–Ahhh!- Lisa ouviu um grito ensurdecedor, como se estivesse muito perto.

–O que é esse grito a essa hora da manhã?!- levantei assustada, mas percebi algo estranho, meu corpo estava tão leve...-Pode ter sido a Belinda, mas por que ela estaria gritando assim?- Pensei em acordar Arthur mas vi algo bizarro no processo.

Havia uma "outra eu" na cama e nossas pernas pareciam estar coladas, mas eu não sentia nada e a cópia não tinha reação...

–Eu estou com medo! Quem é você??- cutuquei o rosto dela e minha mão atravessou. Recolhi meus dedos instantaneamente, mas antes que eu pudesse fazer algo mais, escutei mais um grito.

–AHHHH! Me salve Olhos de Oris! Eu imploro!

–O som parece que vem de fora da pensão...- Pensei em ir mas queria ver se estava tudo bem com todos antes.

–Ei vocês estão escutando os gr...- Quando me dirigi aos quartos Phill e Belinda estavam dormindo quietamente, mas nada me assustou tanto quanto ver a Dona da pensão pondo o café da manhã, com o bule escorrendo um café congelado no tempo assim como tudo na pensão.

–Vou ajudar vocês depois! - Estava "sozinha" enquanto os gritos aumentavam de volume e frequência e tive que sair para finalmente ver o que acontecia lá fora...

Havia uma mulher com uma aparência transparente, sendo acorrentada por uns seres retorcidos que pareciam miniaturas da grande sombra que me atacou e me jogou aqui nesse mundo.

–Por favor me ajuda!- Ela se esforçava pra falar enquanto correntes estavam no seu pescoço.

–Mas como?- Me lembro de ter encostado nas armas que estavam na pensão mas nenhuma delas se fixava na minha mão.

–Concentre-se, você consegue... aghh... Você tem os Olhos!

–Concentrar, concentrar, CONCENTRAR!- Na terceira vez que tentei perdi a paciência, mas senti poder e a raiva fluindo como daquela vez contra a sereia mas foi diferente...O chão se retorceu em baixo de todos aqueles seres em volta da mulher...

–SOLTEM-A AGORA!- O chão se retorceu mais e mais...Os seres sombrios pareciam que não percebiam o perigo e deram de ombros para mim.

–Eu avisei!- O chão engoliu-os e despedaçou-os como uma tesoura faria com o papel, soltando pedaços escuros pra todos os cantos. A mulher , estranhamente, parecia maravilhada com a chuva de sombras que depois desapareceram...

–Você está bem?- Perguntei estendendo a mão para ela se equilibrar em pé de novo. Ela era uma mulher bem nova, mesmo com aquele aspecto meio transparente dava para ver seus cabelos negros e sua pele morena...

–Agora estou... - falou com um sorriso que logo se dissipou - Você precisa me ajudar! Vem comigo - Falou segurou a minha mão, Parecia que ela era a única coisa que podia me tocar...

–DE NOVO?!? Sou boa, não boba! Ta me achando com cara de serviçal? Repara no meu olhar de reprovação pra esse seu convite de "Vamos ali ser acorrentadas de novo!" - Falei repreendendo a atitude de me arrastar por aí pelas árvores e ao mesmo tempo pensei em todos na pensão congelados... - Se você quer minha ajuda me explique tudo isso agora! Por quê tudo parece ter parado?- Perguntei apontando para os insetos imóveis no tronco de uma das árvores.

–Isso tudo só está acontecendo por que sua alma está fora do seu corpo...Se você se concentrar de novo enquanto estiver sobre ele o tempo volta a prosseguir - ela segurou minha mão bem forte -Mas por favor, depois que você voltar para o seu corpo, promete me ajudar?

–Tudo bem, mas só se quando eu voltar tudo estiver normal! - Falei andando em direção a pensão e o olhar da mulher me seguia a cada passo. Cheguei no quarto onde eu e o Arthur estávamos e fiz o que a mulher disse.Logo tudo voltou ao normal, mas continuei encarando o teto por um tempo,pensando em tudo...Até que a mulher apareceu no quarto.

–Não temos tempo! Venha rápido!- Falou com uma expressão muito triste.

–Eu vou acordar eles e depois vamos te ajudar- falei, direcionando minha mão para acordar Arthur.

–Não, por favor, eles não vão conseguir me ver... Eu já morri, sou só um a alma e só você, Olho de Oris, pode me ajudar!- Falou desesperada e eu encolhi a mão, assustada com a revelação. -Eu não tenho muito tempo, antes que eu desapareça preciso ajudar a minha grande amiga...-Falou chorando, olhando para baixo. - Eu preciso que você venha até a cidade de Orann para ajudar ela.- Parou de chorar e me disparou um olhar determinado- Eu te explico tudo no caminho.

–Tudo bem, só preciso mudar de roupa...- Me lembrei de que a Dona da Pensão estava acordada já- ...E despistar uma senhora.

–Esperarei.-falou aliviada - Ah, meu nome é Louise.

–O meu é Lisa, não Olho de Oris ok.- Sorri. Depois que coloquei meu vestido era a hora da ação, tinha que sair despercebida pois não me deixariam ir, e não iriam querer seguir um fantasma cegamente como eu estou fazendo agora...Primeiro vou pegar meu punhal, que ficou no baú da Senhora. Esse baú, onde ficaram todas as armas, estava na sala perto da cozinha, com certeza ela me verá e eu tenho que sair dessa sem suspeitas...

–Ei!- Chamei Louise- Me segue, só preciso pegar meu punhal, nunca se sabe se uma sombra daquelas ou pior pode vir pra cima de nós!- a mulher concordou e seguimos em direção a sala... Eu estava quase no baú...

–Quer café?- Quase fui pra o outro lado da vida com esse susto...Ela apareceu atrás de mim.-Por que a carinha pálida meu anjo?

–Nada, eu só acordei me sentindo mal e... Resolvi caçar!- Falei de um jeito tão determinado que até eu acreditei- Vim pegar meu punhal apenas. - Falei pegando-o do baú.

–Mas não quer um café antes? Saco vazio não para em pé sabia?- Falou tocando no meu queixo como uma mãe, mas acenei com a cabeça negativamente.

–Um saco vazio voa mais longe!- E saí, com Louise, invisível para a Dona da Pensão, me seguindo.Apesar da distância, escutei ela sussurrar.

–Não voe tão longe...

–Ufa! Ela engoliu essa!- Falei já fora da pensão- Agora me direcione e explique tudo no caminho.

–Eu era uma menina de rua, sempre sozinha- Falou tomando a frente em passos largos e rápidos- Mas como eu fui parar nas ruas de Orann não importa!

–Tem certeza?

–Tenho! Voltando a história... Uma vez uma menina perdida, machucada e mal-tratada, apareceu nas ruas de Orann. Ninguém a ajudava, então fui conversar com ela. Queria pelo menos ensinar ela a sobreviver naquelas ruas cruéis.

–Tá... mas o que tem a ver isso comigo?- Perguntei impaciente.

–Isso tudo tem sentido, se quiser saber por que eu pedi sua ajuda deixa eu explicar!- seu vestido branco arrastava-se pelo chão e nem se sujava ao contrário de minhas botas que estavam encharcadas de tudo daquela floresta.

–Tudo bem...

–Onde eu parei?- falou olhando pra cima, procurando em sua mente o que tinha acontecido. - Ah sim! Eu a ajudei naquelas ruas e nos tornamos próximas, na amizade e nos roubos aos vendedores de frutas egoístas- Soltou um risinho- Só depois que ela confiou em mim para me dizer tudo o que tinha acontecido com ela...

– O que aconteceu?- Ainda sim me pergunto em que eu poderia ajudar ela...

–Ela tinha suas origens em uma tribo onde todos possuíam magia- Comecei a me interessar mais nessa história...-Um dia eles foram atacados por homens estranhos que roubaram a magia dela, e depois disso ela foi expulsa da tribo, sem mais nem menos, tendo que abdicar tudo até mesmo o nome pois pessoas sem magia, eram impuras na cabeça deles.

–Que cretinos!- me revoltei.

–Pois é... Ela me contou que teve que passar por essa mesma floresta sozinha até achar Orann.

–Por isso ela parecia muito abatida quando chegou na cidade!

–Isso mesmo... E depois de escutar essa história nós resolvemos sobreviver a todo custo. Com toda a comida que nós roubávamos, aprendemos a cozinhar muito bem e nosso talento foi aproveitado por uma loja. Ganhamos dinheiro e crescemos, tudo estava bem até que um feiticeiro chegou na cidade para oferecer poções do amor e afins na cidade, mas o que mais interessou a Eleonore foi a capacidade do homem de dar magia para pessoas normais.

–Então essa tal de Eleonore viu uma chance de voltar para a vila dela?

–Exatamente, mas esse feitiço tinha custos muito altos... Alguem tinha que morrer...-Quando ela terminou de falar isso, tudo ficou escuro e nós duas não sabíamos o que estava acontecendo. A escuridão começou a criar olhos pequenos e se dividir... Eram de novo aquelas sombras que estavam atacando a Louise, tinha que fazer algo. Louise foi facilmente capturada pelas correntes e eu escapei de várias mas no fim duas sombras me amarraram numa árvore.

–ME LARGA! ME LARGA!- gritei e senti que estava usando magia de novo...Fechei meus olhos e quando abri, tinha ateado fogo em todas as sombras e em algumas árvores.

–Você é excelente, obrigado por me salvar de novo!- Dessa vez foi ela quem me deu a mão para me levantar.

–Vamos sair daqui logo antes que esse incêndio chame atenção de algum bicho maior... Continue sua história por favor.

–Vou prosseguir. O custo do feitiço foi a minha vida, mas ela não sabia que seria assim.- Falou subindo um morrinho e eu segui- Agora ela está com magia, mas ela pretende se matar... Preciso ajuda-la, estava todo esse tempo com ela mas minha voz não a alcançava então senti um poder quase irreconhecível para as almas, o poder dos Olhos de Oris, e pensei que você poderia tirar essa culpa dela.-Continuou seguindo para cima daquele morrinho, com lagrimas nos olhos e quando chegamos em seu topo vi uma cidade enorme, Orann.- Chegamos!

–Ótimo, me fale onde Eleonore está!- Me senti comovida com a história e disposta a ajudar.

–Obrigado, isso significa muito pra mim!- Falou enquanto o sol de meio dia transpassava seu corpo, que brilhou como cristal- Vamos entrar na cidade por aqui...