A Faísca: 70° Jogos Vorazes - Interativa escrita por Tiago Pereira


Capítulo 6
Capítulo 6 - Distrito Três


Notas iniciais do capítulo

E aqui vai a "surpresa". Assim como no livro, os vencedores são jogados na arena - eu sei que é um plano. Então, não será diferente para nós! Os vencedores da 70a até a 74a estarão garantidos na COLHEITA do Quarter Quell. Por que não estão garantidos na arena? Suponhamos que haja mais de um vencedor por distrito, não tem como colocá-los. Agora, se houver apenas um, estará garantido.
Eu sei que não tem como haver 24 vencedores em 5 edições, os que sobrarem terão fichas.
E sim, poderá haver mais de um vencedor por edição, depende da situação. Ou seja, quem marcou "perder" pode vencer, depende de vocês.
Enfim, curtam este capítulo do Distrito 3!



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Crystal Gottarge

Uma pequena mão toca os meus cabelos pretos. A suavidade da pele me lembra veludo, e a respiração é tão lenta. Abro os olhos lentamente, e Sophya balbucia algo incoerente. Talvez ela quisesse chamar minha atenção, então eu apanho sua mão sobre meu rosto e dou leves mordidas que causam cócegas a ela.

– Bom dia, minha filha - digo em um tom baixo.

Sophya é minha única família. Meu pai abandonou minha mãe, ainda grávida. Eu não o considero um pai; primeiro porque eu nunca o vi, segundo porque ele abandonou a mulher que o amou. Claro, com a ajuda de amigos da minha mãe, conseguiram me colocar neste mundo. Era uma vida boa, minha mãe e eu, apenas nós duas.

Até que, quando tinha uns quatro anos, minha mãe morreu intoxicada na fábrica ao produzir eletrodomésticos. Não só eu, várias crianças terminaram órfãs aqui no Distrito 3, mas por sorte o acidente não se espalhou e muita gente conseguiu escapar.

Eu só tinha um parente vivo: meu tio. Embora minha vontade não ser essa, tive apenas esta opção, caso contrário eu viveria no interior das fábricas, observando os trabalhadores montando peças e mais peças, armas e mais armas.

Não era a melhor opção, mas com certeza não teria sido tão doloroso ou traumático do que viver com meu tio. Com quatro anos, eu era uma criança inocente, órfã, morando com o tio para não ter de ficar na rua, convivendo com o frio, poluição e fome.

Tio Flário era um homem tão dócil e legal, assim como a mamãe - e eu. Porém, uma criança não estaria a par de que todos estes sentimentos eram tão... manipuladores. Ele me levava para o quarto dele, dava alguns comprimidos, que eu pensava não passar de doces. Caindo neste golpe, adormecia, e quando acordava, estava nua sobre sua cama, com dores no corpo, algumas pequenas hemorragias.

E a sessão de torturas indolores - pois estava dopada - sucederam anos. Por mais que eu recusasse os comprimidos, ele arranjava alguma maneira de ingerí-los. Fosse na dor, ou na humilhação.

Quando completei sete anos, ele havia se transformado de um homem que eu confiava, em mutação criada para me trazer o sofrimento eterno. Ele pedia para que eu ajudasse ele a limpar a casa, o que no começo parecia bem divertido, mas eu percebi que ele queria que eu fosse a empregada dele. Obviamente eu só tive essa lucidez alguns anos depois.

Com dez anos, já tinha passado muita infelicidade para uma vida inteira. Mas adquiri muita astúcia, inteligência. Negociei com ele o trabalho em dobro dentro de casa em troca da escola, já que eu não poderia crescer como ele, como um nada. E neste mesmo ano, descobri nas aulas, que além de me dopar, Flário evitava que eu engravidasse. Obviamente ele não queria mais dor de cabeça.

Porém, mesmo tendo ciência de que ele iria me fazer adormecer, meu corpo precisava daqueles remédios, eles se tornaram um vício, por isso nunca recusei. Eu relutei muito contra isso, e com quatorze anos descobri que ele estava com apetite afrodisíaco tão grande que mesmo sem anticoncepcionais ele me deu os remédios e, por volta de dois meses depois, descubro que estou grávida.

Sentia enjoos, fome constante e vários outros sintomas. Mas, inteligentemente armei um método aos doze anos. Sabendo que estávamos quase sem comida, colocava meu nome várias vezes na Colheita. É arriscado, mas eu nunca fui chamada e consegui saciar a fome.

Já não dando para esconder o bebê, a barriga cresceu e as meninas e meninos zombavam de mim. Mas eu não me importava, afinal, eu não tinha culpa e não queria dizer o que meu tio fazia.

Depois de cinco meses grávida, bolei um plano infalível. E foi quando eu parei de usar comprimidos, minha saúde já estava comprometida, meu corpo ligeiramente esquelético. Doenças já me afetavam.

Quando preparava o jantar, peguei todos os comprimidos que ele me dava, amassei com uma faca transformando-os em pó e joguei na comida dele. Ele reclamava do gosto estar estranho, porém não se passaram quinze minutos e ele dormia no sofá. Um sono profundo. Estava prestes de acabar com meu sofrimento.

Desde minha gravidez, ele me machucava mais, e a carne do meu antebraço já estava esfolada e em putrefação. Meu pulso com uma cicatriz horrível. Minha pele estava mesclada de machucados abertos, e pele sem restruturação.

Peguei uma faca na cozinha, examinando sua lâmina. Coloquei o dedo na ponta e percebi que estava muito afiada. Então, no momento em que ia matá-lo, resisti. Eu não teria o direito de tirar a vida de uma pessoa, estaria sendo tão perversa quanto ele e a Capital. A única coisa que pude fazer foi pegar a comida, não toda. O que eu pude, salpiquei com remédio.

Roupas minhas e deles, as de quando eu era pequena quando cheguei e uma coberta. Coloquei tudo em uma mochila e fugi. O mais longe que pude, seguido de várias sessões de vômito, relutância do corpo para não ingerir nada. Fiquei morando no lado oeste, longe das fábricas e perto de casebres mal cuidados.

Sem ir para a escola, ainda com fome e suja, fiquei um mês desta maneira. Escondia meus suprimentos em um lugar secreto, muito secreto. Enquanto trocava roupas minhas de quando era pequena, uma senhora que aparentava ter seus quarenta anos me ofereceu moradia.

Com o seu marido estando a par, e concordando, me ajudaram a levar as coisas para o casebre bem arquitetado de cimento e pedras lapidadas ao redor da fábrica. Henrique e Gabryella se tornaram meus novos pais, minha nova família. Eu nunca mais vi tanto meu pai, quanto Flário. Dizem por aí que ele morreu de overdose devido aos remédios. Eu apenas posso rir dessa situação.

E cá estou eu, dois anos depois, com minha filha e uma nova família. Hoje é dia da Colheita, meu nome está lá mais de trinta vezes, e eu não estou pronta para perder minha filha e muito menos para morrer.

Clevency Boyer

"Então eu caminho pela praça, onde o Edifício da Justiça é um prédio banhado a metal. Fontes estão postadas logo a sua frente, sendo iluminado por luzes que alteram de cor, e assim nossa água altera junto dela.

Não há mais Pacificadores, não precisamos mais disso. A produção de armas de fogo foi cessada, a tecnologia é movida a vapor e está em prol do desenvolvimento. Estamos em meio a operação "coleta", onde os moradores podem circular pelo distrito livremente, trabalhando, se entretendo, estudando por em torno de dezessete horas e as outras sete horas, vem uma equipe que tenta limpar o Distrito, deixando-o menos poluído.

Os casebres se tornaram casarões e nossa mão de obra está mais capacitada. Eu posso viver livre sem pressão dos meus pais. O mandato do presidente Snow foi cassado e não existem mais os Jogos Vorazes."

Realmente, agora está perfeito, penso. Ouço passos se aproximando, mudo de página rapidamente e fico colocando o lápis sobre a folha como se estivesse estudando.

– Clev? - é a voz de meu pai.

– Estou aqui! - respondo. Ele me encontra poucos instantes depois.

– O que está fazendo aqui? Não tem escola?

– Ah, é que eu estava estudando mesmo, hehe.

– Que orgulho de meu filho! Mas agora vá para a escola, se não nunca conseguirá se tornar dono desta fábrica!

– Ah, claro - forcei um sorriso, tentando ser convincente.

Eu não quero isso, não quero conviver com esta pressão. Meu sonho é ser escritor, o que é muito ruim neste país. Principalmente se você é do Distrito 3, a única forma de ser alguém importante é viver na Capital ou vencer os Jogos Vorazes.

Jogos Vorazes... o mundo seria melhor sem ele. Matar pessoas por diversão de pessoas loucas, ugh, é horrível. Quem sempre vence são os carreiristas, é um fato. E eu ainda tenho quinze anos, as chances de eu ir não são poucas.

Na escola, pouco presto atenção. É o mesmo papo de sempre sobre a Colheita, sobre o tratado de traição. Prefiro ficar escrevendo.

Eu tenho o que muitas pessoas têm

Mas somos um país em opressão

Aonde está a esperança, povo de Panem?

Somos jogados numa arena, tratados sem perdão

O que fizemos de errado

Quando rebelamos contra vocês?

Apesar de derrotados

Ainda chegará a sua vez

Você reprime a quem tenta

Pune de maneira irracional

Te jogaremos numa arena

Espere por nós, Capital.

– Podem ir agora, crianças - diz a professora.

Enfim, agora posso ir para casa. Arranco o papel com a poesia, dobro e guardo dentro da bota. Lembro-me que tenho tiro com arco e flecha. É meio desnecessário, ao meu ponto de vista, mas é uma homenagem ao meu tio Milo que morreu nos Jogos com quatorze anos, em um chaparral que incendiou e carbonizou ele.

Só de pensar me dá arrepios. Disk Proudmoore, é minha amiga, e um oposto de mim. El é loira, olhos âmbar, pele branca. Eu tenho o cabelo castanho e volumoso, olhos azuis, pele clara e límpida. Dentes brancos e alinhados, lábios finos e rosados.

– Demorou, hein. Estava estudando plantas? - ela ri de deboche.

– Quando você for selecionada para os Jogos será necessário - digo.

– É claro, plantas vão matar vinte e três pessoas.

Odeio que me contrariem. E esse papo dos Jogos lembra meu tio. Começo a sentir melancolia, não sei manejar o arco e erro o lado de onde a aljava está.

Disk percebe.

– Ei, vamos, faça direito isso, amanhã é a Colheita - ela diz.

– Eu sei por isso... eu vou para casa.

– Ei, espere...! - e eu a deixo falando sozinha.

Em casa, lavo todo meu corpo, até ficar perfeitamente limpo. Demoro um pouc para pentear os cabelos e fico no meu quarto. Um lápis, papel e minha criatividade que não vem.

Desço no patamar mais baixo da casa, o porão. Lá, tem adagas antigas. Eu fico treinando pontaria. É uma espuma em forma de losango preso na parede mal iluminada. Ela é aderente e um ótimo material que penetra e não danifica tanto.

Depois de treinar pontaria planejo armadilhas, sem testá-las, uma vez que o risco é enorme. Mas eu sei que elas funcionariam. Borracha seria uma boa opção para se salvar.

Ouço passos descendo as escadas, jogo os materiais sob um pano e finjo estar procurando algo.

– Clevence, o que é isso? - pergunta meu pai com um livro na mão. Minha mãe está a seu lado.

– Iss-isso não é meu.

– É claro que é, está no seu quarto e é... Magnífico! - ele diz.

– Sério? - pergunto, incrédulo.

– É, você tem talento... só não é viável escrever sobre a Capital.

– Se amanhã ocorrer tudo bem... poderíamos lhe dar uma chance.

Oh, não! Amanhã é dia da Colheita. Espero que a sorte esteja a meu favor, é uma chance imperdível.

Dia da Colheita

Fanhist, a representante sai do Edifício da Justiça. Vários jovens estão divididos, com o coração na mão, torcendo para não serem escolhidos.

O filme da Capital começa, a mesma história da traição, sobre os Jogos. O prefeito, Beetee, o mentor estão posicionados, esperando os jovens escolhidos. A Capital filma a agonia no rosto de todos.

– Primeiro as damas - Fanhist anuncia.

Ela vai até a bola de vidro e enfia a mão. Todos param de respirar. Ela puxa o nome, rompe o lacre e diz o nome da pessoa de pouca sorte.

– Crystal Gottarge!

Como se não bastasse o sofrimento que passou em sua vida, ela tem de ir aos Jogos, abandonando sua filha. Conviver com os seus maiores temores. Ninguém se voluntaria e ela está chorando.

– Não precisa chorar, queridinha. Eu aposto os meus botões que você vai longe! - diz Fanhist. - Mas agora, os homens.

A mesma cerimônia, todos em desespero, se afogando em agonia e medo. O lacre é rompido:

– Clevence Boyer!

Mais um pessoa de má sorte. Acabara de perder a chance de realizar o sonho apoiado pelos pais. Ele está perplexo, mas se dirige ao palco, a pele mais branca do que cal.

– E este são os jovens corajosos que representarão o Distrito Três! Bom Jogos Vorazes, que a sorte esteja sempre ao seu favor - e então, os Pacificadores o levam sob custódia para o interior do Edifício, para as despedidas.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, são histórias distintas e interessantes. Gente, estou precisando de mais fichas, ajudem ai, por favor! Já, já acabam os capítulos da Colheita! Ou se não, infelizmente terei de diminuir a quantia de vagas.