A iluminação fraca de um poste afastado permitiu que divisasse os contornos de alguém vindo na sua direção, que se tornavam mais distintos à medida em que se aproximava. Ele andava lentamente, querendo adiar ao máximo a conversa inevitável, constrangedora para ambos. Não esperava vê-lo ali, contanto não foi uma surpresa encontrá-lo sentado em frente à porta de sua casa, talvez há muitas horas. Em algum momento isso teria de acontecer, e era melhor que fosse logo.

            Parou a poucos metros de distância e viu o moreno se levantar, sem saber o que fazer com as mãos caídas ao longo do corpo e os olhos baixos.  Aoi queria dizer algo que expressasse todo o seu arrependimento e o fizesse merecer o seu perdão, e o máximo que pôde fazer foi ficar em silêncio.

            -Você não acha que está um pouco tarde para visitas?- Kouyou tentou dissimular a satisfação por estarem a sós finalmente.

            -Não era tão tarde quando eu cheguei... mas eu posso esperar aqui até que amanheça, se achar que é tarde para conversarmos.- ele parecia extraordinariamente sério ao dizer isso.

            -Não sou eu aqui que deixo os outros esperando.- retorquiu o maior.- Sei como é ruim e não pretendo fazer o mesmo com você.

            -Eu queria ter um argumento bom o suficiente para você não continuar com raiva de mim, Uruha. Mas eu não tenho. Eu só posso dizer que sinto muito, eu mal sabia o dia em que estávamos. Você precisa saber que eu nunca me esqueceria de você e o magoaria de propósito. Porque te ver triste me deixa triste também. Eu sei que você pensa que eu me afastei só porque estou namorando o Kai. Mas só eu sei como eu tenho sentido a sua falta. Eu não fui o único a me afastar, você fez o mesmo.

            -Eu só não queria te atrapalhar. Agora você está com o Yutaka e eu tenho que tomar o meu próprio rumo. Eu já entendi isso e me conformei.

            -Você está errado. Eu não vou admitir que saia da minha vida, porque você é a pessoa mais importante para mim.

            -....................

            -Eu entrei numa loja e lembrei de nós.- continuou ele.- Desde crianças, adoramos comer chocolate e eu nem imagino quantas caixas devoramos juntos. Então eu trouxe essa aqui...- estendeu a caixa que tinha na mão.- Eu não sei explicar muito bem porque mas... chocolate sempre me faz lembrar de você.

            -Isso é um presente pós-aniversário?- perguntou, pegando-a.

            -Não. É para que se lembre de mim também.

            Sem dizer mais nada, ele se adiantou até a rua e se foi.

            -Como se eu precisasse de algo para me lembrar de você...- Uruha sussurrou com um sorriso indecifrável nos lábios, vendo-o dobrar a esquina.

ooOOoo

            23:30h e finalmente ouvia o barulho da chave girando na fechadura. Embora se sentisse aliviado por Shiroyama estar de volta, não sabia o que dizer a ele. Depois daquela discussão, o namorado deveria ainda estar irritado, o que não era nada bom. Kai permaneceu no quarto, esperando que o outro fosse até lá e isso não demorou muito.

            Ele empurrou a porta que só estava encostada, abriu uma gaveta, tirando um cobertor, depois pegou um travesseiro. Em nenhum momento deu sinal de ter percebido que havia mais alguém ali. Logo em seguida, saiu do quarto, encostando a porta ao passar.

            Yutaka não suportou ter sido ignorado desse jeito, pulou da cama e foi atrás de Aoi, bufando de raiva.

            -O que pensa que está fazendo???- gritou, vendo-o ajeitar o travesseiro no sofá calmamente.

            -...................................

            -Estou falando com você!

            -Uhn? O que você quer? – perguntou com descaso.

            -Vai dormir no sofá? Que palhaçada é essa?

            -É a minha casa, eu durmo onde quiser- [n/a: essa doeu *><*]

            -Ah, que ótimo! Então é assim? O que eu fiz de tão errado afinal? Agora o idiota do Uruha é mais importante para você do que eu?

            -Você não entende nada mesmo...- Aoi se virou para ele pela primeira vez.- O problema não é quem é mais importante, mas você ter sido tão egoísta. Nós deixamos de ligar no aniversário dele. O mínimo que devêramos ter feito era nos explicarmos.

            -Só que você não deu a mínima para o que eu achava disso. Tínhamos acabado de chegar de viagem e você já foi me largando.- magoado.

            -Eu te chamei para vir junto, você não quis e eu acabei indo sozinho.

            -O que prova que você gosta mais daquele cara do que de mim. Se não, você não teria me abandonado para ir correndo atrás dele.

            -Não seja dramático, eu não te abandonei! Estou aqui, não estou? Foram só algumas horas.

            -Isso não interessa. Você me humilhou na frente do Ruki e do Reita. Aliás, parece que estão todos contra mi...

            -Você está imaginando coisas. Eles são seus amigos, ninguém está contra você.

            -Estão sim. Eles preferem o Takashima. Logo você também vai me trocar por ele- não tentou mais segurar as lágrimas.

            -Ele é só um amigo.

            -Mas não é amizade o que ele quer de você.

            -Não é verdade...

            -Claro que é!- retorquiu Uke.- Ele não vê a hora de me tirar do caminho. Eu tenho medo porque ele te manipula com aquela cara de coitadinho.

            -Não admito que fale assim dele. Você não o conhece direito!

            -Ah, e você conhece muito bem, não é?- ironizou.

            -Ele nunca falou mal de você.

            -Não teria tanta certeza. Ele me odeia.

            -Acho que é o contrário. Por que você tem que ser sempre grosseiro com ele?

            -Eu cuido do que é meu...

            -Eu não sou um objeto! Você não pensa que talvez eu tenha sentimentos e vontade própria???

            Kai demorou um tempo para responder. As lágrimas rolavam pelo seu rosto, por mais que tentasse parar de chorar.

            -São os seus sentimentos que eu queria conhecer. Tudo o que você me diz é da boca para fora, acha que não sei? Não tenho certeza de quando você fala a verdade. Seja sincero comigo ao menos dessa vez.- pediu o mais novo num fio de voz.

            O guitarrista suspirou:

            -Eu acho que deveríamos dar um tempo. Foi um erro ficar com você, gostando de outra pessoa.

            -...................................Por que demorou tanto, se sabia que acabaria assim?

            -Eu não queria te fazer sofrer.- Shiroyama desviou o olhar, um pouco constrangido.

            -É uma pena, porque não deu certo.- ele murmurou.- Bem, eu vou pegar as minhas coisas e depois vou embora.

            -Não precisa ir agora, está tarde...

            -Eu deveria ter ido há muito tempo.

            -Desculpa...mas não poderia ser diferente...

            -Ele venceu: eu não consegui fazer você em amar.- riu amargo, fechando sua mala de viagem, que ainda não tinha levado para a sua própria casa.

            -Essas coisas não são assim, Kai...

            -Eh, mas eu precisava ter certeza.- ele tirou algo do bolso e lhe entregou.- A chave do seu apartamento, eu não tenho porque continuar com ela.

            E ele se foi, deixando Yuu parado no meio da sala, sem poder acreditar no que acabara de fazer.