Dura realidade escrita por Carol Bandeira


Capítulo 8
Seu eterno apaixonado


Notas iniciais do capítulo

Só posso dizer que...
ACABOU



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Era incrível a quantidade de pessoas que um homem tão recluso conseguia se relacionar em sua vida. Mais incrível ainda era o apreço que todas essas pessoas sentiam por Gil Grissom. Enquanto entrava na Igreja, Bryan pode ver muitas caras conhecidas, apesar de diferentes do que ela se lembrava. Colegas de trabalho de Berkley. Havia também pesquisadores, editores de livros e... CSIs. Este último grupo foi o que atraiu a mulher a seu lado. Puxando-o pelas mãos, Sara o conduziu até o grupo, e o primeiro a perceber a aproximação do casal foi Greg Sanders.

–Sara!- o mais jovem CSI, agora nem tão jovem e um tanto sério para o gosto de Sara, a abraçou com força, e ela teve que se segurar para não desabar ali, na presença de seus velhos amigos.

O próximo a se manifestar foi Nick Stokes, agora de cabelos grisalhos e uma barba bem aparada. O amigo a abraçou com força e deu um beijo em sua bochecha. Em seguida foi a vez de Warrick, com mais um abraço. Só restou Catherine Willows. As duas mulheres nunca tiveram um ótimo relacionamento. Enquanto Sara trabalhava em Vegas eram corteses uma com a outra, mas não passava disso. Quando Sara saiu e Catherine ficou sabendo da situação, como melhor amiga de Grissom ela tomou as dores do amigo. Embora não condenasse a jovem por querer refazer a vida longe de alguém que a machucara, Catherine não perdoou os anos em que Grissom foi obrigado a ficar longe do filho. Por isso, o abraço trocado foi o mais breve entre os quatro.

–Quem mais vai vir de Vegas?

–Super David não pode deixar o necrotério assim em cima da hora. Conrad manda lembranças- respondeu Warrick, o novo supervisor do noturno.

–Então, onde está Gabriel?

–Ele veio direto do aeroporto. Ainda não o vi.

–-xx--

Gabriel fizera uma boa vida em Londres, trabalhando como jornalista em uma das grandes publicações locais. Diversas vezes Gil arranjara um jeito para palestrar nas universidades de lá só para poder visitar o filho. O jovem Grissom estava ancorado na parede da capela, olhando o lugar em que seu pai descansava. Gabriel custava a acreditar que era seu pai deitado ali, tão sereno, tão imóvel. Gilbert Grissom não era assim, era um homem que estava sempre fervilhando com ideias, montando experiências e indo em expedições. Gabriel se lembrou de ficar preocupado com o pai quando foi estudar no exterior. Sabia que ele não tinha ninguém, desde que sua avó morrera- que Deus a tenha. Por mais que tentasse, por toda sua breve vida, em alegrar o pai, o jovem entendia que havia alguns lugares no coração de seu velho que ele não poderia tocar. Somente uma única pessoa poderia, mas ela não estava mais disposta a tê-lo desse jeito em sua vida.

Quando ouviu a voz de sua mãe ele saiu da capela e foi procura-la no corredor. A encontrou cercada de antigos amigos, de uma vida de seus pais que não conhecia. Nas mãos envelhecidas da mãe, uma carta que parecia já ter visto melhores dias.

–Mãe!

Quando Sara ouviu o chamado e olhos para o filho, não mais se aguentou.

–Ah, meu menino!- correndo para os braços de Gabriel, o filho-agora um homem feito- segurou-lhe fortemente, e os dois deixaram o pesar escorrer- Sinto tanto, Biel, ele ... ele nos deixou.

Gabriel estava com a voz embargada demais para falar. Sempre achou que o pai estaria ali para ver seu primeiro neto nascer. Nunca pensou muito no fato do pai ser bem mais velho que sua mãe. Isso nunca atrapalhou em nada Gil Grissom a ser o melhor pai do mundo, pois conforme a idade pesava sobre ele, criava mais formas de se envolver na vida do filho. Somente a partir daquela ligação desoladora que Gabriel compreendia o peso que os 85 anos do pai faziam.

Sara sempre se considerara uma mulher forte. Primeiro com sua vida familiar, depois com os anos de abandono no orfanato... sua breve estada na faculdade deve ter sido os melhores anos de sua juventude. Quando ela conheceu Gilbert Grissom... bem foi a única vez que ela se sentiu frágil, como se estar entre os braços dele fosse a única coisa que a sustentaria. Mas mesmo assim ela seguiu em frente. Sua força a serviu bem para aturar os anos de incerteza que ela teve ao lado dele. Ele se deixou levar por um único momento, que mais tarde Sara pode entender que era o único que bastaria. Nada mais. Ele deu a ela um filho, a sua cara, e mais nada. E Sara teve que ser forte de novo.

Subitamente, uma onda de raiva tomou o seu corpo, e ela teve vontade de ir até o leito onde descansava Gilbert Grissom e sacudi-lo, bater nele com todas as forças! Como ele podia? Ser o homem que tirava toda sua força de vontade, toda sua certeza de quem era e o que queria da vida! Como ele se atreve a... a me fazer ser aquela que o encontraria ali, pálido, frio... Gil nunca ficara frio uma única vez. Aquele homem parecia uma fornalha! A única coisa que a mantinha em pé naquele momento era o abraço de seu filho. A carta queimava no bolso de seu sobretudo que ela não conseguiu tirar ao entrar na igreja. Ela precisava de alguma defesa contra aquele mundo tão cruel.

Gabriel levou sua mãe até um dos bancos e fê-la se sentar. Alguém dera a ela um copo de água com açúcar. Ela não quis, não adiantaria. Quando chegasse em casa talvez tomasse um calmante. Talvez. A cerimonia foi para Sara um barulhinho branco enquanto ela revisitava o dia de ontem.

–x-x-x-x-x

–Eu só estou dizendo, por que ele não contrata uma acompanhante ou enfermeira para ficar com ele?- Bryan reclamava, pela enésima vez a décima potência.

Era assim desde que Sara se aposentara. Tudo por conta da “insistência” dela em visitar “aquele cara”

–Eu já disse, Bryan, o Gil não precisa disso, ele é lúcido e saudável, pode cuidar de si mesmo muito bem!

–E por que então você insiste em vê-lo?

–Por que você insiste em reclamar? Deus sabe que é só isso que o senhor sabe fazer agora!

–Ah, eu não tenho o direito de reclamar quando minha mulher passa a maior parte de seus dias indo visitar outro homem, que diga-se de passagem ainda a ama?

–O que você quer dizer com isso? Que eu tenho um caso com o Gil? Deixe de ser ridículo, um homem da idade dele! –olhou para ele de maneira cínica- Nem você consegue mais ter ou sustentar uma ereção, imagine ele.

Bryan nunca fora um homem violento, mas Sara viu em seus olhos algo que lembrava muito a seu pai em seus acessos de raiva.

–Desculpe, Bryan, você não merece isso...

O homem bufou, as mãos agora cerradas com força

–Não, não mereço.. vá embora antes que eu faça algo que me arrependa.

Podia se dizer que Sara não teve um bom começo de dia. Quando chegou na casa de Grissom, porém, seu mundo desabou. Quando ele não respondeu a campainha decorrido um cinco minutos, o coração de Sara se apertou. Ela usou a chave que tinha da casa dele, a qual Gabe havia dado a ela quando se mudou, pedindo a ela que cuidasse de seu pai. Ele era um homem velho, afinal. Mas Sara nunca teve problemas com ele, pelo menos até agora. Gil não aparentava a idade que tinha, sua mente sempre tão ágil, apesar da idade ter refreado um pouco seu processo cognitivo, ainda não havia o desapontado. E todas as tardes que eles passavam juntos... ah, talvez Bryan suspeitasse que essas tardes qualquer um que não os conhecesse poderia jurar que eram um velho casal apaixonado. Sara nunca traíra o marido no sentido carnal da palavra, apesar de que em qualquer outro nível, se ela fosse técnica sobre isso, teria que dizer que o fizera. Ainda mais nessa última semana.

Para falar a verdade, aquela semana inteira ele agia estranho. Estava saudoso, falando demais do passado. Olhava para Sara como se quisesse dizer alguma coisa, algo importante, mas nunca chegava a enunciar nada. Ele estava especialmente carente, todo o tempo invadindo seu espaço pessoal.

A sala de estar estava como ela a deixara ontem. O jornal na mesa da sala, livros espalhados na mesa de centro. Não havia o cheiro habitual de café, então Sara passou logo pela cozinha, chamando pelo dono da casa.

–Gil, você está ái?- ela falou na porta do quarto dele- Não quer me responder? Vamos, Gil, não me faça invadir seu quarto!

Sem nenhuma resposta, com o coração acelerado e as mãos trêmulas ela entrou no quarto, imaginando que ele sofrera um acidente. Ela se preparou para ver sangue, mas o que ela encontrou dentro do quarto... Gil deitado na cama, ainda de pijamas, o rosto envelhecido de olhos fechados. Por um segundo ela pensou que ele dormia, mas havia algo diferente. Sentindo as pernas enfraquecerem ela adentrou o quarto e sentou ao lado dele na cama... pálido... ele estava pálido...

–Não...Gil...por favor, não!!!

As duas mãos no rosto dele, no pescoço, sentindo por uma pulsação que já não estava mais lá.

–Deus, não Gil....você não...

Sara desabou. Caiu em prantos sobre o corpo inerte do homem que sempre amou. O que ela faria agora sem ele?

~*~*~*~*~*~*~*~*

Sara estava sozinha novamente. Após o serviço e a esperada recepção em sua casa- quem oferecera foi Bryan, provavelmente por conta do remorso que sentira com a cena que fizera naquele dia fatídico- ela se encontrava sentada na mesa do escritório que compartilhava com Bryan, tentando não pensar em o quão frio ele estava, tão pálido naquela cama grande, sem vida. Ela ficara tão descompensada naquela ora...tão perdida que não percebera, caída no chão do quarto, uma carta endereçada a ela com a fina caligrafia de Grissom, a qual ela só achara mais tarde, quando fora escolher um terno para Gil usar no f... no serviço. Ela não tivera coragem de ler o que deveria ter sido as últimas palavras de Gil no mundo. Palavras que ele vinha tentando dizer naquela semana...era como se ele soubesse seu destino... como se precisasse dizer a ela algo importante e precioso. Mas ele não pode... e agora ela estava ali, com aquela carta como um último link para sua vida com Gil Grissom.

–Mãe?- Biel acabara de entrar no cômodo, e logo notou as lágrimas nos olhos da mãe- Ah, mãe!-

Gabriel foi até a sua mãe e abraçou-a forte, como um dia ela fizera com ele quando ele se sentiu mal; como seu pai fazia com ele sempre. Pensar nele o fazia sentir vontade de chorar, então ele parou.

–Papai detestaria te ver chorando por ele.

–Era o que eu mais fazia por ele...

Gabriel trouxe o rosto da mãe ao dele e enxugou as lágrimas que caíam.

–Ele também te fazia feliz, e é por isso que você está assim... eu também sinto a falta dele.

Sara chorou mais ainda, e Gabriel a apertou mais forte, afagando as costas da mãe no único gesto que ele podia oferecer que traria algum conforto a ela. Sabia que ela tinha que chorar, era a maneira do corpo extravasar todo o sentimento que vinha de dentro. Fora seu pai que um dia lhe disse isso, quando disse a ele porque ele e sua mãe não podiam ficar juntos. E com toda razão, quando Biel conseguiu se controlar ele se sentira melhor.

Ele mesmo já havia chorado sua cota no colo de sua mulher, Alana. Seu pai, ele se lembrou, estava radiante no dia de seu casamento. Gil falou que era um sonho dele viver até Biel se casar. Gil viveu para ver o nascimento de sua primeira neta, Karina. Uma pena que nem ficara sabendo que vinha um segundo por aí.

–O que é isso em sua mão?- ele perguntou a mãe.

–Seu pai... ele me ... escreveu uma carta.

–Já leu?

–Não.

–por que não?

Antes que ela pudesse dizer Karina veio correndo até eles, pedindo para brincar de bola. Os dois adultos deram as mãos para a pequena e foram até o jardim com ela.

Somente uma semana mais tarde, quando Gabriel e família voltavam para a Europa e não havia uma viv’alma na casa, ela recolheu a carta que guardou em sua caixa de jóias. Sentada na cama abriu o envelope e pode sentir o cheiro de Gil e imaginou que era ele quem lia a carta para ela, em seu ouvido:

Minha querida.

Conforme os dias passam, passam também meus pensamentos. E estes vem e vão, me trazendo lembranças de um passado longínquo, belo e ao mesmo tempo triste. Hoje fazem o quê... 39 anos que nos conhecemos. 39 anos e não consigo me lembrar de um único momento em que eu tenha me aberto totalmente para você. E é por isso que eu penso que nossa história tem um pouco de tristeza. Porque muito embora eu tenha me apaixonado por você desde aqueles primeiro dias, eu nunca te dei verdadeiramente meu coração.

Agora eu sei, foi por isso que não me aceitou de volta, não foi? Porque não voltou a Vegas comigo? Porque me conhecia melhor que a mim mesmo e sabia que esse tolo homem não seria nunca capaz de se entregar ao amor. A idade não trouxe mais sabedoria para esse velho aqui. Até hoje, no auge de meus 80 anos, eu nunca lhe disse cara a cara o quanto eu te amo. O quanto você me fez feliz. Por acaso já te contei que as cores dos meus dias ficavam mais brilhantes toda vez que estava em sua presença? Não? Então te digo agora. Ironicamente, tenho certeza que minha coragem veio do fato de saber que já é tarde demais para te dizer tudo isso.

Sei que quando você estiver lendo essa carta, estará em sua casa, a casa que você divide com Bryan. Levando a vida que você escolheu dividir com ele e que ele aceitou de bom grado. Toda vez que você vai embora daqui tenho em mente ele te recebendo com um beijo e te perguntando como foi o seu dia. Querida, você não sabe a raiva que eu tenho de mim mesmo, pois sei que se não fosse esse meu jeito arredio, eu quem estaria vivendo agora essa vida. Não teria que te dividir com outro homem, a não ser o nosso filho. Nós teríamos vivido uma vida plena, uma linda história de amor. Nós completaríamos um ao outro. Em vez disso, eu fiquei incompleto, quebrado...

Não quero que pense que escrevo essas linhas com a intenção de te magoar, de te dizer que por sua falta vivi uma vida infeliz. Sei que a culpa foi minha. E mesmo assim,sem poder ter experimentado este néctar que é o amor pleno entre um casal apaixonado, nosso filho foi o grande responsável por fazer com que eu vivesse verdadeiramente nestes últimos tempos. Quero sim que saiba que o seu amor me salvou, pois dele se gerou um anjo que me salvou da minha perdição.

Querida, ao escrever essa carta a minha intenção era te dizer tudo o que não disse antes, pois não quero deixar esse mundo sem que saiba como eu verdadeiramente me sinto em relação a você. Nosso tempo juntos foi o melhor e o pior dos tempos, foi você quem me amou e me obrigou a viver. Que me mostrou que não é só na vida de meus pequenos insetos que posso achar perfeição. Eu vivi, eu provei da perfeição no momento em que estive em seus braços, no momento em que nos amamos. Foi divino. Foi a perdição. Foi tudo o que eu precisava e tudo aquilo que eu temia. Foi uma explosão. Não foi só amor que fizemos naquele dia. Foi uma vida. Porque um momento tão perfeito quanto aquele não poderia existir sem deixar uma marca no tempo.

Querida, luz dos meus dias, minha amada, minha companheira...tenho certeza hoje que fui colocado nessa terra com o único propósito de te amar. Eu te amei mais que a mim, e levo a certeza deste amor comigo como uma chama, que me acompanha e faz dos meus dias luz.Sua luz vai me acompanhar até os meus últimos suspiros, e quando a última batida o meu coração der, ela será por você, e sua imagem será o meu amparo onde quer que minh’alma repouse.E se existir mesmo uma outra vida para mim, espero que seja novamente a seu lado, e que eu já tenha pago todos os meus pecados nessa vida, para que possamos viver felizes juntos.

Com todo o meu amor, seu eterno apaixonado.


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