O verdadeiro Natal escrita por Karinchan


Capítulo 1
Um Natal diferente




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As crianças são seres curiosos. Querem saber sobre tudo e têm uma visão única do mundo.

Por que o céu é azul?

Por que é que chove?

De onde vêm os bebés?

Isso são tudo perguntas que elas fazem aos seus guardiões. No entanto, o que dizer quando elas fazem uma pergunta aterrorizadora para a qual nós não sabemos a resposta e isso fá-las chorar de terror? Nada, além de tentar descobrir a verdade. E é por isso que eu estou atualmente numa missão que me fez subir montanhas, quase congelar o meu nariz e ficar com uma nova visão do Natal.

A pergunta da minha inocente filha (ou não tão inocente, afinal, ela manipulou-me para eu descobrir a verdade) foi:

Papá, por que é que o Pai Natal não veio?

Eu engasguei-me, fiquei vermelho e comecei a balbuciar até que ela começou a chorar e a dizer coisas estranhas, como: tu és o único que pode descobrir a verdade... Por favor, vai. E vi-me subitamente com uma mala feita, sem perceber nada. Só que a minha futura ex-mulher tinha alguma coisa relacionada com isso e ela também queria que eu fosse.

Enfim, o que um pai não faz pela felicidade da sua filha? Nada, então quando eu estava para viajar para o Canadá, fiquei boquiaberto quando vi uma rena a falar com a minha filha, à porta da minha casa.

Uma rena!

Que fala!!

Com a minha filha!!!

Ela era diferente das renas normais, afinal, tinha um nariz vermelho luminoso e, por isso, identifiquei-o logo.

— Rodolfo.

Eu vi a rena inclinar a cabeça para mim e assentir, mas eu nem tive tempo de processar essa informação porque a minha filha virou-se logo para mim, toda em modo de negócios.

— Ele foi visto a última vez na sua mansão no dia 23 de Dezembro. As renas procuraram por ele por todo o Pólo Norte e não o encontraram.

Pisquei os olhos, tentando perceber tudo o que me estavam a dizer.

Renas que falam? Check.

Pai Natal que desapareceu? Check.

A minha filha que falava comigo como se fosse um caso de vida ou morte? Check.

A minha futura ex-mulher, que apareceu atrás de mim e disse que íamos partir imediatamente para o Canadá para o procurar. Check!

Esperem lá, a minha mulher? A minha filha? Uma rena falante? O que se estava a passar afinal de contas?!

— Eu não vou sair daqui sem me explicarem o que se está a passar! – exigi, cruzando os braços e usando toda a minha autoridade como pai para me responderem.

Os olhos castanhos delas, idênticos, prenderem-se em mim com recriminação, como se as palavras delas fossem leis e partir para o Canadá fosse a coisa mais lógica a se fazer. Oh, não me percebam mal, eu sabia porque elas pediam aquilo de mim, eu era um detetive e adorava mistérios. Tinha sido isso que me tinha ligado à minha futura ex-mulher, o desafio que era perceber a Sarah, com os seus milhares de enigmas. Também tinha sido isso que tinha levado ao meu pedido de separação, mas isso era outra história… No entanto, renas falantes e uma procura desenfreada pelo Pai Natal era demais.

Nah, nah, nah. Eu queria respostas e queria já!

— Explico no caminho – a minha futura ex-mulher disse, pegando numa mala e agarrando o meu braço. – Querida, os teus avós vão chegar dentro de cinco minutos para tomarem conta de ti. Até logo. – Ela deu um beijo rápido na testa da nossa filha, ainda não largando o meu braço, e puxou-me para a garagem da nossa casa com a rena a seguir-nos.

Ok, acho que é hora de explicar uns factos. Como perceberam, eu sou um detetive. Um muito bom, se me permitem dizer. Devido a isso, sou rico e tenho uma casa grande, com um jardim, e dinheiro o suficiente para fazer viagens súbitas. Além disso, a própria Sarah não era pobre, apesar de ser órfã. Ela dizia que os seus pais lhe deram uma boa herança, porém eu não sabia muito sobre isso porque ela não comentava. Mistérios, lembram-se? Enfim, mesmo assim eu não esperava encontrar na nossa garagem uma coisa que não fosse os nossos carros. Eu até aceitaria se fosse outro carro, ela podia-o ter comprado ou uma coisa do género, contudo não aceitava que fosse um trenó e sete renas.

O que raio estava a acontecer?

— O que está a acontecer? Eu exijo respostas, Sarah! Eu já não sou o teu marido que aceita tudo o que dizes!

Ela nem olhou para mim, pondo a mala no trenó, abrindo a porta e empurrando-me para dentro. Eu bufei e sentei-me e ela fez o mesmo, só me dando um rápido olhar onde os seus olhos, normalmente, castanhos, estavam verdes, demonstrando que ela estava a sentir emoções fortes.

— Acredita-te em mim, John. Faz isto pela nossa filha. – ela disse suavemente e ia lhe responder com uma pergunta quando a nossa filha apareceu a desejar boa-sorte.

O que estava a acontecer? Por favor, alguém que me dissesse…. No entanto, ninguém me ia responder porque o Rodolfo pôs-se com as outras renas e o trenó começou a andar, dando-me só tempo de dizer “Porta-te bem e não dês muitas preocupações aos meus pais.”.

Eu acho que o meu coração saiu pela minha garganta quando houve uma deslocação e eu reparei que estava a voar. A voar! Eu sabia que o trenó do pai natal voava, afinal, ele ia a todas as casas. Também sabia que ele ia muito rápido porque percorria o mundo todo, mas uma coisa é saber e outra é viver. Caramba, achei que ia ser lançado dali para o chão se não fosse a minha futura ex-mulher agarrar-me o braço.

— Agora podes fazer as perguntas.

— Agora? Ao fim de oito anos?

Como devem ter imaginado pela definição de futura ex-mulher, a nossa relação não estava muito bem.

— Eu pensei que gostasses de desafios. Não foi isso que disseste quando eu te disse que casar comigo poderia ser um erro porque nunca te conseguiria responder a todas as perguntas?

Ela estreitou os olhos e eu olhei para o outro lado.

— Mas isso não quer dizer que podes passar um maldito mês desaparecida sem dizer nada.

— Eu já tinha desaparecido antes – respondeu suavemente e eu olhei para ela, estreitando os olhos.

— Por dias, no máximo uma semana. Um mês! Eu pensei que tivesses morrido! E só apareces aqui com um sorriso, duas prendas e finges que está tudo normal. Existe um limite!

Vi-a expirar e, por causa do frio que estava, parecia que ela estava a fumar.

— Só tens perguntas sobre isso? Não tens perguntas sobre o que temos que descobrir?

Revirei os olhos.

— Eu nem sei o que estou a fazer aqui. À procura do Pai Natal? Sabes que ele pode estar em qualquer lugar.

— Ele não está – ouvi uma voz séria e olhei para a frente vendo que era da rena. – Ele foi raptado.

Ri, não compreendendo nada do que estava a acontecer.

— Oh, isso ajuda muito, não é? Afinal, nós temos uma lista de pessoas que o querem raptar.

— Por acaso, até temos – ouvi a voz da Sarah e eu voltei a olhar para o lado, tendo consciência que ela estava a encostar-se a mim devido ao frio. – É uma organização.

— Muito informativo. Sem dúvidas….

— Que quer acabar com o Natal.

— Só com essa informação já sei quem é o culpado. Muito obrigado. A sério.

— John! – Ela levantou a voz e isso prendeu a minha atenção nela, por perceber o tom alarmado. Ela tinha muitos defeitos, mas eu conseguia contar com os dedos da mão as vezes em que ela levantava a voz. – Isto é sério. Tu tens que me ajudar a encontrá-lo.

Virei a cara para o outro lado, não aguentando o olhar sério e descrente dela sobre o que estava a acontecer. Sabia que o Pai Natal tinha desaparecido, afinal ficou claro que a nossa filha não recebeu um presente e ela estava sempre na lista dos meninos bem comportados.

— Porquê a preocupação, Sarah? – Perguntei, num tom mais calmo e ela relaxou ao meu lado ao ver que eu estava a ouvi-la.

— O mundo está a ficar descontrolado. Todas as pessoas estão a perguntar-se se os filhos se portaram mal para não receberem presentes. Muitos outros estão a achar que o Pai Natal abandonou o mundo e este vai acabar. Nós temos que fazer alguma coisa.

Não tinha visto as notícias porque adormeci (havia tido uma noite complicada com ela, em que mais uma vez eu mencionara o mês desaparecido e ela ignorara-me) então não sabia do que ela estava a falar. No entanto, se isso era assim, para mim a resposta era bastante simples.

— Devem de existir milhares de pessoas à procura dele. Porque é que eu tenho que ir especificamente? E tu? E porque é que temos o trenó do Pai Natal?

Ela suspirou e observou o céu branco só para não olhar para a minha cara.

— O teu trabalho é ser detetive. Já imaginaste a reputação que não vais ter se o encontrares?

— Ambos sabemos que eu já tenho reputação e dinheiro suficiente. O Natal é para passar em família e não trocaria nada no mundo para passar este dia com a nossa filha. Tu é que mais uma vez perdeste o conceito de família e não percebes isso, metendo-te nesta missão maluca. – Eu sei que fui ríspido e espantei-me quando ela olhou para mim, parecendo séria quando eu esperava que demonstrasse dor.

— É por eu perceber o conceito de família que eu tenho que fazer isto! – ela disse, demasiado séria para a personalidade relaxada dela. O que se estava a passar? Será que eu não conhecia minimamente a minha mulher?

Eu não lhe respondi, não conseguia com aquelas dúvidas na minha cabeça, e pus-me a olhar para baixo, vendo as casas e as pessoas que pareciam formigas por estarem tão longe.

— As renas vão nos levar ao Canadá. Lá eu espero que uses a tua reputação para dizer que está tudo bem e que estás à procura dele. Se alguém tiver alguma informação, que ligue para o número que eu tenho.

Eu voltei a olhar para ela, não aguentando não olhar, e reprimi-me mentalmente por isso, vendo os olhos castanhos esverdeados e sentindo o meu coração bater mais rápido. Mesmo depois deste tempo todo, oito anos, ainda me sentia como um adolescente sempre que a observava. Era tudo o que eu sempre sonhei, até a personalidade desafiante dela. Eu tinha esperado descobrir tudo sobre ela, no entanto, o que antes de nos casarmos era um jogo para mim, descobrir mais, quando casados e com uma filha tornou-se… cansativo. Desaparecia e apesar de eu saber que não estava a fazer nada ilegal, simplesmente desaparecia. PUF. Às vezes era uma vez por ano, outras vezes, eram duas. Um dia ou dois. Eu acabei por aceitar, mas quando, naquele ano, tinha desaparecido por um mês, eu desisti. Aquilo não era vida nem para ela nem para mim. Eu acho que se tivesse dado luta, eu tinha voltado atrás. Se me tivesse agarrado e dito que me amava, eu não iria pensar duas vezes. Mas não fez nada disso, assentiu, disse que sim e que só pedia para que fosse depois do Natal, para a nossa filha poder passar um Natal descansada. No entanto, esse Natal nunca existiu porque agora estávamos à procura do Pai Natal. Só de pensar nisso apetecia-me gargalhar e dormir porque eu tinha que estar a sonhar.

— E depois? – eu voltei a falar, lembrando-me como se falava. – Nós não temos um plano, não temos nada. Por tudo o que é sagrado, nós estamos atrás do Pai Natal! Como é que achas que vamos conseguir fazer isso?

Ela estreitou os olhos para mim.

— Se alguém vai conseguir, somos nós – ela murmurou com tanta certeza que por um momento eu acreditei até que me lembrei de qual era a nossa missão. Descobrir o que aconteceu ao Pai Natal. Claro, realmente, se alguém for descobrir o Pai Natal não será o FBI ou as outras polícias do mundo, seremos nós, dois detetives que vão parar de trabalhar juntos.

— Claro, porque nós temos super poderes. – Eu ia continuar a falar, provavelmente, só para irritá-la, mas nós tínhamos mesmo um super poder. – Como é que arranjaste as renas?

Ela franziu a testa enquanto me analisava, a pensar sabe Deus o quê até que desviou outra vez a atenção para o céu.

— Elas vieram pedir ajuda para o encontrarmos.

— A nós? – Eu quase ronquei de riso. – Porque nós somos a primeira escolha das pessoas, claro.

Ela mandou-me um olhar estranho, mas intenso.

— Nós vamos conseguir. As renas conseguem cheirá-lo e sentiram-no no Canadá.

Suspirei, pensando que era melhor começar a levar aquilo a sério, afinal estava num trenó, com a minha futura ex-mulher, à procura do Pai Natal. Já que estava ali porque não tentar descobrir a verdade?

— Certo. Canadá – eu suspirei pensando em tudo o que tinha sido dito naquele dia. – Então fala-me sobre essa organização que supostamente raptou o Pai Natal.

Os olhos dela brilharam, espantados e ao ver que tinha toda a minha atenção, sorriu. Espantei-me quando ela agarrou a minha mão como nos velhos tempos. Eu engoli em seco. Não queria aquilo. Não queria toques dela. Porque desta vez estava decidido a divorciar-me. Aquilo não era vida para mim.

— É uma organização que defende que o Natal é uma época de consumismo e que o Pai Natal, por dar presentes às crianças bem comportadas, está a criar uma noção errada de que só se deve de fazer o bem por termos prémios. Eles acreditam que sem Pai Natal nós vamos dar o devido valor à família, passando o dia para estar com eles e não por causa dos presentes.

— Eles defendem isso e raptam-no? Isso não é contra os seus próprios valores?

Ela desviou outra vez o olhar, parecendo nervosa.

— É pelo bem maior.

Eu expirei e não disse mais nada o resto do caminho, usando só o meu cérebro para tentar arranjar alguma solução que fizesse sentindo e ignorar o corpo da minha futura ex-mulher que estava cada vez mais encostado contra mim por causa do frio.

A partir dali foi uma viagem rápida, as renas eram mesmo mágicas, pela velocidade que atingiam, e eu vi-me rapidamente no Canadá.

Se existe uma coisa que os detetives têm, é contatos e a minha futura ex-mulher sabia disso perfeitamente, trabalhando comigo. Por isso, eu falei com os meus contatos no Canadá, à procura da tal organização, no entanto, não encontrei nada. Passamos dois dias naquela procura pelo Canadá e foi aí que eu quase perdi o meu nariz porque as renas disseram que sentiram o cheiro dele numa montanha. Eu fui a pé, com a Sarah, procurar todos os cantos e, estranhamente, encontramos uma gruta que tinha uma fogueira. Lá estava uma carta a dizer que se tínhamos chegado até ali merecíamos saber que o Pai Natal estava no México. Eu não me queria acreditar naquilo, mas existia uma foto do Pai Natal com um jornal recente de lá. Qual era o objetivo daquilo? Provavelmente, era uma armadilha, porém nós não tínhamos mais nenhuma pista, por isso decidimos seguir por esse caminho.

Inesperadamente, as renas estavam à nossa espera no exterior e nós fomos para o México. Eu estava a odiar aquela proximidade que estava a ter outra vez com a minha futura ex-mulher porque por muito que eu quisesse ignorá-la, eu não conseguia. Ela continuava a ser brilhante, espontânea, inteligente e com uma força de viver inigualável como quando a conheci. Era impossível quando a tinha tão perto de mim, quando sentia o cheiro de morangos dela e era impossível porque eu ainda agia como um adolescente idiota.

Pelo lado bom, ao contrário do que a Sarah esperava, as pessoas passaram um Natal calmo, mesmo estando preocupadas com o Pai Natal.

Enfim, nós chegamos ao México e passamos ali o resto do tempo até ao dia 31 de Dezembro, percorrendo-o de uma ponta a outra à procura de pistas. Escusado será dizer que não encontramos nada, o que me frustrava ainda mais. Eu só queria voltar para a nossa filha, mas a Sarah não percebia isso.

— Nós não o vamos encontrar – eu resmunguei. – Desiste, Sarah.

Ela mandou-me um olhar tão intenso que não consegui continuar. Dor, esperança e garra.

— Eu não posso. Nós precisamos encontrá-lo.

Expirei, farto daquela certeza e de ela ainda não me ter explicado nada.

— Eu vim até aqui pela nossa filha, mas temos que admitir que não o vamos encontrar. Deixa isso com a polícia. Tu sabes tão bem quanto eu que é maluquice continuarmos assim sem pistas. A nossa filha precisa de nós.

— Nós vamos encontrá-lo. Nós temos as renas!

— Nós não vamos! –insisti. – Certo, tu queres continuar com esta missão impossível, não queres? Então fica assim. Eu vou-me embora! Para casa, com a nossa filha.

— John….

— Não! — disse, levantando a voz, para ela perceber que eu estava sério. – Eu vou-me embora. Fica aqui nesta missão impossível, se quiseres. – Virei-me pronto a ir para o trenó. – Nós não passámos o Natal com a nossa filha mas eu vou passar pelo menos o Ano Novo. Ah, e, Sarah – murmurei, virando-me para trás –, não te preocupes connosco que nós agora pelo menos vamos saber o que estás a fazer. Já é um avanço.

Vi a dor explícita naqueles olhos que tanto adorava, mas não podia voltar atrás. Eu não podia esquecer-me do que ela tinha feito e sabia que se ficasse mais dias com ela não teria coragem para pedir o divórcio. Gostava demasiado dela para isso… por isso, tinha que me focar na minha raiva bem justificada.

— John – ela murmurou outra vez e eu espantei-me quando ela agarrou a minha mão. – Não vás. Ajuda-me, por favor.

Eu engoli em seco, ao ouvir a súplica. Ela não suplicava, era demasiado forte para isso. Ela não tinha suplicado quando eu tinha pedido o divórcio. Ela não tinha suplicado para parar nas nossas outras discussões. Então porque é que suplicava para isto?

— Por favor… — insistiu, e senti alívio quando largou a minha mão. Eu não sei se era capaz de partir se ela me estivesse a agarrar ou a suplicar. – Fica comigo – eu tive um arrepio quando a ouvi sussurrar perto do meu ouvido e os dois braços finos dela abraçaram-me, puxando-me contra ela.

Todo o meu corpo enrijeceu com o contato. Amava-a demasiado e ela fazer aquilo era um golpe baixo, porque eu tinha a certeza de que ela sentia o meu coração bater feito maluco e tinha a certeza de que ela sabia o quanto eu queria ficar com ela.

— Por que… — eu tive que parar de falar porque a minha voz saiu arranhada e sem forças. Aquilo era tão difícil. Por que não podíamos ser felizes? – Por que é que isto é tão importante?

A cabeça dela bateu contra o meu ombro e eu lembrei-me de como se respirava. Possuía trinta anos, era um adulto, ela não podia me afetar tanto. Tive um arrepio quando suas mãos subiram e agarraram os meus ombros.

— Porque é importante.

Eu ri-me, não achando piada nenhuma.

— É perguntar muito, não é? – baseei-me na minha raiva para ter coragem de levantar os meus braços e agarrar as mãos dela, que estavam nos meus ombros. – John, aceita o que eu digo e não faças perguntas. Eu sou um grande mistério e não te posso dar pistas porque se não descobres a verdade – sei que fiz um falsete muito errado, mesmo usando a minha voz mais fina, no entanto, acho que ela percebeu porque as mãos pararam de agarrar com tanta força os meus ombros, apesar de ela empurrar ainda mais a sua face contra as minhas costas.

— Por favor, John… eu preciso de ti – senti com choque que ela começou a soluçar. Ela não chorava e não suplicava. Se eu não achasse a história irrealista (tão irrealista quando eu estar à procura do Pai Natal com as renas dele), até pensaria que ela tinha algum tipo de relação com o Pai Natal.

— E eu também precisei de ti e tu nunca me respondeste – disse, fazendo-a largar-me e virando-me para vê-la. Ela estava uma bagunça. A cara estava vermelha, com lágrimas ainda a cair, o seu cabelo estava desalinhado e os olhos… os olhos estavam verdes, mostrando que ela estava a sofrer muito. Eu não queria aquilo, só queria vê-la sorrir, mas precisava de ser duro com ela. – Mesmo depois destes anos todos continuas a não confiar em mim.

A face dela distorceu-se numa careta e ela começou a brincar com as mãos, mostrando o nervosismo.

— Não é não confiar, eu não te posso contar.

Estreitei os olhos para ela.

— Na nossa linha de trabalho isso é o mesmo. Não confiar... não poder contar…

— Mas não é! – espantei-me pelo grito fino que ela deu. – É um segredo. Um segredo em que nunca te irias acreditar e que eu nunca te poderia mostrar. Tu prometeste que aceitavas quando nos casamos.

Eu rangi os dentes, irritando-me.

— É difícil quando temos a nossa filha a perguntar por ti e tu não dás noticias durante um mês, até que apareces do nada, como se nada tivesse acontecido.

— Ela sabia onde é que eu estava.

Eu dei um passe para trás em choque. Ela sabia? E eu continuava na ignorância?

— Chega. Eu já não quero saber de mais nada. Fica aqui na tua missão impossível que eu vou para casa. – Eu virei-lhe as costas, contudo dei um passo para trás porque bati contra alguém, alto, forte e com uma cara de vilão.

Certo, não é muito bom dizer que x pessoa tem cara de bonzinho da fita ou y tem cara de vilão, no entanto, ele tinha. Era careca, tinha um bigode e estava completamente vestido de preto.

— Estão à procura do Pai Natal? – foi a única pergunta dele.

Senti-me em perigo e, por isso, dei mais um passo para trás, agarrando-a com o meu braço e pondo-a para trás de mim.

— Sim.

— Eu recebi esta carta.

Só tive tempo de piscar antes que ele me entregasse a carta e desaparecesse da minha vista, com passos rápidos, nem me dando tempo de o chamar. Eu abri rapidamente o envelope, tendo uma ligeira impressão de que a Sarah estava ao meu lado a ver o mesmo que eu: o Pai Natal a agarrar um jornal do Brasil naquele dia.

— Brasil? – Eu perguntei, não tendo energia para mais.

Eu acho que ela sorriu por um segundo, mas deve ter sido impressão porque ela só disse:

— Brasil.

Não lhe disse mais nada, ignorando-a e subindo para o trenó que se encontrava a pouca distância dali. A Sarah fez o mesmo e fomos em silêncio para o Brasil. Não faço a mínima ideia de quantos quilómetros nós fizemos naquele curto espaço de tempo, mas posso dizer que chegamos em poucas horas ao Brasil, a tempo de ver o fogo-de-artifício.

Acho que foi por causa da beleza do espetáculo que acabamos por o ver no trenó, com a cabeça da Sarah encostada no meu ombro. Eu não tenho orgulho em admitir mas eu tinha saudades daqueles momentos, de nós os dois sozinhos e, por isso, passei um braço pelos ombros dela, puxando-a contra mim.

— Porque a vida é tão difícil? – sussurrou.

Olhei de relance para ela.

— É difícil, mas tens que admitir que ela é bonita.

Ela corou e encostou-se mais contra mim.

— Eu só queria que tivéssemos paz.

Ri-me.

— Por mim, estávamos hoje em casa, a ver o fogo com a nossa filha. Tu é que não queres paz.

Ela estremeceu, claramente incomodada com o que tinha dito.

— Eu não posso… nós precisamos encontrá-lo.

Eu suspirei.

— Porque é que ele é assim tão importante? Por favor, Sarah, responde-me. As teorias que eu tenho não são muito favoráveis a ti. — Suspirei outra vez e passei uma mão pelo meu cabelo curto. – Raios, o motivo para eu nunca te ter seguido, procurado uma resposta este tempo todo, foi esse. Porque as minhas teorias eram desfavoráveis a ti. Eu sempre esperei que tu confiasses em mim, mas nada em oito anos. Eu mereço respostas…

Ela enrijeceu, mas eu já não queria saber. Nós tínhamos que ter uma conversa séria.

— Tu mereces respostas… — ela murmurou cautelosamente. – Mas eu não as posso dar – ela entrelaçou-me a mão. – Aproveita só o momento.

Olhei para o céu, com o meu coração despedaçado. Gostava demasiado dela, afinal, tinha aguentado oito anos daquilo, porém já não aguentava mais. Eu sabia disso e ela também.

— O nosso último fim de anos juntos – murmurei, com um sorriso por causa da ironia. – À procura do Pai Natal. Bem, é irrealista o suficiente para eu me acreditar.

Ouvi-a rir levemente e isso tirou-me um estranho peso de cima.

— Então, podemos aproveitá-lo uma última vez? – Ela murmurou, desencostando a sua cabeça de cima do meu ombro.

Olhei para ela e vi que ela estava muito perto da minha face e eu conseguia ver o reflexo do fogo-de-artifício nos olhos dela. Ela era linda, parecendo que não tinha envelhecido um dia e eu continuava a sentir-me um maldito adolescente. O meu coração batia maluco, a minha mão transpirava e eu vi-me inconscientemente a agarrar o queixo dela e a acariciá-lo com todo o carinho que sentia. Eu amava-a… amava-a tanto que doía.

— Uma última vez? – perguntei rouco, vendo-a fechar os olhos com o meu toque.

— Sim – ela sussurrou e eu fui apanhado por seu cheiro intoxicante.

Eu queria e não queria, mas aqueles lábios e aquele cheiro ganharam, fazendo-me aproximar dela, ainda com a mão a agarrar-lhe o queixo. Houve um som mais alto por causa do fogo-de-artifício e isso deu-me consciência suficiente para saber que beijá-la era um erro porque eu nunca me iria esquecer e ficaria sem forças para continuar a pedir o divórcio. No entanto, aquele cheiro era demasiado aliciante e eu precisava de tocá-la, o que me fez fazer a coisa mais estúpida de sempre, com a minha mão que lhe estava a agarrar o queixo, virei-lhe a cara ligeiramente, vendo o espanto nos olhos que estavam muito verdes e beijei-lhe a bochecha, ao lado da minha mão. Eu sei que demorei mais tempo do que o necessário porque eu precisava que ela visse o meu amor, o meu sentimento e isso fez com que eu até fechasse os olhos, sentindo a pele suave dela contra os meus lábios e o meu coração que estava demasiado despedaçado para eu sucumbir ao desejo.

Os olhos dela, brilhantes, espantados e inevitavelmente com desejo, seguiram-me enquanto me afastei, ainda agarrando o queixo dela. Ela queria que eu a beijasse, contudo eu não ia porque não podia. Acho que ela percebeu os meus sentimentos porque agarrou-me a cara, carinhosamente, como eu estava a agarrar e sussurrou:

— É assim tão difícil despedires-te? Uma última vez?

Fechei os olhos com dor. Precisava ser forte porque não queria que a nossa filha crescesse numa casa com pessoas a discutir. Eu tinha crescido assim e tinha prometido que nunca seria um pai dessa forma.

— Uma última vez? – ela sussurrou contra os meus lábios.

Raios, eu sentia a respiração dela e queria tanto encurtar aquela distância, deliciar-me no toque suave dela e dizer-lhe o quanto a amava… dizer-lhe para não me deixar. Para lutar contra o meu pedido. Sei que inevitavelmente entreabri a boca, porque senti um choque elétrico por ela me ter mordido o lábio inferior.

— Uma? – ela continuou a sussurrar.

Estava em choque e acima de tudo eu queria tanto aquilo que abri os olhos para ver a face dela afastada só uns centímetros de mim.

Não aguentei e não respondi verbalmente, encurtando a distância mínima entre nós, agarrando-a pelos ombros e puxando-a contra mim. Senti a mão dela ir para o meu cabelo enquanto beijava com todos os meus sentimentos reprimidos aqueles lábios. Não tenho bem consciência do que aconteceu naquele meio tempo, só sei que aquilo acabou rapidamente, comigo tendo um pensamento claro de que o que estava a fazer era errado e de que quem iria sofrer seria eu.

— Isto foi um erro – foi a única coisa que consegui dizer vendo os olhos dela tão verdes que pareciam esmeraldas, os lábios provocantes e o meu corpo lutar contra a minha mente porque eu queria continuar a beijá-la.

Por um instante, achei que ela me fosse beijar porque a vi inclinar-se para mim enquanto a mão dela descia para o meu pescoço, mas esse momento acabou como começou, comigo vendo-a a desviar a cara e afastar-se de mim, não murmurando nada.

— Bem — eu disse, vendo que ela continuava a olhar para o outro lado –, acho que temos que telefonar para a nossa filha e encontrar um hotel para passar a noite.

Ela assentiu, continuando a não olhar para mim e, por um momento, tive um relance de lágrimas na face dela, mas deve ter sido imaginação porque eu recusava-me a admitir que ela chorava.

— John? – espantei-me por ouvir o tom hesitante dela.

— Sim?

— Eu… — ela parou. – Se nós não encontrarmos o Pai Natal até daqui a treze dias, que deve de ser tempo suficiente para percorrer o Brasil, voltamos para casa e eu vou te dar umas respostas. Podes ficar este tempo comigo?

Pisquei os olhos, espantado por vê-la olhar para mim de uma forma tão frágil que só me dava vontade de abraçá-la e dizer que ia ficar tudo bem.

— Respostas como o porquê disto ser tão importante?

Ela suspirou e olhou para o chão do trenó.

— Sim, se… — ela engoliu em seco, parecendo ter medo. – Se não te acreditares, pelo menos tentei e não fugi como tu não estás a fugir agora.

Ela tentou dar-me um sorriso encorajador, contudo não foi bem-sucedida.

— Vais me dar respostas?

Acho que pareci uma criança a pedir um biscoito, porque ela riu suavemente e os seus olhos brilharam mais descontraídos.

— Sim.

Eu apertei-lhe a mão.

— Então eu prometo que vou acreditar mesmo que digas que és o Pai Natal em pessoa.

Ela deu-me um pequeno sorriso forçado e eu correspondi. O que nós não sabíamos é que tínhamos uma pessoa a ouvir-nos.

Uma coisa que tenho a dizer sobre o Brasil é que ele é grande. Tinha achado que os treze dias era exagero, mas não foi. Nós fomos a diversas cidades e eu fiquei espantado pela beleza daquelas paisagens. Inevitavelmente, com a nossa história tão mal resolvida, eu e a Sarah estávamos cada vez mais próximos e eu sabia que se ela dissesse somente que não se queria divorciar, eu iria ceder. Eu amava-a.

Enfim, os treze dias passaram e nenhum cheiro de Pai Natal ou pessoas estranhas a entregarem cartas.

— Vamos para casa?

Ela olhou para o relógio e suspirou com tristeza.

— Vamos. Não existe nada que possamos fazer e temos uma filha à nossa espera.

Como era meia-noite, só chegamos a casa na manhã de dia catorze. Nós estávamos tão cansados que adormecemos e fomos o caminho todo a dormir, com a Sarah a agarrar-me o peito. Acho que as renas pararam em algum lado porque acordamos nos EUA com o sol a bater-nos na cara, nas traseiras de uma casa. Ao ver que nós acordamos, elas voltaram a mexer-se e eu vi-me rapidamente à porta de casa.

— Vais-me dar as respostas, Sarah?

Ela assentiu, ainda meia ensonada.

— Deixa-me só ir ver a nossa filha primeiro.

Assenti, não percebendo essa necessidade, mas respeitando. Até porque eu estava cheio de saudades da minha pequenina.

Então nós saímos de casa e assustámo-nos quando a vimos a correr até nós, agarrar cada mão e levar-nos para a sala, sem nos deixar dizer uma única palavra.

Esperávamos encontrar os meus pais, mas não esperávamos encontrar o Pai Natal, com o fato de Pai Natal, sentado, com a sua barriga saliente, a sua barba saliente e os seus olhos castanhos brilhantes, a beber um chá no sofá da nossa casa.

Tinha feito aquela viagem toda enquanto ele estava ali? Eu podia ter passado aquele tempo todo com a minha filha? E ninguém me disse nada nos telefonemas diários que eu fazia?

Esperem lá… eu tinha o Pai Natal em casa. O que é que ele estava a fazer ali?

— E-eu… o quê?

Não consegui dizer nada mais coerente e fiquei mesmo sem palavras quando vi a Sarah largar a mão da nossa filha, murmurar um “Oh” e correr para o Pai Natal abraçando-o. Eu acho que tinha um macaco com dois pratos na minha cabeça, a baterem um contra o outro, porque pensamentos é que eu não tive.

— PAI!

Certo, pai... Pai Natal. Era isso. Que estava na minha sala. Se calhar era um sonho da Sarah conhecer o Pai Natal. Quem é que não respondia assim ao Pai Natal depois dele passar este tempo todo desaparecido? Ninguém, é claro que ninguém iria ficar em pé, feito estátua, a olhar para aquela cena sem se acreditar e desconfiando que os últimos dias tinham sido um sonho. Só uma pessoa muito idiota é que faria isso, não é? Escusado será dizer que eu sou muito idiota.

— Onde estiveste? Alguém te raptou? Já falaste com as autoridades? As renas estavam tão preocupadas. E eu? Oh, pai.

Ela abraçou-o outra vez, fazendo-o gargalhar.

As minhas pernas enfraquecerem, não me acreditando nos meus olhos e sentei-me no sofá de costas para eles, fingindo que não estava a ver nada. Ali só se passavam coisas normais, como a minha futura ex-mulher abraçar o Pai Natal, chamá-lo de pai e parecer muito familiarizada com ele. Ah, e esqueci-me de mencionar ele estar desaparecido para o Mundo? Que os melhores investigadores estavam à procura dele? Inclusive eu, que percorri quase metade do mundo para o encontrar na minha casa, mais especificamente na minha sala? Era tudo normaaaaaaal.

— Pai?

Ignorei a voz, lembrando-me da Sarah, até que percebi que era a minha filha que olhava alarmada para mim.

— Está tudo bem? O avô está bem, não precisas de te preocupar.

Senti uma gargalhada nervosa sair da minha boca ao a ouvir falar. Avô? Pai? Isto era tudo normal.

— Pai?

— Sim, filha, o pai só fez uma longa viagem – eu disse passando uma mão distraidamente pela cabeça dela. Fez uma longa viagem e está a alucinar, foi o que eu não disse. – Acho que preciso de dormir um pouco. Acorda-me daqui a uma hora.

Deitei-me no sofá, tentando adormecer imediatamente para ignorar a voz daquele idoso e da minha futura ou não futura ex-mulher.

Respostas. Pai Natal. Desaparecido. Avô. Quem é que eu queria enganar? Nunca na vida seria capaz de dormir com aqueles pensamentos todos na cabeça.

— John.

Oh, a minha futura ou não futura ex-mulher estava a chamar-me.

— Ele está acordado. Só te está a ignorar. Levanta-te rapaz!

Fiz uma careta para o Pai Natal, também conhecido em minha casa como Pai ou Avô, e abri os olhos, vendo a figura da minha futura ou não futura ex-mulher ao lado dele, tendo ele um braço por cima dos ombros dela.

Perfeito, até pareciam um pai e uma filha. Pelo menos tratavam-se como tal.

Suspirei e sentei-me, vendo que a minha filha ainda estava à minha frente. Levantei-me e virei-me para a mesa, sobre a qual havia comida distribuída. Sentei-me lá, servi um café e fiquei à espera que os outros presentes fizessem o mesmo.

— Estás bem?

Dei um meio sorriso para a minha não-sei-bem-o-quê-mulher e vi-a sentar-se ao meu lado, passando a mão pelo meu braço encorajadoramente.

— Eu finalmente vou responder a tudo.

Senti uma gargalhada querer sair dos meus lábios, mas não podia porque sei que ia ofendê-la e eu prometi que iria acreditar em tudo.

— Então, meu rapaz, espero que tenhas tratado bem a minha filha.

Fiz outra careta e desconfio que o Pai Natal tenha achado que a minha idade mental era de cinco anos, mas eu não podia fazer mais. Eram demasiadas surpresas para um dia.

— PAI! Deixa-me falar primeiro, não o assustes.

O Pai Natal riu-se e eu fiz outra careta e um som estranho numa imitação de um riso.

Café!

Eu tinha café! Pus a chávena rapidamente nos lábios para não ter que dizer nada nem fazer mais figuras tristes.

— Vou te dar, finalmente, as respostas. – Eu olhei para a Sarah, que parecia alegre. – Eu passei aquele mês e todas as outras vezes que desapareci com o meu Pai, no Pólo Norte.

— É verdade, pai – assentiu a Rose, mostrando que ela sabia.

Pus toda a minha concentração em pousar a chávena para não fazer uma careta para a minha filha.

Olhei concentradamente para eles, fazendo a minha melhor cara de interessado, lambi os lábios, pus o meu melhor sorriso e virei-me para a minha mulher.

— E porque não me informaste? Se a nossa filha sabia?

Pisquei os olhos no devido tempo, cruzei as mãos e esperei educadamente por uma resposta. Estavam a ver como eu sabia agir como um adulto? Não fiz caretas, comentários ofensivos, nem nada. Eu até ficaria orgulhoso de mim se não estivesse a usar toda a minha concentração para manter aquela postura.

— Eu não podia. – Ela olhou nervosamente para o chão. – Ias acreditar-te se eu dissesse que era filha do Pai Natal? Quando nunca poderias ir visitar o Pólo Norte porque só os de sangue dele podem? Além de que eu só te podia dizer depois de casada…

— Já estamos casados há seis anos.

— Querida, trouxe um presente especial para ti – o Pai Natal disse, levantando-se e agarrando o ombro da Rose.

Senti-me agradecido em relação aquele homem quando ele levou a Rose dali e eu relaxei, virando-me para a minha mulher.

— Eu não podia – ela respondeu, ficando com os olhos esverdeados.

— Mesmo depois de casados?

— Eu não te podia mostrar e era perigoso. Ninguém podia saber da minha ligação com ele porque se não ficávamos todos em perigo.

— Mas contaste à nossa filha.

— Eu tive que contar porque ela é descendente dele. Ela tinha que conhecer a mansão dele. Além de que o combinado era só ir dois ou três dias todos os anos. Tu tinhas aceitado isso quando nos casamos. Este ano é que foi pior.

— Por quê?

— Porque ele não queria festejar o Natal e recebia ameaças quase diariamente. Eu fiquei preocupada e passei aquele tempo todo a ajudá-lo e eu não te podia contar porque se não o perigo passava para nós.

— Eu não ia dizer a ninguém.

— Eu sei! – Ela tapou a cara com as mãos parecendo aflita. – Mas eu não queria ver a tua reação. Não te acreditares em mim e achares que era maluca ou então pior… Achares que toda a nossa vida foi uma mentira por eu não te dizer isto. Eu tinha medo, John.

Engoli em seco ao ouvi-la soluçar. Ela estava a sofrer por minha causa… Uma vozinha na minha mente dizia-me para a deixar sofrer porque ela podia simplesmente me ter dito e isto era tudo evitado mas eu gostava demasiado dela para isso, por isso, levantei-me e agarrei-lhe o ombro.

Vi-a olhar para mim, com lágrimas a escorrerem pela sua face e só murmurei um “anda cá” enquanto a puxei para mim e a abracei.

— Eu amo-te e iria aceitar-te mesmo que fosses filha do pior homem à face da Terra –suspirei quando a senti agarrar a minha camisola.

— E-eu tinha medo. Obrigada.

Fechei os olhos e apertei-a mais contra mim.

— Nunca tenhas medo de mim ou das minhas reações. Eu não te quero magoar.

— Eu sei, mas…

— Não precisas de dizer mais nada. Está tudo bem.

Ela sossegou no meu abraço e encostou a sua testa ao meu ombro.

— Obrigada… por tudo.

Eu sorri.

— De nada, mas, Sarah, responde-me a uma coisa. Se tinhas tanto medo da minha reação para não nos separarmos, por que aceitaste o meu pedido de divórcio?

Ela enrijeceu enquanto me apertava ainda mais.

— Eu queria contar-te a verdade, mas não podia. Então pensei em resolver a situação no Natal. Ou apresentava-te o meu pai ou ia afastar-me de ti definitivamente porque era demasiado perigoso. Quem lhe fazia ameaças podia vir atrás de ti e da Rose também.

Suspirei e comecei a mexer-lhe no cabelo.

— Da próxima vez que tiveres um problema, fala comigo. Nós vamos conseguir resolver juntos.

— Eu prometo.

Eu ri e ela fez o mesmo enquanto nos afastamos.

— Foi preciso o Pai Natal desaparecer para seres honesta contigo, Sarah? – ouvi uma voz mais velha dizer e vi a figura do Pai Natal aparecer na sala.

Ele olhou para mim e eu vi divertimento nos olhos castanhos dele.

— Ela sempre gostou demasiado de ti, no entanto, tinha medo de ser rejeitada. Também não ajudou que eu a tivesse proibido de te contar enquanto namoravam e no primeiro ano de casados. Só quando a Rose nasceu é que eu deixei e aí ela já tinha demasiado medo para te contar. Enfim, já resolveram os vossos problemas, certo?

Nós assentimos.

— Mas o que aconteceu consigo?

— Vocês vão saber toda a história agora. Sentem-se – ele disse apontando para o sofá.

Nós obedecemos-lhe, indo até ao sofá e sentando-nos ao lado dele. Ele ligou a televisão e eu vi que estavam a dar as notícias com uma jornalista a apresentar.

— Acabamos de saber que o Pai Natal está bem e tem uma mensagem para todos nós. Vamos ouvi-la.

Pisquei os olhos quando vi o ecrã, aparecendo o Pai Natal.

— Bom dia, crianças, jovens e adultos. Espero que tenham tido umas boas férias e umas excelentes festas. Eu sei que isso não aconteceu para muitas pessoas devido ao meu desaparecimento. Tenho a dizer-vos que estou bem e nunca fui raptado. Só decidi seguir um conselho de um velho amigo.

Ele suspirou e eu consegui ver as rugas acentuadas no meio daquela barba branca.

— Ele dizia-me que o facto de eu vos dar presentes fazia as crianças perderem a noção do bem e fazia-as crescer com a intenção que só deviam de fazer o bem quando recebiam os seus presentes preferidos. Essa mesma pessoa disse que as famílias estavam, cada vez mais, a perder a noção de família e se separavam e discutiam por qualquer coisa. Eu não me acreditei nisso. Acreditei que era tudo ilusão dele. No entanto, não era. Sabem qual era o maior pedido das crianças? Que os pais parassem de discutir. Que os pais falassem. Que os pais dessem uma oportunidade à outra pessoa porque se amavam.

Engoli em seco e a mão da Sarah agarrou a minha.

— Se existe coisa que o Natal é, é uma época de família, de bondade, de ajuda ao outro, sem discriminação. Como é que a sociedade tinha mudado tanto? Se importavam mais com os bens materiais, com o dinheiro, do que com as pessoas amadas? Quando é que as pessoas pararam de ser humanas para serem máquinas com objetivos e esquecerem-se que os outros também têm sentimentos?

Ela parou mais uma vez e eu vi repreensão clara naqueles olhos bondosos.

— Eu precisava fazer alguma coisa e segui o que o meu amigo disse. Não ia festejar o Natal. Ia ver a reação das pessoas e às escondidas iria dar pequenos presentes às pessoas. Oportunidades para elas passarem mais tempo juntas e resolverem os problemas, dicas para se lembrarem o que significa o Natal. Ou seja, os melhores presentes que eu podia dar. E este foi o resultado.

Ela parou mais uma vez e tudo fez sentido. As renas, o homem que apareceu quando eu estava para desistir. Ele estava a assistir e queria que eu e a Sarah nos reconciliássemos. Um sorriso formou-se ao ver que eu tinha tido o melhor presente possível e passei um braço pelos ombros da Sarah, vendo-a com um sorriso idêntico ao meu, encostar a sua cabeça no meu ombro, como quando vimos o fogo-de-artificio.

— Muitos vão-se queixar que não vêm diferença, mas existe. As pessoas no dia de Natal estavam preocupadas comigo e, por isso, eu sinto remorsos. No entanto, não sinto remorsos pelo que fiz. Eu vi crianças passarem o dia com os pais, a conversarem e a brincarem nestas férias. Vi casais a recuperarem-se porque pela primeira vez em muito tempo pensaram na vida e pensaram que apesar de ela estar a mudar, como não existir Pai Natal, eles acima de tudo não queriam passar o Natal sozinhos, sem a pessoa amada. Por isso, eu não me arrependo de nada do que fiz e o meu amigo tinha razão. No entanto, eu sou o Pai Natal e preciso de vos dar um presente. – Ele sorriu e eu vi a juventude nele. – Aqui está ele – ele disse abrindo os braços. – O conceito de família e neve para vocês poderem divertir-se. Peço desculpas aos países que estão atualmente no verão mas este é o meu presente para vocês e amanhã volta o bom tempo. Espero que se divirtam e sejam felizes. Para o ano, espero não ter que voltar a fazer o mesmo – disse piscando o olho e a figura dele desapareceu dizendo o seu famoso “HOHOHO”.

— Então? – perguntou.

Só me levantei e sorri, de frente para ele.

— Obrigado – Disse, estendendo uma mão.

Ele sorriu e correspondeu.

Foi sem dúvidas um Natal diferente, mas foi acima de tudo uma lição de vida e eu percebi isso quando almocei com ele, a minha mulher e a minha filha. O que eu senti pela Sarah era inexplicável e eu não me esqueceria tão depressa daquela lição. Respeita a tua família, lembra-te dos laços que vos unem como Humanos e acima de tudo, vive por essa Humanidade, não pelo dinheiro ou bens materiais.


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Notas finais do capítulo

Quero agradecer todo o apoio e trabalho que a beta desta história teve: Halina. Mais uma vez, um muito obrigada ^^.