Sábado, 17 de janeiro de 1931

21h45

"Frio" não estava nem sequer próximo de descrever corretamente o que ele estava sentindo.

– Maledizione, feche essa maldita janela! – Lucchesi disse, acomodando seu corpanzil na poltrona de couro marrom que ficava em frente à lareira. O fogo estava brilhando vivamente. Ainda tremendo, o italiano observava com satisfação as labaredas vermelhas indo até o alto.

As chamas desenharam na parede o vulto de uma figura lânguida abaixando o vidro da janela.

– Está nevando. Muito fraco, mas está – a voz de Thomas competia contra o crepitar da lenha seca na lareira. Seus passos ecoavam na sala de estar.

– Este é um mês muito ingrato – Lucchesi murmurou.

– Eu gosto do frio. – Thomas refastelou-se na poltrona ao lado de Lucchesi, observando a nuvem de fumaça que saía de seu charuto.

– Você devia largar isso, é um péssimo hábito que você adquiriu com o delegado Warwick. – Lucchesi disse, observando o rapaz de cabelos ruivos tragando fumo.

– Eu já sabia que você é italiano, mas é uma novidade que você leve a religião católica tão a sério. – Thomas zombou, numa voz serena.

Lucchesi não respondeu. Ele tinha os olhos vidrados no fogo que consumia a madeira. Seu pensamento parecia estar muito distante.

– Diga-me, Lucchesi... – Thomas disse, entre baforadas de charuto – Alguma vez, em algum caso que você participou, a sua teoria de que todos escondem algo foi desmentida?

– Não... Pois, pelo contrário, eu tenho cada vez mais certeza disso – disse Lucchesi, transparecendo que a pergunta havia lhe despertado muito entusiasmo.

– Então, ao menos alguma vez, você já foi realmente enganado por algum criminoso? Digo, ao ponto de quase não desvendar algum caso que era óbvio?

– Alguns criminosos são especialmente ardilosos, Thomas. E orquestram suas ações muito bem. Porém, algumas vezes ocorrem imprevistos pelos quais eles não esperavam. E isso, aliado a uma investigação eficiente, é suficiente para resolver um crime. – Lucchesi disse, em voz calma, porém firme.

– Vejo que está se lembrando de algum caso especial.

– Estou sim. Um caso de assassinato que aconteceu a muitas milhas daqui, na Flórida. Eu era quase da sua idade naquela época. Lembrando agora, eu me sinto nostálgico. Foi um dos casos mais interessantes dos quais já participei. Havia alguns detalhes tão bizarros que faziam parecer que tínhamos em mão um caso insolúvel.

– Ora, um prato cheio para os cronistas policiais. Foi um caso famoso, então? – Thomas perguntou com curiosidade.

– Não, não foi. E estou certo que você nada ouviu a respeito do assunto, pois ele foi mantido em sigilo absoluto da imprensa. O homem assassinado se tratava de um rapaz influente em Miami.

– Você poderia me relatar os acontecimentos, essa parece ser mesmo uma boa história.

– É uma excelente história, Thomas. Quase inacreditável. Eu não sou, porém, um bom narrador. Mas, veja bem, eu tenho tudo relatado, por escrito – Lucchesi abriu um sorriso sombrio ao fazer essa observação.

– Você costumava escrever sobre suas investigações?

– Não, porém, uma testemunha ocular de toda a história fez isso por mim. Eu guardo os escritos até hoje como uma recordação. Está interessado em ler? É um relato bastante detalhado, como se aqueles fatos tão longínquos estivessem se passando agora, bem em frente aos seus olhos. – Lucchesi disse, passando a mão pela poltrona lustrosa.

– Ora, por que não? Ande logo com isso!