Não sabia o que sentia neste momento. Acabara de ser sorteado para os Jogos Vorazes, onde todo meu tormento poderia ser acabado. Com a morte. E pode ter certeza que morte não é um medo tão grande para mim do que ser... abusado, novamente.

Isso é um caso muito sensível entre meu irmão e eu. Não gosto de contar sobre esta história, prefiro manter sigilo, embora muitos já saibam disso. Dylan tinha um comportamento muito esquisito para mim, e por sorte, deduzi que ele tinha pretensões malévolas comigo. E foi na floresta do Distrito 5, meu lar. Lar que eu não verei novamente. Talvez haja certa chance de eu retornar, uma mísera chance que eu tampouco acredito.

Rever Iorek, é um grande sonho. Desde o dia em que tive minha decisão mais do que certa, aos meus olhos, não nos vemos. Tivemos um caso de curto prazo. Decidi que gostava do meu irmão, por mais que parecesse um absurdo, era o que eu sentia e nada poderia mudar. Eu posso considerar o fim de tudo agora, já que eu não recebi sua visita no último dia. Não irei detalhar, não é preciso... agora.

Eu era curandeiro lá em casa, cargo de minha vó. Meus pais foram pegos pelo prefeito em tentativa de fuga. Como forma de punição, morte em praça pública. E eu tive de assistir, amargurar um momento terrível. Porém a vida com minha vó não foi ruim, pelo contrário, ela era um exemplo para mim.

Mas agora tudo isso não passam de lembranças do passado-recente. O trem anda a mais de 400 quilômetros, um trem típico do Distrito 6 para a Capital. Passamos de forma tão veloz pelos Distritos, que eu nem sei aonde estamos.

Puxei da minha gaveta uma malha quente da cor vinho, com um moletom preto. As roupas não eram luxuosas, mas confortáveis e sem dúvidas belas. Melhores do que as de casa.

No vagão-bar, Lara come aperitivos com Blanca. Eu interrompo a conversa, ainda com olheiras da insônia. Pigarreio, e elas olham para mim.

– Boa tarde. - Diz Blanca.

– Boa... - digo, sem vontade de nada.

– Sente aí, estamos falando de nossos planos, virtudes e tudo mais. - Diz Lara.

– E aí, quais suas vantagens? - pergunta a mentora.

– Hum... armadilhas, ervas... só. - Digo.

Elas me olham, sem tentar soltar algo mal educado.

– Que é? Eu não quero matar ninguém, e você parece feliz demais para quem acabou de ser voluntária. - Comentei, irritadiço.

– Garoto, se você quer sobreviver isso, é melhor que pare de agir feito um chorão. Patrocinadores se conseguem sendo sorridente, e você está se saindo mal no quesito "sorriso". Quem sabe você consiga passar da Cornucópia. - Ela diz em tom grosso. Volta a sorrir logo depois.

– Ah, quer saber, eu vou... eu vou voltar pro meu vagão - dei de ombros, tentando amenizar o medo. A porta é aberta e Deko aparece.

– Nada disso, na disso - ele diz. - Já chegamos na Capital.

Lara correu para a janela, enquanto eu fiquei sentado. Pessoalmente, seu rosto me lembra um animal silvestre. Nada comparado com as pessoas que dava para enxergar da janela.

– Tsk, tsk, tsk. - Lamentou Blanca. - Só uma pessoa sobreviveu desta forma, e foi com sorte... Haymitch Abernathy., Distrito Doze. Boa sorte.

Talvez ela tenha razão. Ajeitei meu cabelo para o lado, empurrei de leve Lara com o ombro, que parecia que estava com os olhos cuspindo fogo. Mas não demonstrava isso. Poucos me queriam até agora, ela estava brilhando mais.

E neste momento eu sentia a pequena porcentagem se esvair aos poucos... mas isso não significa que Lara também não terá sua porcentagem esmagada.