Secrets escrita por Yukii


Capítulo 2
Secret 2 - The Sister




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A calçada fria acolhia os passos incertos de Botan. Ela não conseguia pensar direito enquanto caminhava; caminhar não era algo que lhe empolgasse muito. Precisava de um estímulo maior para poder refletir com calma; basicamente, precisava voar.

Andou até alcançar uma alameda escura, onde ninguém podia vê-la. Botan subiu no seu remo, e alçou vôo nos céus. Imediatamente, sentiu uma onda de calma possuindo-a; o céu lhe fazia bem. Seus pensamentos, até então presos numa redoma imaginária, puderam voar junto a ela.

Acabara de receber sua nova missão junto a Yusuke. As instruções haviam vindo através de um vídeo; pelo o que pudera ver, tudo se resumia em resgatar uma koorime chamada Yukina das mãos de um impiedoso bandido que se utilizava das lágrimas da koorime para ganhar dinheiro; isso porque as lágrimas dela se materializavam em pedras caríssimas, conhecidas como pedras Hirui. Essa era a história. Ou pelo menos, parte dela.

A parte que preocupava Botan não era aquela. Enquanto voava, rumo a mansão do homem que deveriam desmascarar e derrotar, ela pensava no final do vídeo.

"Yukina é irmã de Hiei."

Era uma frase curta e simples, mal chegava a ser uma oração. Essa frase, porém, poderia vir a causar muitas dores de cabeça; alguém extremamente... apaixonado por Yukina não tomara conhecimento dessa frase. Isso poderia vir a ser desastroso.

Por outro lado, era cômico pensar que Hiei tinha uma irmã aparentemente sensível e bonita como Yukina: era como imaginar um monstro que escondia uma pequena florzinha. Na mente de Botan, era absurdo imaginar alguém ruim ter uma família; se tivesse, provavelmente seria uma família de monstros. Talvez Hiei não fosse tão ruim assim, ponderou ela. Talvez o medo que alimentara durante todo aquele tempo fosse algo sem razão de ser.

- Onna.

O chamado curto e seco a assustou, ao reconhecer o timbre daquela voz; era Hiei. Retirou todos os pensamentos. Não, sem dúvida, ele era muito mal.

- H-Hiei! - a voz dela saiu esganiçada; teria escorregado do remo, não fossem suas mãos ágeis. Olhou para o lado, um pouco abaixo, e reconheceu o koorime. Corria numa velocidade impressionante, um pouco reduzida, porém, para poder acompanhar o ritmo dela. - O que... você...?

- Não faça essa cara horrorosa para mim - disse ele, curto e frio como sempre. Botan enrugou a testa, indignada. - Escute. Não diga a Yusuke nem aquele idiota de cabelo laranja que estou indo salvar Yukina.

- Se você não queria que eu dissesse, não precisava ter me contado - comentou Botan, descontraída. Um segundo depois se arrependeu: o medo que sentia do koorime possuía-a mais uma vez.

- Hunf. Estamos indo pelo mesmo caminho, Onna, quase na mesma velocidade. Era de se esperar que uma hora ou outra você reparasse na minha presença, e, provavelmente, comentasse isso com aqueles dois. Mas, pelo visto, esperei demais de você.

- E-eu...! - Botan calou-se, mastigando as palavras, impulsionada mais uma vez pelo medo. Maldito fosse. - Mas por que você não quer que eu conte, Hiei?

- Não faça perguntas, onna. Apenas obedeça, se gosta de viver.

A guia espiritual sentiu as mãos suarem, enquanto ela repelia mentalmente o medo. Continuaram o caminho, silenciosos; ela, no céu, voando num remo. Ele, por terra, agora um pouco mais rápido que ela. De vez em quando, Botan baixava os orbes rosados para olhá-lo, como uma autodefesa; Hiei, por sua vez, não a olhou em momento algum. Seus olhos pareciam um pouco perdidos; miravam o vazio à sua frente, sem se importar com mais nada, chegando a fazer com que ele tropeçasse algumas vezes nas saliências do solo. Vendo-o daquele jeito, Botan chegava a pensar que ele estava concentrando toda a sua preocupação na irmã. Descartou a ideia em pouco tempo; assustador do jeito que era, ele preocupava-se apenas consigo mesmo.

Um pouco depois de constatar isso, Botan ouviu um ruído um pouco abaixo de si; pareciam galhos se partindo. Pestanejou lentamente e olhou para baixo, surpreendendo-se: em um momento, Hiei corria, desatento a tudo mais, a mente fixada em algum outro lugar; no outro instante, ele estava caído no meio de alguns arbustos selvagens, uma queda violenta.

A guia espiritual soltou um gritinho assustado, antes de pular do remo para ajudar o outro, o medo um pouco esquecido. Quando ela chegou exatamente onde ele estava, Hiei levantava-se, um pouco atordoado e carrancudo, apertando o braço esquerdo; havia um corte ali, e sua cara estava suja de terra.

- Hiei! O que diabos você tem? - Botan tentou ver o machucado, mas ele puxou bruscamente o braço dos dedos dela.

- Me deixe, onna. Não tenho nada. - ele esfregou as mãos no rosto, tentando limpar a terra. Seus olhos estavam estranhos: eram olhos preocupados. A guia espiritual espantou-se ao constatar isso.

Hiei levantou-se de todo, amaldiçoando os galhos e os arbustos. Ia voltar a correr. Antes disso, virou-se para Botan.

- Continue você também. Não temos nenhum tempo a perder.

- H-Hai...

E, de repente, ela entendeu tudo. O motivo do tropeço, dos olhos cheios de preocupação, da desatenção. O motivo se resumia em uma palavra: Yukina. Era por ela, por sua irmã, que ele se preocupava, chegando ao ponto de esquecer de tudo o mais. Era impactante, era surpreendente, mas era verdade. Botan sempre percebia aqueles sentimentos com facilidade; era o mesmo sentimento fraternal que ela movia por Yusuke. O seu medo pareceu infundado, pelo menos a maior parte dele. Ela percebeu que criara um conceito errado de Hiei em sua cabeça; ele não era um monstro desprovido de coração. E tinha amor por alguém; amava sua irmã, e queria vê-la bem. O coração de Botan encheu-se de solidariedade, e ela sentiu uma compaixão estranha pelo koorime que corria perto dela. Ficou tão distraída que foi a sua vez de bater em alguma coisa; chocou-se com violência contra uma árvore, desabando no chão com um estrondo seco.

- I-Isso dói... - resmungava ela, levantando-se precariamente. Assustou-se ao ver Hiei a poucos passos de distância, olhando-a com certo desprezo mesclado de orgulho.

- Tente usar o pouco de cérebro que você tem para pelo menos se manter de pé, onna. Que cena mais deprimente.

- Do que você está falando?! Você caiu há uns cinco minut...

Mas ele não estava mais escutando; virara-se e voltara a correr, com passadas ágeis. "Esse Hiei", pensou ela, "ele sempre tenta me assustar. Acho que ele pensa que eu não sei o ponto fraco dele". A imagem de Yukina revirberou em sua mente, e, de repente, ela sentiu-se mais feliz. O medo, o olhar que virara o segredo mudo deles, tudo estava muito bem guardado.

Chegaram em campo aberto. A mansão que encerrava Yukina estava a poucos quilômetros; Hiei mirava-a com um olhar seco. Botan pousou ao lado dele.

- É aqui? - quis saber ela. Ele não respondeu. - Acho que estamos um pouquinho atrasados. Yusuke e Kuwabara já devem estar por aqui!

Hiei não prestava mais atenção. Afastava-se, sozinho, sem desgrudar os olhos da mansão, como se esperasse que ela desaparecesse a qualquer momento.

- Hiei! - chamou a guia espiritual. - Onde diabos você está indo?!

Ele virou-se para ela maquinalmente.

- Já lhe disse o que devia, onna. Não conte que estou aqui para aqueles dois. Eu vou sozinho e farei do meu jeito.

- Mas...!

- Não conte sobre Yukina ser minha irmã também. Guarde esse segredo, onna.

Sem mais palavras, ele saltou para uma árvore, e desta para outra, e para outra, rondando a mansão.

Botan sentiu vontade de ir atrás dele, arrastá-lo pelos cabelos e tentar ajuizá-lo a sua maneira, explicando que um trabalho em equipe rendia muito mais que meras investidas solitárias. Lembrou-se, porém, do koorime tropeçando no arbusto, dos seus orbes cheios de preocupação e da sua fronte desatenta. Ele era o irmão; devia sentir necessidade de ir sozinho, e ninguém tinha o direito de atrapalhá-lo. De certo modo, ela entendia.

 

E ela guardaria mais um segredo: o segredo da afeição dele.


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