Doce Inverno de Eternas Lembranças escrita por ju_mysczak


Capítulo 6
Visita


Notas iniciais do capítulo

Quem aí quer lemon? Estou em dúvida ainda se faço ou não. :(
Dedicado à linda recomendação enviada por Lucas Lima!



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– Acorde, jovem mestre. Sua noiva chegou.

Não foi preciso mais nada para que os olhos de Ciel se abrissem rapidamente e permanecessem encarando, abismados, o teto. Sentou, sem nem espreguiçar, esfregando-os bruscamente.

– Ela está a caminho e mandou um mensageiro dizendo que passará o dia aqui. – O maior separava as roupas em cima do banco da penteadeira enquanto falava.

– Não! Mas já? Pensei que ela fosse ficar seis meses por lá!

– Parece que a ama pegou uma daquelas pestes africanas e milady quis retornar imediatamente. A lepra a atingiu e, pelo que se sabe, não há mais jeito para ela. – O mordomo sorria de canto, se divertindo com as imagens na mente. - Sua pele estava inteira seca e rachando, com manchas esbranquiçadas espalhadas pelo corpo. A mulher não parava de gemer de dor, de acordo com o mensageiro.

– Desnecessário, Sebastian! Prepare logo meu banho! Estou sempre atrasado quando o assunto é meu noivado.

. . .

“- Você disse que seria divertido, mamãe!

– Sente-se e comporte-se, filho. Isso é importante!

– Mas eu não aguento mais esperar eles falarem e essa gravata machuca!

A porta se abre, revelando um belo corpo adulto, de feições parecidas com as do garoto. De dentro do escritório saem três outras pessoas que Ciel nunca vira antes: uma mulher nova, em torno de trinta anos, uma velha rebolando seu corpanzil nada delicado, deveria estar com mais de cinquenta, e um homem pouco mais velho que a primeira.

– Venha conhecer sua noiva, Ciel! – O pai, já do lado de fora, chama o filho.

O garoto seguiu os demais com curiosidade, sempre cuidando para não pisar nos pés de ninguém nem tropeçar nos degraus. Entraram nos corredores principais, dirigindo-se à saída.

Sob o teto abobadado do jardim de inverno, cheirando uma pequena flor amarela, uma garotinha de longos cabelos negros e pele alva o observava chegar. Seus finos lábios vermelhos formavam um pequeno bico enquanto as sobrancelhas estavam levemente erguidas. Ela demonstrava tanto tédio quanto o garoto.

– Olá! Meu nome é Ciel Phantomhive, e o seu?

A menina o olhou de cima a baixo, o avaliando. Franziu o nariz, fechando os olhos acinzentados por alguns instantes. Em segundos ela disparava pelo campo, os longos fios lisos batendo pelas costas, deixando um Ciel encabulado para trás.”

– A senhorita Emily Graymoon! – A voz anunciou.

Uma jovem entrou pela alta porta de entrada, sendo acompanhada por duas damas e seu mordomo. Ciel observou de longe a entrada triunfal dos quatro conhecidos.

Ela era baixa para uma garota de doze anos. Longos cílios pretos enfeitavam seus olhos frios. Os cabelos negros e compridos caíam em cascatas sobre os ombros até a metade das costas. Um pequeno busto lhe despontava. Os lábios partidos estavam rosados e ressecados do vento frio que o outono impunha ao dia.

A pesada manta preta que lhe cobria as costas foi retirada pelo mordomo da mesma e pendurada na chapeleira. Suas mãos gentis pairaram no ar enquanto corria a passos vacilantes até seu noivo. Evolvendo-o em um abraço, escondeu seu pequeno rosto no pescoço do garoto, arfando contra a pele macia dele.

O rubor não poderia deixar de aparecer no rosto do conde, que nada mais pôde fazer além de aceitar o carinho em silêncio, repousando sua palma na fina cintura de sua comprometida.

O chá foi servido em uma bela peça de porcelana chinesa, branca com desenhos vermelhos. O sabor era incomparável. A torta apresentada fazia solo nos pratos, conseguindo desempenhar seu papel perfeitamente bem.

Enquanto comia, Ciel tinha dificuldades em prestar atenção no que a garota dizia, algo sobre os horrores da África e como uma dama não deveria passar por aquilo. Os gostos de diversos ingredientes combinados com maestria ocupavam sua mente, tornando a voz sutil de Emily o plano de fundo de suas divagações.

– Então açoitaram o escravo até que sua pele se desfizesse ao chão. Não consegui olhar por muito tempo e saí correndo. Descobri mais tarde que o pardo morrera de tanto sangue perdido. Ainda me é difícil acreditar que um cavalheiro tão gentil é capaz de fazer algo assim com um filho seu, por mais que seja de uma negra. Oh, e como ele era cavalheiro! Ganhei até uma pulseira com um diamante lapidado que ele mesmo encontrou em suas minhas.

Aos poucos ela foi percebendo a distração do garoto e sua voz regrediu a um fio.

– Talvez eu deva voltar em outro momento.

– Como? – Ciel percebe seu vacilo. – Perdoe-me. Não foi minha intenção desagradá-la.

– Nem a minha chateá-lo com minha conversa. Vejo que não está com uma disposição muito boa. Voltarei outro dia para pormos nossa conversa em dia.

– Não me chateias nunca. Volte, por favor. – Tentou soar sincero ao responder a gentileza.

– Volte para a cama e descanse, querido. Parece-me abatido. – Sorriu.

Ciel e Sebatian os acompanharam de volta até a porta, onde a jovem acenou por uma última vez antes de entrar na carruagem e partir.

– Essa foi a visita mais rápida que ela já me fez. – Exclamou por fim, ao ver-se livre da noiva.

Ao olhar-se no espelho, porém, teve que concordar com ela, estava abatido. Arrastando os pés, subiu as escadas para o quarto, deitando na cama e cobrindo-se com as mesmas roupas que estava.

– Meu mestre não quer trocar de roupa ao menos? – Sebastian estranhou.

– Não. Deixe-me em paz por hoje.

Os olhos fechados não conseguiam mais imaginar, viam apenas o vermelho de suas pálpebras. O corpo sentia frio e dor, tremendo sob as cobertas. As mãos apertaram com força o lençol, tentando de alguma forma frear a aflição que lhe corroía as veias. Mordeu a boca até arrancar o sangue. Em alguma cavidade em seu coração, ele sabia que alguém chorava.

“- Não deixe as sombras te corromperem, Ciel. Não deixe de amar! Porque o amor pode te salvar quando nada mais o trouxer esperança. O fará sorrir e andar contra o abismo. O fará sonhar!”

Para que vivo mesmo, mamãe? Por quem estou chorando? Por mim mesmo, por você ou pelo que falta aqui?

Enquanto o jovem mestre começava mais uma seção de martírio, o mordomo fechou a porta do quarto, decidido a não entrar mais lá durante o resto do dia. A tristeza do conde parecia não ter fim nunca e o mesmo já perdera a vontade de lutar contra.

Com um suspiro de cansaço renunciou as questões que lhe atormentavam. O jardim ainda esperava para ser arrumado e Finnian jamais faria um bom trabalho. Ele já estava atrasado.

...

Ciel tentava sobreviver sem o remédio, sempre cansado e indisposto. O tédio o banhava todos os dias e o garoto se via lutando para levantar da cama. Suas respostas eram sempre evasivas e rudes. Nenhum sorriso irônico aparecia em seu rosto e nenhum riso de escárnio soava pelos cômodos. A mansão encontrava-se no mais deplorável estado de antipatia e depressão. Silenciosa.

O mordomo observava apenas, sendo pouco a pouco infectado pelo sentimento de solidão e tristeza de seu mestre. Mesmo contra a própria razão, se via todos os dias cozinhando os melhores pratos, que eram rejeitados rapidamente, e comprando as flores mais belas do mercado para enfeitar a casa, as quais o mestre sequer olhava. A falta de reconhecimento por seus esforços nunca fora problema ao servo, mas a falta de resultados sim. Sua frustração acabava sendo descontada nos funcionários, que ouviam suas críticas e broncas em silêncio.

Continuava a acordar seu mestre todos os dias com um sorriso incomum nos lábios e uma empolgação que pouco se via antigamente no mesmo. Para Ciel, aquilo nada mais era que felicidade em vê-lo tão mal. Afinal, o mordomo se divertia em ver o mestre incapaz de fazer o mesmo.

A sombra do jovem mestre pairava como uma nuvem pesada sobre a mansão e Sebastian já não sabia mais o que fazer para mudar aquela situação.

Depois de seguir seus instintos e abraça-lo da última vez, decidiu simplesmente por esquecer o ocorrido. Provavelmente o garoto sequer se recordava do incidente vergonhoso, já que seu estado na ocasião era péssimo.

Ciel não mais se esforçava em suas aulas e quando o mordomo decidiu voltar a contratar a governadora Adams para ensiná-lo, piorou. Chacona de Bach ficou esquecida em algum canto da sala de música, enquanto as lágrimas percorriam os móveis do quarto e se infiltravam nas paredes, manchando cada canto que tocasse de tristeza.

Os papéis da companhia ficaram empilhados sobre a escrivaninha do escritório, esperando a assinatura do dono, os exemplares de biscoitos de Natal tiveram de ser aprovados pelos empregados e Sebastian acabou desmarcando diversas reuniões com sócios.

A luz do dia parou de penetrar pelas cortinas da janela. Ciel ordenou que tecidos mais pesados fossem utilizados para barra-la, pois o sol queimava seus olhos. Vendo-se sem saída, o mordomo usou de sua ironia para tentar tirá-lo de lá. Nem mesmo ferir o orgulho do jovem o afetava. O menor ignorava qualquer pedido, ofensa ou chamado que lhe fosse dirigido.

Emily Graymoon foi avisada do estado de seu noivo e imediatamente mandou uma carta, agendando uma visita. Gentilmente Sebastian respondeu, escrevendo que seu mestre não estava em condições de receber ninguém atualmente, mas que assim que melhorasse sairiam para um passeio.

Sebastian estava começando a achar que nada mais tiraria Ciel de dentro do quarto e, se tirasse, não sabia se o garoto aguentaria ficar sobre as próprias pernas, considerando o quão pouco havia comido ultimamente.

Enquanto retirava as correspondências da caixa de correio pela manhã, uma carta lhe chamou a atenção. O símbolo do selo vermelho era facilmente distinguível entre todos os outros. Finalmente! Começou a ler e seus olhos brilharam com a oportunidade. Finalmente! Apenas isso para fazê-lo se levantar!


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