O Portal dos Mundos escrita por Thiago Luis RPinho


Capítulo 2
Primeiro Capítulo - Conhecendo os Mundos.




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Estou ligando para dizer que estou bem, não se preocupem. Minhas notas andam boas e estou longe de problemas. Como está a vovó? Espero que ela fique bem logo. Agora preciso ir, tá? Beijos.

Desligou o telefone o pondo no gancho. Era um daqueles aparelhos antigos com os números em um disco. Fora um presente de sua família.
Na entrada do cômodo, segurando a porta entreaberta estava seu colega de quarto. Ele falou apressado:
Eram seus pais de novo? Cara, você já é de maior. Você é o único marmanjo que os pais ligam todos os dias. Eles deveriam saber que você sabe se virar.


Seu amigo o havia conhecido há algumas semanas. Era inteligente e dedicado, mas levava pouco jeito com as garotas. Começaram a se falar durante um treino prático. Ele havia ficado fascinado com o poder de controlar a matéria. Dizia que era um dos mais fantásticos que já havia visto. Passado isso, começaram a se falar mais. Descobriram ter muito em comum.
No dia da nomeação, o amigo escolhera ser chamado de físico. Tanto por seus poderes combinarem com os conteúdos cobrados no colegial dessa mesma matéria quanto por ser muito bom nelas.

Já ele próprio decidira por ser chamado de químico. Não porque ele realmente se destacasse no conteúdo, mas por combinar.
O físico e ele se tornaram uma dupla. Mudaram-se para os mesmos quartos e juntos trabalham em seu projeto de conclusão de curso. Fazem suas pesquisas em uma parte separada dos laboratórios da F.E.M.T.(Fundação Extraplanar de Magia e Tecnologia).
Relaxa, Zico. — Disse o químico se erguendo da cadeira em que estava. Uma única peça de madeira posta ao lado de uma mesinha de compensado. Em cima dessa estava o telefone. — Eles só são preocupados. Acham que eu me meto em confusões, pode acreditar? — O sorriso do rapaz era encantador e ele sabia disso.
De boa, Nico, se apresse que vamos sair em uma missão de exploração. Será em um plano não documentado com possíveis espécimes hostis. Estima-se que alguns sejam de classe nove. — Físico deixou a sala, tinha nas costas uma mochila especial em que guardava o material de sobrevivência.
O primeiro estudante passou os olhos sobre o telefone ao seu lado. Era maçante olhar para aquele objeto, mas, ainda assim, ele ligava todas as manhãs. Passando-se alguns segundos, foi se arrumar.
Seu traje de viagem não era mais o pesado e incômodo uniforme com placas de blindagem, material antichamas e até proteção contra energias hostis. Ele odiava aquilo. Preferia usar seu jaleco comum, uma camisa colorida por baixo e calças jeans. O que mais um homem poderia querer em um território hostil, ele se perguntava enquanto se vestia.


Naquela época, naqueles doces dias, ele não fazia ideia do que era. Do que iria ser. Ele sabia que queria ser grande, mas não sabia como. Eu sei, pois eu estava lá. Dentro dele. Naquele tempo, eu não era eu. Eu era ele.

E ele achava que era normal. Que era normal sorrir quando não sentia nada. Que era normal não sentir nada.

Pôs seu relógio de pulso, era um modelo caro, feito na própria fundação. Lá não havia marcas, apenas o nome do construtor. O relógio mantinha o horário independente de que dimensão entrassem. O artesão era outro aluno, mas não vinha ao caso. Calçou seus tênis vermelhos com amortecedores. Cogitou que talvez ele devesse procurar algo mais maduro. Como sempre, deixou para fazer isso outra hora.
Passou um desodorante, perfume, creme para as mãos e rosto. Por fim, estava pondo seus óculos quando o físico voltou. O amigo estava trajando o uniforme de segurança e mais uma vez o fitou com reprovação.
Nico, essa porra de novo? Não tínhamos conversado que dessa vez você vestiria as roupas corretas? É para sua segurança, mano. Se entrarmos em um plano com ataques venenosos? Ein?
Venenos são fáceis de serem inibidos, Zico. Esqueceu com quem está falando?
E se eles tiverem armas de radiação ou energia? Você pode manipular energia? Você não pode, esse é o seu ponto fraco. Puta que o pariu. Se o instrutor vir que está sem o uniforme mais uma vez, vamos ambos reprovar na matéria dele. Quer ficar quantos anos nesse lugar?
Eu converso com o Caio, ele não vai se irritar. Vou dizer que é só minha culpa e você não tem nada com isso. Certo?
Não sei não, to me fodendo para passar na matéria dele.
Vamos, só dessa vez.


O químico sorria para seu amigo. Depois de um instante de silêncio, Zico aceitou com um gesto de cabeça, meio descrente de que aquilo fosse dar certo. Nico sorriu e foi na frente rumo à central de magia e tecnologia.

Do lado de fora, o corredor estava vazio. O antigo prédio de ciências, onde eles estavam, era dado a alguns alunos que desejavam trabalhar em projetos perigosos. Toda a estrutura, mesmo parecendo um simples prédio modernista da década de 60, era recoberta por selos de proteção. Não que os dois alunos já não tivessem desativado os que cercavam o laboratório deles, pois estava interferindo nos aparelhos.

Passado pelas escadas, Nico aproveitou para fazer um pedido:
Velho, to precisando de um favor seu.
Da última vez que você precisou de algo assim, reprovamos em Cálculo de Variáveis em Combate II. E na vez anterior, zeramos as provas de História das Regras na Mitologia. O que merda 'cê quer?
Mano, você sabe que eu sou seu amigo. Isso aqui vai ser simples. É que eu to trabalhando em um projeto meio que por fora e preciso só pegar uma coisa. Quase nada.

Físico parou bruscamente e junto dele o químico. Estava com uma expressão séria, olhou ao redor para ver se vinha mais alguém pelos corredores.
Você quer trazer algo de outro plano para cá sem o instrutor saber? Porra, Nico!
— Fica de boa, é pequeno e inerte, pode ter certeza. O Caio nem vai notar. Ele é tranquilo.

Dizendo isso, ele voltou a andar e o outro foi junto. Zico refletiu um pouco e falou:
Mas é pequeno mesmo?
É tranquilo. Só preciso que me cubra quando eu me afastar.
O que é mais ou menos? Uma pedra? Um tipo de tecido?
Só uma pequena amostra de um nativo.


O físico parou novamente.
Como assim a porra de uma amostra, Nico? Sabe o que isso pode gerar para a gente?
Eu disse amostra? Eu quis dizer em amostra. É uma pedra que uns relatórios indicaram ser nativa de lá. Está em amostra, sabe?

Você é muito cara de pau. Quer mesmo que eu acredite nessa merda?
Que merda o quê? To te falando, é um pedaço de rocha sensível a energia.


O químico pôs as mãos no ombro do amigo e o fitou nos olhos.
Relaxa, é só uma pedrinha, tudo bem?

O amigo respirou fundo.
Tá bom, Nico. Eu te cubro, mas, se você for descoberto, vou dizer que não sabia de nada.

Fechado, você é mesmo meu brother.—


Nico deu um soquinho no ombro dele. Zico disfarçou o sorisso. Às vezes ele se sentia um idiota por cair na lábia do colega de quarto, mas sempre era tão fácil acreditar no que seu amigo falava. Comumente, ele tinha certeza de uma coisa até ouvir um ou dois comentários de seu parceiro e então tudo mudava. O químico tinha esse encanto nas pessoas.
Ele começou a andar e Nico foi junto.


A caminhada foi em silêncio por mais algumas curvas dentro do prédio do antigo laboratório. Até que voltaram a conversar, falaram sobre o projeto de conclusão que estavam bolando juntos. Era um abridor de fendas no tecido do espaço-tempo. Se tudo desse certo e eles não criassem um buraco negro que engoliria tudo em seu caminho até, pelo menos, Proxima Centauri, seria um dos mais fantásticos trabalhos de conclusão.

A fundação já tinha um desses funcionando, mas era todo movido a componentes mágicos. Magia era instável ao ver do físico. Na FEMT, eles aprendiam como entender e interagir com as energias do mundo. Aprenderam que a magia nada mais é do que uma manifestação de ondas eletromagnéticas não existentes em muitas dimensões. Em outras palavras, é uma ciência a ser estudada e tem suas regras e propósitos.

Mesmo um poderoso mago ou qualquer coisa que fosse ser comparada a um super-herói de quadrinhos poderia ter sua magia e seus poderes explicados na fórmula correta. Poderia ter medido seu grau de periculosidade e, o ponto que mais interessava, suas regras.
Um exemplo simples seria a lenda do lobisomem. Uma doença causada por um vírus com propriedades mágicas, alterando as características físicas do hospedeiro de formas impossíveis à tecnologia atual. Para poder se combater e controlar essa doença, é necessário entender seu funcionamento e regras. As regras, conteúdo de três semestres para os alunos da fundação, podem ser resumidas precariamente da seguinte forma: É como a energia associada determina sua interação com o mundo.

No caso do lobisomem, suas regras ditam que seja uma criatura com força e agilidade acima do que sua musculatura realmente oferece. Também forçam o hospedeiro a agir, pensar e parecer com um híbrido humanoide de homem e lobo. A mais marcante regra é a extrema resistência a ferimentos causados por qualquer coisa que não seja prata. Em todos os casos citados, a energia do hospedeiro é usada de forma a manter as regras em cumprimento. Assim sendo, há duas formas básicas de vencer um lobisomem: Com prata ou gastando toda sua energia pelo cansaço. O segundo reverteria sua transformação e faria com que o vírus voltasse para um estágio de incubação. O primeiro é seu ponto fraco, algo inerente na maioria das manifestações mágicas.

Por que eu estou explicando isso? Porque é assim que tudo nessa história funciona. De uma forma ou de outra.

Quando chegavam ao salão principal, uma voz aguda ecoou.
Niiiico!

O químico sorriu ao ver quem o chamava, mas, na verdade, ele estava evitando aquela garota há dois ou três dias. A caloura correu para abraçá-lo enquanto Nico achava que ela tinha um sentimento muito forte para dizer que ele retribuía. Ele tinha esse problema: Dormia com quem podia e nem sempre sabia o porquê. Essa garota em especial estava se mostrando loucamente apaixonada. Ela não tinha nem passado pela nomeação e ainda carregava seu nome de batismo, do mundo fora da fundação. Era uma francesa que dizia ser capaz de usar o poder das cores, algo que Nico nunca prestara atenção por não parecer algo útil. Ele respondeu com seu jeito carismático.
Denise, que surpresa, estávamos falando de você agora há pouco. Não é mesmo, Zico?

Nico pisou no pé do colega para que esse se lembrasse da conversa que nunca tiveram.
Foi! É mesmo, a Denise, não é? Sim, sim. Muito legal saber de vocês.

Ela sorriu fitando o químico com um olhar tão fascinado que o incomodava.

É mesmo, Nico? Já está contando que vamos oficializar nosso namoro?

Nico engoliu seco enquanto seu amigo se controlava para não rir. Um conhecia o outro o suficiente para saber que aquilo estava um pouco precipitado.
Er… Sobre isso.


O químico começou a falar, pegou as mãos da caloura e as segurou ternamente. Sua voz foi melodiosa, quase um encanto.
Dê, você sabe que o que tivemos foi bom, foi mágico. Acontece que... Eu não estou pronto. Não sei se poderei ser bom o suficiente para você. — Ele fez uma curta pausa. Denise pretendia responder tentando acalmá-lo, porém ele a interrompeu levando as mãos dela para próximo de seu peito. — Eu estou confuso sobre o que sinto, são tantas coisas, tão fortes. Preciso de um tempo para colocar minha cabeça no lugar. Saber se sigo o meu coração, para saber onde ele está, entende? Não quero te arrastar para esse turbilhão.

Zico podia jurar que viu uma lágrima cair pelo canto do olho de seu amigo. Mas esse soltou as mãos da garota e cobriu o próprio rosto como se não quisesse que ela o visse sofrendo.
Mas Nico, eu sei. Eu posso ajudá-lo. Eu... A gente... É que eu já contei para os meus pais. Sabe… Sobre… Você tirou minha…— Ela ficou meio nervosa pela presença do Físico. Passou os olhos por ele e depois voltou para Nico. — Você sabe. Eles querem te conhecer. — A garota começava a chorar também. Zico se afastou por educação. Esse tipo de situação estava ficando mais corriqueira do que ele gostaria.
De longe ele viu seu amigo abraçá-la, enxugar suas lágrimas e olhá-la nos olhos daquela forma que ele sempre fazia quando queria convencer. O físico não ficou por perto, foi para o lado de fora do prédio esperar. Ele ria, mas, no fundo, tinha pena das pessoas que gostavam de Nico.

Lá fora ele esperou por mais vinte ou trinta minutos. Talvez quarenta. Estava de olho em seu relógio de bolso, um clássico que ele gostava de portar. Por sorte, ele sempre saia adiantado para qualquer atividade. Ele apressava o colega de quarto para nunca chegar atrasado, gostava de pontualidade. A aula começava às 8:30 e saíram as 7:20.
Quando finalmente Nico apareceu, estava com as roupas amassadas, todo desarrumado. Aproximou-se do físico, ele podia sentir o cheiro do perfume de Denise.
— Ela chorou muito e precisei mostrá-la nosso laboratório, onde ela sempre poderia nos encontrar. Estava mostrando nossos estudos, ela ficou curiosa para saber sobre como estávamos contendo a energia com os campos magnéticos. —

Ficaram em silêncio por um instante. Zico não parecia convencido. Então o químico continuou:
— O que? É sério, eu estava confortando ela. Queria que eu deixasse a pobrezinha desamparada? Largada no corredor aos prantos? Fica me olhando como se eu tivesse me aproveitado dela. Nossa, cara.
Nico, sua camisa está do avesso.

Era verdade, só agora ele percebia. Realmente havia vestido ao contrário nas pressas. Talvez ele devesse ter dado um ponto final na relação e parar de dar esperanças a garota. Mas não, era melhor deixar para fazer isso outra hora. Por enquanto ela ainda era mais gostosa do que irritante.

O físico foi na frente, enquanto Nico caminhava logo atrás repondo a camisa do lado certo.

As ruas da fundação não eram muito movimentadas naquela hora da manhã. O lugar todo era uma cidade de pequeno porte escavada no subterrâneo. Ao olhar para o céu, Nico achava curioso como era parecido com o céu do mundo exterior. Uma mentira doce e agradável. O pequeno sol que brilhava lá em cima era um globo de luz que emitia calor suficiente apenas para manter o clima temperado.

Estavam em algum lugar da Antártida, enterrados há dezenas de metros abaixo de geleiras e permafrost. O lugar era uma combinação curiosa do que seria o mundo se pudesse usufruir de magia sem abandonar o que os novos avanços tecnológicos podiam oferecer. De vez em quando, eles davam alguma tecnologia já defasada para uma grande potência mundial em troca de gordos patrocínios. A internet já estava antiquada naquele lugar.

Passaram pelo setor comercial e depois pelo setor de restaurantes. Zico comentou que depois da missão eles poderiam comer em um restaurante de comida mexicana. O químico concordou sem prestar tanta atenção. Começava a pensar na amostra que pegaria.

Precisava de tecido vivo, de preferência espécimes, para analisar alguns fatores peculiares. Em especial, tinha uma anomalia que o interessava. Era notável como indivíduos com alto nível de energia tinham seu envelhecimento retardado. É claro que havia exceções, mas no geral era uma constante. Como não podia dissecar nenhuma pessoa da fundação, talvez pudesse levar alguma coisa de outro plano, um inimigo que teve de ser forçosamente neutralizado e, para não se desperdiçar o material, o químico foi obrigado a levar o corpo.

Não seria muito. Provavelmente nem precisaria levar o corpo inteiro. Mataria apenas por precaução. Sim, precaução nunca é demais.

Chegaram à central de magia e tecnologia. Onde os combates de treino aconteciam e o portal entre planos funcionava. Uma geringonça na opinião do físico. Um artefato muito útil na do químico. A verdade sobre a relação dos dois era que Nico gostava da inteligência de seu colega. Ele era muito rápido para aprender e não poucas vezes demonstrava maior conhecimento do que ele. Também adorava sua ingenuidade e facilidade de ser manipulado, além de que ele era bonito.

O lugar parecia uma mistura de panteão romano com um coliseu subterrâneo. Existia a parte exposta: Um edifício circular com uma grande abertura no meio do domo. No nível abaixo, a estrutura é escavada mais fundo e possuía vários andares. Nesses andares, arenas e simuladores são personalizadas com magia a fim de criar os mais variados ambientes e situações.

Lá estava o resto da turma: Pugilista Flamejante, a Mira-certa e o Cabum. Nico certa vez se questionara se era saudável deixar os alunos escolherem seus títulos, mas ele se chamava de “o químico” então não expressava essa opinião em voz alta. Sorriu para todos e disse enquanto se aproximava:
Eae, pessoal. O que rola? — Ele deu um toque rápido de mãos com cabum que o cumprimentou pela festa da última quinta. Depois de um soquinho na mão do Pugilista e encenou como se tivesse se queimado. — Flamo, sempre em forma, ein? — Ignorou a terceira colega e continuou a conversar com Cabum; Riam se perguntando quem havia congelado a privada do ginásio e deram gargalhadas ao lembrar de um calouro que tentou sentar nela distraidamente.

Ele podia ver com o canto do olho a reação da colega de turma. Eles haviam dado uns amassos algumas vezes, mas ela começou a persegui-lo nas festas que ele ia e a perguntar sobre as garotas que ele andava. Acabou que ela terminou tudo. Disse que nunca mais queria vê-lo e usou metade de um dicionário de marinheiro escrito somente de palavrões para esclarecer o que ele era ou a mãe dele em alguns casos.

Mira-certa o fitava tentando disfarçar. Uma mistura de ciúmes e raivas amorosas. Ele sabia que para feri-la era somente ficar parado ali, sem vê-la. Não que aquilo o importasse, mas uma hora ou outra, ela cederia e voltaria atrás. Ele sabia disso e estaria pronto para aceitar suas desculpas.

Uma voz firme interrompeu a animosa conversa.
Suas armas estão afiadas e sua armadura bem presa?
Aquela voz carregada do sotaque de uma língua morta era de um dos mentores da fundação: Caius Adeodatus II, o panteão vivo, a legião una, a cria do tártaro ou, como Nico gostava de se referir a ele, “Caio”. Um indivíduo que aparentava estar no auge dos seus trinta, com uma barba farta e um corpo forte.. Ele os guiaria pelo território desconhecido e garantiria que todos voltassem. Não necessariamente vivos para o pesar de muitos.
Sua vestimenta ainda era ao estilo romano, gostava de usar aquela relíquia quando ia para situações de perigo. Ele fitou Nico por um instante, o único dos alunos que não estava com o uniforme de proteção.

Já havia deixado ele ir assim duas ou três vezes. Sua lógica era mais simples para Nico do que boa parte da fundação: “A roupa é para protegê-lo. Se ele conseguir viver sem ela, então não há necessidade da vestimenta.”

É claro que não era só aquilo. Nico sabia que os olhos do guerreiro o fitavam por demasiado quando achava que ele não estava atento. O químico não achava ruim, era uma pena o soldado ser tão leal a todas as regras. Inclusive aquelas que restringiam relações entre mentores e alunos.

— Entraremos dessa vez em um mundo perigoso. No relatório que foi passado a vocês, os batedores relataram um plano com seres extremamente poderosos. Não posso assegurar que todos vão voltar, mas acho que já estão bem cientes disso. Essa sala começou com trinta e aqui não aceitamos deserções. É necessário que todos sigam o planejamento de batalha posto na página seis do relatório. Nenhum de vocês deve chamar atenção ou combater. Só faremos uma varredura pelo território. Vocês devem analisar o mundo, encontrar um indivíduo com moderada assinatura energética e informar como funciona sua regra. Após seis horas no relógio especial de seus uniformes, vocês deverão retornar para a fenda. Caso falte alguém, ou todos, seis horas e vinte minutos depois do começo dessa missão, retornarei e fecharei o portal. Alguma dúvida, homens? Então sincronizem seus relógios e que Ares os abençoe. —

Dito isso, o romano caminhou até o centro do espaço aberto e seus alunos o seguiram. Seus relógios já estavam arrumados.

Vários estagiários e funcionários, alguns deles com roupas romanas e outros com as mais exóticas vestimentas, se organizavam próximos as paredes do edifício. Eles moviam símbolos brilhantes pelas paredes, algo que Zico estava trabalhando nos últimos dois meses, era um ajustador de coordenadas. Em vez de usar 3 dimensões, ele usava 10 e o tempo. Enquanto isso, alguns deles traziam grandes pedras brilhantes para outros que voavam e encaixavam os cristais em espaços vazios espalhados sistematicamente pelo domo. Era um estabilizador de espaço-tempo. Feito os preparos necessários e com todos sob a luz da abertura no teto, o chão começou a brilhar.

Linhas de energia brilhante se enraizavam vindas dos enormes reatores de energia posicionados sob a estrutura. Passavam pelos mosaicos no chão, seguindo formas e iniciando o poderoso encantamento. As luzes começaram a riscar as paredes. Os contornos das esculturas em baixo-relevo se acendiam enquanto os magos nas paredes guiavam a energia com os símbolos reajustados. As linhas subiram até finalmente margear os espaços no teto e brilhar intensamento ao preencher um cristal lá posicionado.

Iam rumo ao oculus, a abertura principal. Ao se aproximar dele, os padrões riscados nessa cúpula se dividiam em várias espirais que culminavam todas no centro. Como se fosse um fluido incandescente, a carga energética preenchiam os veios. No exato instante em que as espirais de luz tocaram na claraboia tudo foi preenchido por uma luz branca. Nico só teve tempo de pensar: “Lá vamos nós.” Não estavam mais naquele lugar. Não estavam em lugar nenhum daquela realidade.


Seus olhos ainda estavam ofuscados pelo clarão. Sentia-se empurrado em milhares de direções diferentes. Mais do que isso, sentia tudo ao seu redor se mover, arrastar a uma velocidade incompreensível. Até que, de súbito, as coisas se acalmaram. Estava em um outro lugar.

Com seus olhos se recuperando, sentiu o odor ao seu redor. Era um cheiro fétido, familiar ao mesmo tempo que completamente alienígena. Esfregou seus olhos na esperança de que melhorassem mais rápido e, quando tirou as mãos, reconheceu uma feição humana. Uma mulher estava ajoelhada próxima a um vaso sanitário e o fitava terrivelmente assustada. Pela cara dela e pela experiência do rapaz, ele não havia aguentado o tanto que bebera e agora estava pondo tudo para fora. Nico estava no banheiro feminino de algum lugar não muito respeitável. Álcool, mulheres de moral duvidosa e seis horas livres, ele podia viver com aquilo.
Havia sido mandado para um lugar diferente dos demais estudantes, pois tinha em seu bolso um equipamento de sua criação. Em segredo, usara o que aprendeu com a interferência gerada pelos encantamentos de contenção em seu prédio. Eles interfeririam no seu projeto, principalmente na parte de análise e ajuste de coordenadas. Estudando aquilo por alguns dias, pode recriar um selo parecido com a função específica de afastá-lo do portal principal que seria gerado. Fora um primeiro teste bem-sucedido e melhor do que suas expectativas de se chocar contra uma estrela em velocidade cósmica.

Seu primeiro passo foi um tanto desajeitado. Seu corpo ainda estava formigando pelo processo. A mulher próxima a ele estava começando a fazer uma cara de que ia gritar quando seu estômago a colocou de volta onde estava: vomitando no vaso. O químico ignorou aquilo e andou até a porta. Até então aquele mundo era muito normal.

Do lado de fora, apenas um ou dois notaram que ele saíra do banheiro errado. Sorriu para algumas garotas que passaram e elas sorriram de volta. O visual dele ajudara, não era o mesmo que a maioria vestia, mas ao menos não era uma roupa de “super-soldado exterminador”. Como alguém pretendia pegar alguém com aquilo era uma dúvida jamais pensada por quem projetou a vestimenta.

Foi até o balcão, flertou com alguns dos clientes, mas nenhum deles pareceu interessado no cara de jaleco. Nico não os culpava. Pediu um martíni e bebeu distraído procurando alguém interessante.

Então ele viu um rapaz atraente. Lembrava-lhe um asiático.O químico se aproximou sorrindo. Fez um gesto com as mãos e gritou para ser ouvido em meio ao som alto.
Eae, gato, você dança?




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Notas finais do capítulo

Esse não é o fim do capítulo.
Há um confronto que se segue. caso queira saber mais, deixe um comentário pedindo.



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