Eu não sabia do que tinha medo, não sabia o que poderia aparecer na paisagem. Ouvi alguém perguntando se o que víssemos os outros veriam, ao ouvir que não me aliviei um pouco. Não fui a primeira, tampouco a segunda. Cada pessoa tinha seu tempo, não sabíamos ao certo o que estava a se passar lá dentro.
Eu estava ficando nervosa, meus músculos tremiam.

Chegada a minha vez, dou alguns passos em direção a porta branca por fora e verde por dentro. Subo em algo branco que, como um degrau, fica acima do chão. Everton me alcança um copo pequeno com um líquido azul e o entrega á mim.
Bebo todo aquele liquido com gosto de soro, faço uma careta e assinto balançando a cabeça em concordância quando me pergunta se estou pronta.
As portas atrás de mim se fecham e eu me encontro em uma sala vazia, completamente verde. Observo o verde dando lugar a um cenário escuro, como se fosse um túnel.

Vejo primeiramente uma silhueta azulada, depois vejo cabelos compridos caindo na cintura, ela anda até mim e percebo escamas em seu rosto. Um arco-e-flecha aparece em minha frente e a mulher aponta uma arma para mim.
Fico tensa.
Um homem aparece atrás dela, ele usa um jaleco branco e possui uma cicatriz na face que vai cortando a sobrancelha e termina no queixo. Ele segura uma outra arma na mão, mas não é como as outras que conheço, essa tem uma ponta diferente... Não consigo dizer como.
Seguro rapidamente o arco e flecha e aponto para eles.

–Você é uma de nós. -Ouvi diversas vozes falando, comos e tivesse muita gente ao meu redor, como se eu estivesse prestes a desmaiar.

–Você vai morrer. -As vozes sussurravam.

Não é real, não é real, não é real.

Não. É. Real.
Senti meus dedos deixando a flecha voar, ouvi um impacto no chão e mesmo com os olhos fechados sabia que era da mulher. Não podia abrir os olhos, não podia.
Abri os olhos.
Liquido vermelho formava uma poça embaixo do corpo azul, sua arma caida ao lado. O homem de jaleco parecia perplexo.

–Me desculpe. -Murmurei, e lancei uma flecha contra seu coração.

...
A imagem em que me encontrava agora não diferenciava muito da anterior, mas estava cercada de pessoas, facilmente ali tinha trinta.

–Você é uma Radioativa. -Falava uma mulher de cabelos curtos.

–Ela deve morrer. -Eu ouvi outro falando. Eram apenas fragmentos de palavras, muita gente murmurava ao mesmo tempo.

Não identifiquei mais nada além do barulho de um tiro.

E me ver caindo no chão.

...
Ao acabar a simulação meu corpo estava tremendo, minhas pernas estavam bambas e eu estava jogada no chão. Minha cabeça doia onde certamente o tiro havia acertado.
Não era real, Candy. Não era real.
Ouvi as portas se abrirem.
Então, era disso que eu tinha medo? De ser Radioativa? Eu não devia ter medo de quem eu sou. Isso não estava certo.

Forcei-me a me levantar e sair da sala.
...
–Muito bem, agora quero que todos voltem ao dormitório, arrumem suas coisas e esperem lá até aparecermos. -Comunicou Thiago.
Com trocas de olhares todos obedecemos e voltamos.
...
Perdi a conta de quantas vezes Lia questionou-me sobre a paisagem, mas eu não diria, não, não agora.
Não sabia para quê iríamos arrumar todas as nossas coisas, mas lá estávamos nós fazendo exatamente isso. Eu não tinha muita coisa para organizar, nunca quis que minhas coisas se misturassem com a dos outros ali. Devolvi apenas algumas roupas de Lia e, quando tudo já estava pronto fazia alguns minutos, a porta se abre e duas pessoas já conhecidas entram no quarto com uma tabela em mãos.

–Creio que já tenham todas suas coisas arrumadas. -Começou Everton.

–A partir de hoje todos vocês terão um dormitório próprio. -Continuou Thiago.
Um burburinho se formou no fundo do dormitório e logo cessou.
Everton nos deixou com Thiago, pois iria conversar com o outro grupo e, sendo assim, Thiago prosseguiu dizendo números e corredores.
A Força era dividida em algumas partes das quais eu não tinha total conhecimento sobre todas elas. Sabia que os dormitórios ficavam na ala D e na ala E, que por sua vez eram divididas por dez corredores.

–Candy. -Chamou meu nome, ganhando minha atenção. -Ala D, corredor 9, quarto 312.
Olhei-o surpresa, mas demonstrando isso apenas para ele. O quarto de Thiago ficava no mesmo corredor que o meu, já havia passado por ali antes e acabara decorando alguns números. Logo senti alguém pulando em meu pescoço, pelas costas.
Lia.

–Somos vizinhas! -A loira bateu palminhas dando pulinhos na minha frente. Forcei um sorriso e uma risada, não havia me esquecido da minha cena do medo. Precisava ir atrás de informações, precisava entrar naquela sala novamente, me empenhar mais. Sim, precisava. Não queria, precisava.

...
Saímos todos e fomos encontrar nossos futuros quartos, quando cheguei ao meu deixei uma Lia animada.
Atirei a bolsa quase mala, verde escuro em cima da cama. E me sentei colocando a cabeça nas mãos e baixando-a.
Respirei fundo e ouvi o barulho cessar.
Levantei a cabeça e olhei em volta, não era um quarto muito grande. Talvez três por três metros, era branco e não possuía nada além de uma cama e um pequeno guarda-roupa. Lembrei-me de Thiago falando que poderíamos arrumar o quarto do jeito que quiséssemos assim que começássemos a ganhar nosso dinheiro. Quando perguntado sobre quando isso aconteceria ele respondeu que ganhamos um pouco a cada atividade feita -assim como Lia já havia me dito outrora- e que quando fosse finalizada o nosso treinamento poderíamos escolher um emprego.
Imaginei ali uma parede cheia de livros, livros com estórias, algumas famílias ainda os tinham, alguns estavam à venda, mas nunca mais foram escritos livros como aqueles. Eu nunca havia lido um, mas já ouvira falar, sabia que envolviam romance e aventura, mocinhos e vilões. Sabia que muitas pessoas queriam ser como eles, queriam eles! E eu queria viver isso, ler um livro e viver sua história em minha mente. Gostaria de sentir as emoções de uma boa história. E eu iria fazê-lo.

...
Tínhamos meia-hora para nos arrumarmos, dobrei todas as minhas roupas -que não eram muitas- e as coloquei dentro do roupeiro.

Logo ouço leves batidas na porta e logo abre-se uma frecha revelando um rapaz alto, musculoso, cabelos desgrenhados e com os olhos me procurando.

Thiago.
Sorri sem mostrar os dentes e murmurei um ''Oi, entra'' ele assim o fez, fechando a porta atrás de si.

–Somos vizinhos! -Exclamou não muito alto, abrindo os braços e largando-os ao lado do corpo. Sorri mostrando os dentes dessa vez.

–Somos vizinhos. -Repeti. -Ei, isso foi você que quis ou... -Deixei a frase no ar em um tom de interrogação.

–Não, não fui eu que arrumei os quartos... Mas podemos dizer que eu torci. -Ele sorriu e me puxou para ele, abraçando-me e sentando-se na cama levando-me com ele.

–Como foi lutar com seu medo? -Questionou olhando para mim. Eu estava sentada de lado em seu colo, então ele praticamente só via meu lado direito.

Suspirei.

–Eu não sabia do que eu realmente tinha medo, até hoje. Então digamos que foi surpreendente e aterrorizante.

Ele assentiu.

–Minha primeira vez também foi assim. -Confessou, virei-me para ele.

–O que apareceu no seu cenário? -Questionei curiosa.

–Um dia, quem sabe? -Ele ergueu uma sobrancelha e sorriu.
Revirei os olhos. O que me levara a achar que ele iria me contar algo?

–Ei, pretendia ir lá de novo... O mais breve possível, tem como? -Pedi, um tom de voz normal. Eu queria muito colocar meu plano em prática, se é que eu tinha um.

–Posso te levar hoje, se quiser.

–Perfeito! -Exclamei e dei um beijo estalado em sua bochecha. Thiago riu e colocou a mão atrás do meu pescoço, encontrando minha boca com a sua.

–Agora vamos antes que nos atrase. Temos treinamento. -Ele tirou seus lábios do meu e colocou a mão em minha perna.

–Ok. Vamos. -Me levantei e ele fez o mesmo.
Abri a porta e dei de cara com Lia que estava com a mão levantada pronta para bater na porta.
Ela me encarou assustada, depois olhos para Thiago que estava logo atrás de mim e sua cara de assustada deu lugar a uma maliciosa e eu tive vontade de bater nela enquanto ria... Obviamente não fiz nenhum dos dois.
Balancei a cabeça em negação pra Lia antes que ela falasse qualquer coisa. A garota deu de ombros e nos seguiu enquanto caminhávamos pelo corredor até chegarmos a ala T, de treinamento. Ela se dividia em dois corredores com cinco salas grandes em cada. Cada sala continua uma folha grudada na parede dizendo qual tipo de treinamento poderia ser feito em cada uma, eu já estivera ali, mas antes as informações de corredores que me passaram eram diferentes, estas são as certas. Em uma dessas salas eu descobri meu talento com o arco-e-flecha e com facas.

–Podem escolher o treinamento que quiserem, já deve ter gente em algumas salas. -Informou Thiago. -Mas isso não interfere em nada. -Finalizou.
Pensei no que eu poderia querer.

–Quero treinar meus instintos. -Falei sem nem ao menos notar.
Thiago me olhou e pareceu buscar algo em sua memória.

–Isso só acontece quando treinamos com lutar ou no cenário... -Ele franziu a testa.

–Então quero lutar. -Afirmei.

–Não precisa disso agora, depois você já vai para a sala do medo... E temos que prepará-los antes de coloca-los para lutar. Não é algo que posso fazer sozinho.
Não acredito que iria me deixar vencer. Mas o que eu faria?
Fiz um biquinho e o torci enquanto pensava em algo.

–Podemos treinar juntas, testar movimentos de uma luta sem ser uma de verdade. Não podemos? -Lia perguntou á Thiago.

–Podem, claro. Ahm... -Ele deu uma olhada nas salas. -Sala 6. -Ele apontou para o fim do corredor. - Provavelmente só estarão as duas lá, portanto em breve eu dou uma passada para verificar. Vou ajudar Everton.