoroço é substituído pelo silêncio.

— Parece que temos um recorde, Tori. — Amah faz questão de berrar a frase. Não entendo, mas dou de ombros. — Parabéns, iniciandos. A maioria de vocês conseguiu completar o primeiro estágio da iniciação com, relativamente, sucesso. De qualquer jeito, nenhum de vocês fez isto tão bem quanto Quatro — diz, apontando para mim. Quatro?

Tudo o que conseguir ouvir foram gritos e palmas. Caminho entre a multidão com um sorriso bobo no rosto. Amah não me dera apenas um nome; ele me deu poder. Sou cumprimentado pelos iniciandos, até encontrar uma cadeira vazia numa mesa repleta de transferidos: cinco da Erudição, um da Franqueza, uma da Amizade e apenas uma da Audácia. Sento-me sem encará-los, até perceber que uma garota da Amizade olha para mim com o olhar esperançoso.

— Meus parabéns, Quatro! — ela diz. Franzo o cenho, tentando lembrar-me de seu rosto, porém, não a reconheço.

Tento lembrar-me da paisagem do medo e tudo que consigo me lembrar é de Zeke e sua respiração irregular. Estava tão preocupado em mim mesmo que meus pensamentos me levaram para um lugar diferente, fazendo com que esquecesse do que estava a minha volta.

— Tenho que lhe parabenizar pelo seu desempenho, Careta. — Eric solta, dando uma risadinha. — Desculpe-me, mas qual era seu nome mesmo? To... — ele não completa a frase, como se de fato soubesse, mas não estivesse pronto para revelar.

— Meu nome é Quatro. — pego uma faca de manteiga e cravo-a entre seu dedo médio e anelar. — Se me chamar de Careta novamente, terá problemas.

Ele revira os olhos e o casal de eruditos ao seu lado começa a rir exageradamente.

— Parece que aqui você terá que aprender a calar a boca, Eric. — o garoto diz, ainda rindo. Observando os dois garotos, percebo o contraste entre eles. Enquanto Eric é pálido, relativamente forte e suas expressões faciais aparentam ser a de uma pessoa mais velha, o outro garoto é moreno, magro e aparenta ser mais jovem que todos dali. Talvez Chicago abrigue mais eruditos do que pensei.

— Ainda me pergunto o que está fazendo aqui, Pharrel. — Eric finaliza e sai da mesa.

— Ele não é tão simpático, não é? — pergunto, ignorando sua saída.

— Não mesmo. Na verdade, ele é mais receptivo que isso, acredite. Só não está acostumado com a ideia de, você sabe, conviver com um abnegado. Relaxa. — Pharrel conclui, voltando-se a menina do seu lado, a qual me lembrara Jeanine Matthews: óculos, cabelos loiros e uma postura extremamente ereta. Quando ela retira seus óculos, percebo que não é tão semelhante a líder da Erudição.

— O que está acontecendo com a Erudição? — pergunta Clary.

— Acho que as pessoas da Erudição não são tão eruditas assim. — disse Mia, a garota da Amizade, pegando um muffin. — Ou então os eruditos estão procriando demais. — ela ri e todos fazem o mesmo.

+++

Deito-me em minha cama, pensando em toda a minha iniciação. Agora, eu tenho um novo nome, o que significa que eu sou uma nova pessoa. Uma pessoa que não se abaterá por um comentário maldoso da Erudição. Um alguém poderoso.

Um alguém disposto a lutar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Selfless and Brave." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.