Um Conto Sobre um Monte de Estrume escrita por Gabriel Campos


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

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Dr. Tavares me pediu para que eu fosse falar com Débora e convencê-la a aceitar o tratamento contra a leucemia. Não sabia se isso teria algum efeito, pois falar com ela civilizadamente era o que eu vinha tentando fazer há tanto tempo! Claro, a garota precisava de ajuda. Eu engoli o pouco orgulho que tinha e entrei no quarto onde ela estava.

Débora continuava olhando fixamente para o nada. Seus olhos estavam marejados, seu pensamento em qualquer outro lugar que não era aquele quarto no centro psiquiátrico do hospital.

─ Débora... Eu posso falar com você? ─ perguntei. Ela, por sua vez, não teve nenhuma reação.

A garota estava de costas para mim. Precisei dar alguns passos para me aproximar e tocar levemente o seu ombro. Débora realmente estava longe, e aquele leve toque no seu ombro a fez acordar.

─ Lucas... é você? Sempre você! ─ disse. Sua voz estava diferente, embargada, entristecida. Por me ver, claro. Eu era a última pessoa que ela gostaria de ver.

─ Eu lamento pelo que aconteceu. Pelo que está acontecendo...

─ Eu não quero suas lamentações, sua pena. Isso não vai trazer meus pais de volta. E nem me curar... da leucemia. Eu ouvi o que os médicos disseram. Eu estou com leucemia. ─ Débora olhou para mim ─ Estou esperando apenas a minha hora chegar. ─ sorriu, como se estivesse conformada com tudo aquilo. Mas não estava.

─ Débora, eu sei que eu não sou lá essas influências todas mas eu estou aqui apenas para lhe dizer que você precisa aceitar o tratamento. Você está doente e ...

─ EU NÃO QUERO ME CURAR. CHEGA DE SE METER NA MINHA VIDA, LUCAS. Chega! ─ ela gritou, interrompendo-me.

─ EGOÍSTA! Egoísta! É isso o que você é, Débora. Uma egoísta. ─ segurei firme nos seus ombros e olhei em seus olhos ─ Então você vai desistir da vida assim? Vai morrer? Não vai lutar? Quem você pensa que é, Débora? Você é jovem, tem oportunidades! Olha pra cruz que você carrega e pensa que tem gente que tem problemas muito piores que os seus! Mas deixa, eu vou fazer o que você pediu, sim, senhorita Zimmermann. O otário aqui vai deixar de se meter na sua vida e cuidar um pouco da própria. Eu só queria te ajudar.

Abaixei a cabeça, larguei os seus ombros e saí do quarto.

XIX – MOMENTO DE TRAÇAR O PRÓPRIO FUTURO

Música: Janta - Marcelo Camelo e Mallu Magalhães

“Eu quis te conhecer, mas tenho que aceitar

Caberá ao nosso amor o eterno ou não dá

Pode ser cruel a eternidade

Eu ando em frente por sentir vontade”

Agosto. O ENEM nunca esteve tão perto na minha vida. Você, que vai prestar vestibular esse ano sabe do que eu estou falando. Tá, tá, a senhorita Barbie ainda fazia parte dos meus pensamentos, mas eu focava nos estudos e tentava não me lembrar dela.

Pouco menos de dois meses para a prova que definiria meu futuro, e que futuro eu teria pela frente? Eu ainda não sabia qual curso seguir. Não, eu só sabia que não seguiria os gostos dos senhores Ricardo e Karen Batista, meus pais, em fazer medicina porque além de ser bem concorrido, eu não aguentaria a pressão em ser médico.

Eu estudava muito, mas pra quê? Até que eu recebi um sinal. E não, não foi uma lâmpada que surgiu na minha cabeça sinalizando uma ideia, e sim o meu dente, ah, meu dente, que começou a doer. Daquela vez, era verdade.

Papai e eu estávamos novamente no consultório do Dr. Eduardo Albuquerque. Aquele lugar me trazia péssimas lembranças molhadas. Tá, você lembra que foi aqui que eu mijei com medo daquela maquininha assustadora do dentista.

Meu dente pinicava muito. Ardia pra caramba. Eu ficava andando pelo consultório de um lado para o outro apenas por medo, vergonha, receio, tudo. Que aquilo acabasse logo, então.

─ Ora, ora, quem encontramos aqui? Se não é o menino que fez xixi nas calças! Espero que sua dor seja verdadeira. ─ disse Dr. Eduardo.

─ E eu queria que fosse mentira, doutor.

Dentistas, assim como os seus consultórios, têm um cheiro estranho. Um cheiro de antisséptico bucal com produtos de limpeza, tipo aqueles Veja que a mamãe gosta de usar pra limpar a cozinha.

─ Preparado, rapazinho?

Não, mas a anestesia me deixava com a boca mole e não me deixava falar direito. Certo, eu não estava sentindo nada. O que me incomodava era o “ZzZzzzZZzZ” daquela caneta ortodôntica idiota. Gostei até quando ele perfurou meu dente! Adeus caries. Com certeza, aquela visita ao dentista foi bem menos traumatizante. E dali então eu entendi que a minha dor de dente súbita enquanto eu estudava era um sinal: “EU VOU FAZER ODONTO!”, pensei. Meu pai quase me fez engolir seus CD’s do "Calcinha Preta" quando eu disse isso a ele, ainda no carro, voltando pra casa.

Ainda em Tokyo, Júnior e Zoe tentavam me ligar no Skype, mas eu não ficava online há tempos em nenhuma rede social. Eu não tinha mais vida social, galera. Ele então tomou uma decisão:

─ Zoe, eu vou embora sem conhecer a dubladora do Pikachu. Eu preciso saber como estão as coisas em casa. Estou preocupado com minha mãe e minha avó.

─ Tem certeza, Júnior? Sei lá, pode ser a última vez que você tem essa oportunidade. ─ disse ela.

─ Não, amor. A gente pertence ao mundo. Teremos outras chances. Venha, vamos falar com o Akira e pedir que ele nos ajude a voltar para o Brasil.

Mais alguns dias se passaram. De vez em quando me dava uma vontade de passar no hospital para ver como a Débora estava. Mas não fazia isso. Eu criei mais orgulho. Me tornei uma máquina de orgulho com o coração de gelo, cheio de amarguras.

Estava na escola. Naquela semana acabaria o período de suspensão de Arizinho, e ele quis voltar à escola em grande estilo:

Como se fosse mais uma tentativa de ganhar suspensão, o rapaz pegou um megafone, algumas caixas de som ligadas com uma música dançante e começou a disparar palavras ofensivas contra a nossa nada querida diretora, Dona Ruth, na frente da escola.

─ Ruth cintura de ovo, não pega ninguém, meu bem!

Ela, claro, escutou, mas nada pôde fazer por que o aluno estava fora da escola. Ela apenas se trancou em sua sala e abriu uma caixa de chocolates. Ponto pro Aristofo.

Eu ria de toda a situação. A calçada de escola virara um sambódromo. Era festa. Meu coração, ficou em festa quando alguém chamou meu nome no meio daquele fuzuê. Olhei pra trás e vi aquela pessoa que não esperava nunca ali, e nem mesmo naquele estado: feliz.

Débora sorriu para mim. E, acreditem ou não, voluntariamente, me abraçou e me deu um beijo. Na boca. Um beijão.

─ Obrigada por salvar minha vida.

Eu poderia estar dormindo naquela hora e nem estranharia se acordasse. Mas não. Era verdade, um fato consumado. Débora estava outra pessoa, agradecendo-me por ter aberto os seus olhos, diferentemente daquela que sempre me tratava com raiva, desprezo, rancor.


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Notas finais do capítulo

E agora? Será que a Débora abriu os olhos e pôde perceber que o Lucas pode ser alguém para apoia-la?
Descubra amanhã, no penúltimo capítulo ):