~alguns minutos antes~

Tudo que eu sabia, naquela manhã em que acordei, é que havia algo diferente, que eu nunca havia visto antes.

Tudo que aconteceu, as coisas que vi nesses dois dias foram mais do que vi nos meus últimos 18 anos.

Eu fecho meus olhos por um momento e o momento se foi.

Todos os meus sonhos passam pelos meus olhos.

Faço algumas bolas com a neve que as vezes formam pequenos montinhos ali no topo e brinco de jogá-las longe além do pé da escada.

Ali, esperando no frio, vejo algo se mover na floresta branca. Perto de onde a escada começa.

Vejo uma grande montanha branca se movimentar, libertando-se da neve restante, que cai aos seus pés enquanto aquela coisa anda.

É grande, como uma montanha de neve ambulante seria. E não parecia nada amigável.

Me mantive imóvel, encarando as costas daquele monstro.

Vira-se de súbito e me olha, claramente me tornando seu alvo.

E eu claramente morrendo de medo.

Ele ruge alto e grita.

Me levanto ainda no mesmo lugar e com os braços estendidos em sua direção.

–Me desculpa, eu não sabia...

–Vá embora! - ele grita alto e seus olhos acendem-se em azul.

–Mas eu...

–Vá!!! - ele grita ainda mais alto e eu não tenho para onde correr.

Me encosto no grande portão tentando pensar enquanto ele começa a andar devagar subindo as escadas.

Começo a planejar uma fuga complicada pela lateral da escada, que com certeza poderia me deixar alguns hematomas que seriam curados, claro, pelo meu cabelo, isso se ele não quebrasse meus dentes e assim ficaria impossível cantar, penso nisso quando de súbito a porta abre e eu caio para trás, apenas dando tempo de ver o grande portão de gelo fechar aos meus pés e alguém impedindo que o monstro entrasse.

Minha cabeça latejava com a queda, eu não estava preparada.

Coloquei as pontas dos dedos indicador e polegar nas têmporas e respirei fundo.

–Você está bem? - ouço uma voz falar logo acima da minha cabeça.

–Não, na verdade, não muito. - começo dizendo e direciono meus olhos para olhar aquele que pegava minha mão, me ajudando a levantar, enquanto minha outra mão segurava um possível corte na minha testa.

–Desculpa não ter chegado antes. - nossos olhares se encontram, uma mistura de verde com avelã. - Marshmallow pode ser bem malvado quando perturbado.

Marshmallow?!

Sinto seu hálito de menta me invadir as têmporas e sussurro uma mistura de "obrigada" com "não foi nada".

Suas mãos me levantam e fico de pé, completamente inerte em meio aos seus olhos.

Não tinham a tonalidade que algumas pessoas ficariam encantadas, pelo contrário, eram tão normais que chegavam a ser diferentes, eram uma mistura de verde com um mel, que possivelmente poderia retratar e desvendar qualquer mistério em qualquer pintura.

Ele abre um sorriso terno e branco e dois pontinhos se cavam em suas bochechas, um de cada lado.

Bagunça meu cabelo, como se fôssemos velhos amigos, e me orienta para algum lugar daquele castelo.

Não falamos muito.

Nem mesmo quando ele tirou o cobertor da cama e me enrolou com aquele tecido grosso e quente.

Nem mesmo quando sorri de volta e ele me abraçou para que o cobertor não caísse e para que ambos se esquentassem.

Era como se nossos sorrisos e olhares já dissessem o que a boca não queria falar, talvez fosse o frio, ou talvez nós não precisávamos mesmo falar algo naquele momento.

Sentei na cama de gelo coberta ainda com um fino mas quente lençol de pele e ele me acompanhou.

–Obrigada mesmo.

–Não tem de quê.

–Não - sorrio - obrigada mesmo, não sei nem se posso confiar em você mas, quem sou eu pra duvidar agora não é?

Ele ri.

–Olha, se quiser me chamar de herói eu aceito.

Rio.

–Não seja convencido, - me afasto um pouco dele - mas é verdade, eu teria morrido, ou de hipotermia ou aquele monstro teria me pego, um dos dois.

–Mas não morreu, meu nome é Jamie a propósito - abre mais um sorriso.

–Me chamo Rapunzel.

–Okay, Rapunzel - sorri com um misto de diversão e cavalheirismo, percebo que ele tem vários sorrisos diferentes, como se fosse capaz de distribuir por aí sem que lhe falte nunca - agora tenta descansar, eu vou falar com Elsa.

Abro meus olhos de súbito e o encaro.

–Ah céus! - digo e me levanto rapidamente da cama. - Jack! Ele vai ficar preocupado se chegar lá e não me ver.

–Pera, pera, calma - ele segura meu braço rapidamente, mas com calma no toque. - você quer dizer... Jack... Frost?

–É. - falo e me viro com pressa. - Ele vai ficar preocupado.

–Ah, não não não, calma - me vira pra ele. - você está me dizendo que Jack Frost está nesse castelo? Aqui?

–Sim, já disse, o que é que há, Hein? Qual o problema?

Ele encara o nada e sorri largamente, sussurrando.

–Ele voltou. - sussurra mais alto um pouco - Ele... Ah meu Deus, ele voltou! - mais alto. - Rapunzel, ele por acaso foi até o quarto da Elsa?

–Sim, eu acho, quer dizer, foi até a varanda aberta.

–Elsa deve estar tão feliz, meu Deus! - ele põe as mãos pelo cabelo e os puxa pra trás.

–Calma - viro minhas mãos para quase segurar seus braços, mas estas ficam apenas pairando entre a dúvida do segurar ou não. - Eu preciso avisar que estou bem, se ele não me ver no local que era pra me ver, ele vai surtar. - ajeito o casaco colocando as mãos dentro daquele tecido azul, que não servia em nada pra esquentar.

Ele encara o casaco.

Eu reviro os olhos.

–É, eu estou usando o casaco dele, agora melhor eu procurá-lo, tá?

–Não, não sem mim. Elsa te mataria. - diz brincando, mas mesmo o seu sorriso não me tirou a ideia de que ela poderia me matar, realmente.

–Tudo bem. - digo e ele encosta sua mão levemente nas minhas costas empurrando devagar até um largo e longo "corredor".

No meio do caminho escuto meu nome sendo gritado ao longe.

–Rapunzel!

Jamie me olha.

–Vamos, por aqui, ele deve estar lá fora, se chegarmos até Elsa, esta tem sua varanda aberta, chamamos ele dali.

–Tudo bem. - assenti com a cabeça e caminhei junto dele até uma grande porta de gelo com uma coroa enorme esculpida nela própria.

Quando Jamie bateu e a porta se abriu, a coroa desenhada dividiu-se ao meio e entrei logo atrás dele, só para ver a cara espantada e ao mesmo tempo aliviada do Jack, que estava na varanda, acabando de chegar.

Elsa não me olhou diretamente nos olhos.

Ou se olhou, eu estava ocupada demais tentando esconder o fato de estar com o casaco do namorado infinito dela.

Jack chegou perto agora, sorrindo aliviado.

–Que susto você me deu loira, sério. - Elsa encara Jack quando ele profere esse apelido, e depois direciona seus olhos frios, gélidos, de um azul, naquele momento, tão fatal quanto cair em meio a águas geladas enquanto uma grande barreira de gelo se forma em sua cabeça, era exatamente como eu estava me sentindo agora. E ela sorria com o canto da boca.

–Oi - decido me manifestar. Talvez fosse uma péssima ideia.

–Olá. - ela diz e estende sua mão, quase do mesmo tom branco de seu cabelo, em minha direção para cumprimentar-me. - Elsa.

Aperto-lhe a mão.

A sensação de apertar a mão de Elsa era como segurar a ponta de um iceberg por algumas minutos. Não que eu já tivesse segurado algum iceberg na vida, mas com certeza seria tão gelado quanto.

–Rapunzel. - retribuo rapidamente soltando a mão.

–Elsa, precisamos conversar, ela não tem onde ficar e eu já lhe expliquei o porquê... - ele encara Elsa e seus olhares eram como uma briga entre azuis, na qual ambos saíam ganhando. Jack sabia como enfrentá-la, seus olhos possuíam uma diversão e um encanto que nem a rainha do gelo negava.

–E pra onde pretende levá-la depois? - sua expressão era seca, e Jack pareceu perceber, mas se percebeu, nada falou, talvez ela fosse assim mesmo, mas se era, por que Jack descrevera ela de um jeito tão bom?

–Vamos, todos nós, encontrar meu velho amigo, - enfatiza o "todos nós" eu não vou deixá-la de novo, nunca mais. - sorri e segura o queixo de Elsa, levantando levemente a fazendo desfazer sua cara de "sou a rainha má, e vou te congelar" e sorrir revirando os olhos com aquela brincadeira de vai e volta do queixo.
Seu sorriso era um frescor de neve, tão branco que doía.

–Como é mesmo o nome dele? Você não me falou antes de ir na última vez. - ela o encara e ele ainda segura seu queixo, dessa vez perto demais de seu rosto, quase a beijando, e eu vi o quanto eles combinavam juntos. Até demais.

–Hiccup.

Ela ri. Ela literalmente ri. Tem que se desvencilhar um pouco de Jack para que sua risada parasse pelo menos um pouco. E conforme ela ri o castelo vai ficando azul claro tanto dentro quanto possivelmente fora.

Neve brota de seus pés.

–Soluço? Sério? - diz entre uma risada e outra. Era uma risada melodiosa, bonita, como uma sinfonia. - E eu ainda estou rindo.

Jack ri também e a abraça.

–Eu fiquei com saudades das suas risadas.

–Não precisa mais ter. - ela sorri e aproxima sua boca da dele, ali na nossa frente, e o beija forte. Tipo, forte.

Tento disfarçar olhando pra cima, para um lado, para a varanda, qualquer lugar, Jamie faz o mesmo e me olha, desviando o olhar logo em seguida.

De repente um arrepio me percorre a espinha.

Sinto minha barriga dar voltas e meu coração quase pular, quase, do peito.

Estreito os olhos.

Uma sombra negra passa rapidamente pela varanda, tão rápido que não tive tempo de perguntar se Jamie vira o mesmo.

Um vulto de tamanho considerável havia passado ali, eu não estava ficando louca.

E pior ainda, o vulto era extremamente parecido, silhueta, cor, velocidade (se é que isso era possível) com o que via nos meus aniversários.

A mesma vibração, mesma sensação de vazio de sempre preencheu meu ser.

Estreito os olhos e caminho devagar alguns passos a frente.

Não muito.

Apenas dois ou três passos largos até chegar a varanda. Não olhei para trás para ver se Jamie me observava.

Sinto meus olhos marejarem.

Sinto minha garganta secar.

Sinto o vento bater frio e quase desejo que ele me congele.

Pois lá embaixo, alguns metros abaixo daquela grande varanda, eu vejo.

Não era uma sombra qualquer, era menor, era uma silhueta negra, com ventos de areia negra a contornando.

Aquela coisa me encara de trás de uma árvore com pontos de neve branco.

Não possuía olhos, nem buracos, nem nada, era literalmente uma silhueta de sombra sem nada mais.

Ameaço começar a chorar alto, por que ali, naquele lugar, na possível mão daquela silhueta de negritude, eu vi.

Um espelho de mão pendia, todo enfeitado de pedras verdes, esmeraldas.

E eu o reconheci.

Era o mesmo que minha mãe usava, o mesmo espelho que ela mais usava.

Ela adorava aquele espelho, e eu nunca entendi o porquê.

Ela sempre teve esse espelho de mão e o grande do mesmo jeito e com a mesma moldura.

Parecia um par.

Mas esse estava agora na mão daquela coisa.

E choro quando este joga o espelho para cima e o estilhaça no ar.

A neve branca é preenchida por pedaços de vidro e algo escrito, em letras grandes e vermelhas.

"Venha comigo"

Me olha e some por entre as árvores.

Sinto meus olhos pesarem e posso ter gritado, mas se gritei não me ouvi.

Depois tudo que vejo é a escuridão.

~•~