Mediações do Edifício Horlan/13h28min

Ward encarou a porta por longos minutos. Até que viu a figura saindo de cabeça baixa. Era impossível não reconhecê-lo, não com a tatuagem, de que ele tanto ouvira falar, no braço esquerdo.

Uma centopeia grotesca rodeava o membro superior daquele homem. Era uma marca clara do projeto ao qual ele fazia parte. Centopeia. Visavam um mundo cheio de “Capitães Américas”. Como se fosse possível. Grant “riu” consigo mesmo. Às vezes, quando menores, ele e seu irmão mais novo, Gabe, costumavam dizer que eram o Thor e o Capitão América. Gabe pegava uma tampa, de uma das panelas de sua mãe, e ele o martelo, usado para amaciar carne. E assim ficavam por horas, fingindo que eram “supers”. Até seu irmão mais velho chegar e acabar com tudo.

– Vocês são patéticos – Dizia ele – Sabem que isso não passa de fingimento. Vocês nunca serão mais que dois bobões. Que brincam de “Sou super”. Que fingem. Fingem. Mas não são.

E então Gabe se desatava a chorar. Sempre fora o mais sensível dos irmãos, e Ward sempre sentira necessidade de protegê-lo. No início de tudo, das agressões, verbais e físicas, de George, seu irmão mais velho, ele rebatia, brigada e defendia seus pontos de vistas. Porém, com o tempo, viu que o mais velho tinha razão, tudo não passava de fingimento.

– Contato visual com o alvo. – Murmurou para que os outros da equipe o ouvissem, e começou a andar lentamente. Seguindo Mike Martins pelas ruas, que já estavam escuras e vazias, mesmo não sendo tarde.

Entretanto, para sua surpresa, Mike Martins não seguiu para o prédio em que Skye dissera que morava. Continuou andando pelas ruas desertas, com Ward em seu encalço. O “alvo” parou antes de virar à equina e olhou para trás, diretamente para onde o agente da S.H.I.E.L.D. estava. Porém, Martins não parecia surpreso com sua presença. Era como se ele soubesse que seria seguido o tempo todo. Sorriu para Ward e então correu.

– Ele me viu. – Berrou, enquanto corria para impedir que o suspeito sumisse do seu campo de visão.

~*~

Residencial Flórida/ 14h58min

Skye sabia que não deveria estar ali. E, que se fosse pega, seu plano iria por água por abaixo. Entretanto, ali estava ela. Sentada no sofá marrom de couro, da sala quase sem móveis do apartamento de Mike Martins, seu ex-namorado e companheiro de orfanato.

– Skye! – A porta foi escancarada e a figura cansada de Mike correu para abraça-la.

– Mike! – Retribui o abraço com a mesma intensidade que lhe foi dada.

Estava, apesar de tudo, com saudades de Mike. Ele havia mudado muito nos últimos anos, era bem verdade. Mas, quando o abraçava apertado, Skye ainda conseguia ver muito daquele menino que fora seu melhor amigo no orfanato e fora dele. Muito do homem que a encantara, com o jeito determinado, cheio de ideais.

– Obrigado por me avisar dos caras da S.H.I.E.L.D. – Mike coçou a cabeça. Estava diferente desde a última vez que o vira, no dia em que ele salvara a tal Amanda – Eu fiquei preocupado com você. Eu não te vejo desde... Desde que você disse que não queria mais me ver. – Gargalhou, porém, diferentemente das outras vezes, em riam juntos, ele não foi acompanhado.

– Eu estava lá. – Ele franziu o cenho – Estava lá no dia em que salvou Amanda. Queria falar com você, então tudo aquilo aconteceu... Eu filmei, eu postei na internet. Sua identidade caiu do seu bolso e eu peguei... Peguei por que...

– Por quê? Você é louca, Skye. Quer sempre controlar tudo! – Mike afastou-se dela. – Você pode hackear computadores, sistemas complexos, organizações grandiosas, mas não pode fazer isso com seres humanos.

– Se é que você ainda é um. Não é, Mike?

– Do você está falando?

– De você e dessa coisa de Centopeia... – Ele engoliu em seco, sempre fizera isso quando estava prestas a ser pego por uma de suas mentiras, então ela soube que Coulson falava a verdade. – Você não é o Mike que eu conheci.

– E quando que a Skye, que eu conheci, trabalharia com o pessoal da S.H.I.E.L.D.? Contra o próprio namorado?! – Rebateu.

– Nós não namoramos mais, Martins. Acabou. Por isso eu fui embora.

– E voltou. – Caminhou até ela e envolveu pela cintura – Larga esse pessoal da S.H.I.E.L.D., Skye. Fica comigo. Agora vai ser tudo diferente. Agora eu sei que sou capaz. EU POSSO!

Skye limitou-se a observa-lo. Não conseguia falar nada. Ele estava diferente. Não só pela tatuagem horrenda em seu braço esquerdo. Nem pelo novo corte de cabelo. Era o seu olhar. Algo que beirava o doentio. Algo que dava medo. E, de repente ela percebeu que fizera a escolha a errada. E que queria sair dali o quanto antes.

– Mike, eu tenho que ir. – Tentou libertar-se do seu aperto, mas ele só ficou mais forte. – Mike, você tá me machucando.

– Não, não, não, não, não – Ele a apertou mais ainda – Você não vai voltar pra eles, não vai. Eles vão te machucar, você não entende... – O olhar dele era de dar medo, algo que fazia as pernas de Skye tremerem – Eu, eu, eu... EU! Eu sou o melhor pra você. – Acariciou seu rosto – Eu amo você. – E então Mike a beijou.

– Skye? – A voz conhecida que a chamava fez com que Mike parasse.

– May.

Virou-se pronta para dar de cara com o olhar acusatório da xing-ling. Porém, foi outro olhar que encontrou. May não estava sozinha. Ward estava ao seu lado. Encarando-a. Não a costumeira expressão de robô, mas sim outra expressão. Era algo semelhante a confusão, ou talvez até, decepção.

– Ward eu... – Ela aproximou-se para explicar o que estava havendo. Não sabia o motivo de estar o fazendo, mas sentia que devia explicar. Queria explicar. De algum modo, pensar que ele poderia interpretar errada a cena que acabara de ver, deixava Skye perturbada.

– Mãos.

– Hã?

– Mãos. – O Robô disse algemando-a.

Estava novamente na sala escura.

Era como se tudo se repetisse. Ela fora “capturada” novamente e colocada na sala de interrogatórios. Com um homem que apenas a olhava. Mas, a repetição acabava ali. O homem que estava junto dela não era nada parecido com o Sr. Robótico. Nem era parecido com qualquer outro homem que já vira antes. Nem sequer parecia um homem. Mike esfregava os pulsos freneticamente nas coxas. Enquanto balançava a cabeça e dizia coisas sem sentido. Estava suando. Seu aspecto parecia mais louco do que antes.

– Você devia ter ficado comigo. – Ele falou depois do que se pareceram horas.

– Eu fui te ajudar, olha no que deu – Levantou as mãos algemadas – Está tudo perdido.

– Tudo perdido. Tudo perdido – Voltou a esfregar os pulsos – TUDO PERDIDO E A CULPA É SUA!

– Minha? Não fui eu quem esqueceu os princípios e me vendi ao projeto Centopeia!

– EU NÃO ME VENDI! – Gritou e começou a agitar as mãos, tentando tira-las da algema. – Você está com os caras da S.H.I.E.L.D.

– É, tô mesmo. – Não pôde deixar de rir. Tinha passado de uma integrante da equipe à, novamente, interrogada “barra” suspeita.

– você... Você ... VOCÊ. VOCÊ, SKYE! – Mike grunhiu como um animal, algo inimaginável aconteceu, ele partiu as algemas e libertou suas mãos.

Então avançou para cima dela. Skye engoliu em seco.

– A culpa é sua. – Ele a ergueu pelo pescoço. – Você precisava de alguém forte, e agora eu estou forte, estou forte por você... Mas você não quer. Não me quer. – Jogou-a contra parede – POR QUE NÃO ME QUER?

Skye olhou para porta bem ao seu lado. Rezou para que estivesse destrancada e, com dificuldade, levantou e girou a maçaneta. A porta abriu. Mas ela nem teve tempo de fazer qualquer tipo de comemoração. Os grunhidos animais de Mike fizeram-na correr para longe dali.

Onde ele estaria? Era tudo que pensava enquanto corria. Mas o ele, a que se referia não era seu perseguidor. Queria vê-lo novamente, com toda a pose carrancuda, o jeito robótico, e a expressão sugadora de vidas. Precisava encontra-lo. Ele poderia protege-la daquilo, Não poderia?

Correu, correu e correu. Mas não conseguiu chegar à sala de reuniões. Era como se tudo estivesse mais longe. Ou, tivesse escolhido o corredor errado. Esse avião não pode ser tão grande. Murmurou quando deu de cara com uma parede. Estava sem saída. Virou-se para voltar pelo caminho que fizera, mas deteve-se. Fechou os olhos e se recostou na parede. Caindo lentamente, assim como suas lágrimas.

Lá estava Mike. Parado no corredor. Fitando-a de modo assassino.