Forbidden Love escrita por Miss Mikaelson


Capítulo 11
Capítulo 11 - Fogo e sangue


Notas iniciais do capítulo

Explicações serão devidamente prestadas nas notas finais. O capítulo ficou bem longo devido ao tempo em que fiquei sem postar, mas também levando em contas as explicações e acontecimentos atuais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/456255/chapter/11

Abriu os olhos azuis e sentiu o rosto aquecer-se pelos restos de luz solar que penetravam através da fenda da janela. Erigiu-se do leito de folhas secas e pedaços de tecido rasgados onde as mulheres da nobreza passavam as noites desde o ataque ao palácio. Viu o olhar amedrontado no rosto das crianças no seio das mães, aguardando o retorno dos pais que há dias desapareceram desde o inicio da batalha.

O cômodo úmido e meramente aclarado servira de refúgio para as mulheres e crianças durante os dias em que os maridos haviam desaparecido. O alimento era estocado no lugar das prateleiras asquerosas que antes abrigavam os livros, as criadas dormiam no chão de areia com as crias, dando o lugar quente perto da lareira média no fim da sala para as senhoras.

Passos pesados avizinharam-se da porta, fazendo com que as senhoras se encolhessem num canto do abrigo moderando a respiração pavorosa. O filho mais velho do duque abriu a porta e fê-las cair em alivio. Estava sujo como um trabalhador do campo, seu rosto cortado com fios de sangue que caíam dos olhos até a boca, as vestes rasgadas como trapos velhos e a perna ferida por espada.

— Meu filho! — clamou a mãe a se atirar nos braços do futuro duque, beijando-lhe o rosto ensanguentado e caindo em prantos. — Onde está o meu senhor?

O duque apareceu logo atrás do filho, porém em estado mais deplorável. O braço amarrado com um pedaço de tecido imundo no pescoço dando apoio ao ferimento. E quando Rebekah focou os olhos precisamente no rosto do pai do marido viu que na parte inferior, na orelha esquerda, uma minúscula parte havia sido decepada.

— O rapaz é um covarde! — avisou estapeando a face do filho. As damas abaixaram os olhos, mas a duquesa saiu em defesa do primogênito.

— Não insulte o seu filho — irou-se. — Vê o quão lamentável é o estado do seu herdeiro? Isso não o prova bravura da parte do seu sangue?

— Bravura? — o duque indignou-se, por um tempo aparentando está a sós com a mulher e o filho. — Vê o estrago na minha orelha que ganhei graças ao frouxo do seu filho. Está em estado abominável em devido à coça que levou de meus homens após cair na própria armadilha. Perdemos dez homens pela ação imbecil do seu filho. E feito o estrago o covarde saiu do campo de batalha e escondeu-se no estábulo dos animais.

Domenico abaixou-se nos ombros da mãe sem nada enunciar. A duquesa fitou o chão em desonra, lastimando-se pela covardia do único filho.

— Por que não retornaram para casa quando a batalha deu-se por fim? — alterou o assunto.

— Não era seguro, mulher. —o duque respondeu em fúria, apalpando a orelha ainda ensanguentada e posteriormente relatando a situação. — Ficamos escondidos como animais nas matas até que os últimos homens saíssem do campo. Não era seguro retornar ao abrigo logo após o término da guerra. Poderiam nos capturar como escravos e fazer de vós, nossas esposas, prostitutas mortas ou violentadas em frente a nossos olhos. Perdemos parte do rebanho levado pelos vitoriosos, homens mortos, feitos de escravos... Tudo parecia perdido. Mas aí então o Mikaelson envia um menino de recado para nos informar de sua atual condição. Provavelmente mais lamentável que a nossa.

Rebekah o fitou em expectativa.

— O que...

— Eu lamento — o duque compadeceu-se dos olhos chorosos da mulher do filho. — Invadiram a casa do seu tio durante a noite... Seu irmão está morto.

Caiu então em desespero a jovem esposa. Sentiu-se submersa no mar a deriva, esforçando-se para puxar o ar para os pulmões mas sem condições de fazer. O peito espremia-se com o ar quente que circundava a sua volta. O corpo desfaleceu-se com a mesma lentidão do movimento involuntário dos olhos, que detinham a claridade do local e aos poucos se fizeram escuros.

As mãos das servas acolheram o corpo da jovem esposa que caíra em desfalecimento. Abriu os olhos, passado algum tempo, e viu-se cercada pelas servas e o duque, receoso, temendo pela noticia que dera a esposa do filho.

— Mas acalma-te, filha — falou o duque, de longe a observar a esposa dando batidas no rosto pálido da nora.

Rebekah levantou-se com o coração emurchecido e as lágrimas a lhe banharem a face.

— Não... ele não está morto — disse ela alucinadamente.

— Acalma-te, criança — rosnou o duque. — Não me informaram qual de teus irmãos falecera em combate, mas pelo que sei os quatro haviam ido prestar socorro ao seu tio.

O choro cessara por um instante, sucedendo-se por pequenos murmúrios e posteriormente apenas lágrimas silenciosas. O duque conduziu as senhoras para fora do abrigo, caminhando pelo longo corredor insalubre e rebaixado às cinzas, subindo as velhas escadarias do porão e por fim avistando o resto de luz de sol ocidente que brilhava vivamente ao longo da planura.

Parte do castelo veio abaixo. As paredes davam-se pela metade, tapeçarias jogadas no chão, criados mortos debaixo dos tijolos e sangue que tingira parte da prataria feita em pedaços. Ao longo do caminho de cinzas Rebekah emitiu um sibilo ao pisar nos restos de um crânio queimado. Um breve arrepio percorreu-lhe os braços.

Ao lado de Rebekah, Elisa prestava sua compaixão enquanto o irmão, agarrado ao braço da mãe, olhava a situação sem sentimentalismo algum que o fizesse compadecer-se da mulher. Os homens montaram em seus cavalos e partiram na frente, com o estandarte da família em cada ponta da tropa.

Na carruagem reservada para as damas da família, o silêncio e o luto reinavam sem piedade. Rebekah olhava o verde dos campos deixados para trás junto com os corpos, as cinzas dos mortos trazidos pelo vento e os crânios enterrados na terra. Deixavam para trás o cheiro impregnado da morte que se fez penetrar no clã.

— Sabe o significado? — Elisa afastou o estado de rigidez da cunhada. — O que significa o brasão levado no estandarte de nossa família? — Rebekah afastou os olhos para ao longo da janela, onde as duas bandeiras arroxeadas gloriavam-se com a fênix em seu meio. — A fênix, pelo que dizem, é um pássaro vindo da Arábia, batizado assim em homenagem a cor fenícia vermelho-arroxeada que o mesmo carregava em sua pelagem. Sentindo que a morte se aproxima, a fênix acomoda-se em pequenos ramos de plantas e ali se entrega as cinzas. Reza que no nono dia de sua morte, o pássaro se ergue das cinzas, com penas douradas... um pássaro de fogo.

— E que sentido há nesse conto? — Rebekah limpou as lágrimas.

— A imortalidade — respondeu. — Perpetuação. A esperança que nunca têm fim.

— Esperança... — balbuciou com os olhos marejados. —... Talvez guerras não durem para sempre, mas nada compensará o fato do vazio que nos é deixado pelas vidas que se foram. Este provavelmente não seja o momento adequado para suas histórias de compaixão e solidariedade.

E virou o rosto para além da várzea deixada para trás com o odor de mortos.

{***}

O sol expirou e a lua ascendeu-se no céu repousado; iluminando as estradas e guiando o caminho dos viajantes. As aves cruzavam o céu gorjeando sons melódicos sob o cair da noite e ocultavam-se através da nuvem negra que pairava no céu.

Ao longo da planície via-se o castelo bem centrado entre o fosso e o ladear dos muros altos de uma fortaleza. A comitiva parou a um passo dos portões de entrada; vindo os soldados a reconhecer o estandarte da casa, consentiram a passagem do séquito de nobres.

Rebekah soprou brandamente o ar dos pulmões. O sangue partira da face e os lábios melosos tremeleavam em ritmo com o coração alanceado, agravando-se em junção com a marcha dos cavalos em rumo ao castelo; onde os empregados ascendiam as tochas em trilha ao forte.

A noite caía em amargura por cima do palácio. Uma nuvem de angustia e um ar atormentado circulava o castelo em companhia do choro lamentoso de uma mãe que acabara de perder um filho.

Desceram aos pés do castelo e seguiram caminho para dentro. Os homens repousaram os animais nas estrebarias, alimentando-os e refrescando-os pela viagem comprida. Ascenderam-se de cada vez as luzes internas do castelo quando a comitiva entrara. Rebekah recuou um passo, posteriormente arrastada pelo marido para dentro do lar.

Duque Lewis varreu os olhos no salão atopetado em busca do senhor do feudo, mas encontrou o lugar vácuo, preenchido pelo filho mais velho nos braços da mãe. Ao lado do irmão, Kol cumprimentava os parentes e refugiados que prestavam suas condolências. E encostado ao tio isolados nos fundos do salão, Niklaus percorria o chão com os olhos, centrado nas palavras ditas por Aaron. Ainda em condições de pesar Rebekah não deixou de arrostar a face da mulher loira apanhada no braço do irmão.

Domenico arrancou-a pelo braço até a mãe, lamentosa, com o armamento do Finn em mãos, pelo que notou.

— Senhora — falou com compaixão, segurando as mãos da mãe da esposa. — Em nome da casa Lewis, prestamos a esta família as condolências pela morte de um varão.

Ele continuou a falar, mas os olhos de Esther estavam além do salão; tão distantes que sequer viam a filha plantada em frente aos olhos. Elijah assentiu em cumprimento e recorreu aos braços da irmã num abraço caloroso. Soltou-a e fez a mãe separar-se da armadura do filho falecido, saindo de seu estado de demência e envolvendo a filha num abraço banhado de lágrimas dolorosas. Um choro alto de ouvir-se aos derredores dos montados de terra nasceu da boca da matriarca e contaminou a filha.

Olhos se pousaram na mãe da família. Rios de lamento e dor corriam dos olhos de cada senhora. Não havia um corpo para prantear aos pés. Somente um resto de armadura tostada para doer-se. Não diferente do corpo inerte do irmão, pensou Rebekah em comunhão de dor com a mãe.

— Onde está o meu pai? — discutiu para a mãe ao soltar-se de seus braços.

Esther abaixou os olhos.

— Mikael... — e soltou um suspiro fraco e angustiante. —... Mikael não deseja vê-la.

Domenico intrometeu-se:

— Que pai não goza de jubilo ao ver a única filha retornar a morada?

— Meu pai está enfraquecido pela morte de nosso irmão — Elijah afirmou. — Não sai dos aposentos desde que o comunicamos da morte de Finn.

As palavras de Elijah fizeram o rapaz mover a cabeça em conclusão, virando-se em seguida e plantando-se ao lado da mãe e irmã. Ainda que o olhar rigoroso de Elijah para Rebekah contava outra história.

— Ele ainda não me perdoa pelo incidente — falou com os olhos baixos.

Elijah pôs o braço sobre a caçula e retirou-a da presença da mãe; que em tempos foi rodeada pelos afetos e sentimentos das senhoras de familiaridade.

— Indiscrição — começou Elijah num sibilo raivoso e moderado. — Um nome um tanto sereno para resumir os pecados que cometeram. Ouça-me, Rebekah, nosso pai não esqueceu e nunca esquecerá. Assim como todos em sã consciência. Apesar de todos os meses desde então, ele ainda está possuído de ira e fará de tudo para que não o desonrem novamente. E eu confesso que lhe farei de tudo para protegê-los da própria sina. Agora me prometa, por tudo que mais ama... nunca, jamais retornará a manter o comportamento pecaminoso com o nosso irmão.

Sem dar-se por percebido Elijah a agarrava pelo pulso enquanto a fitava diretamente nos olhos.

— Elijah... — assoprou ela de modo nervoso. — Todos os olhos se fixam aqui.

Foi então que o irmão mais velho recobrou a postura impecável. Passou a mão nos cabelos negros e olhou em aceno para os olhos atentos dos empregados e familiares.

— Perdoe-me — voltou novamente para a caçula. — Apenas jure a mim, Rebekah, se não há em ti apreço pela honra de nossa família, peço-te... pelo respeito que tende a mim, irmã.

— Sim — disse ela com segurança. — Eu prometo Elijah.

Olhou para o fim do salão e encontrou-se com o olhar do irmão. A segurança que estivera com ela anteriormente escapara. Logo se voltou para Elijah.

— Não o decepcionarei, irmão.

— Assim espero — concluiu a fala e saiu para junto da mãe.

Rebekah, vendo que o corpo exigia por um banho aromado e um leito macio para repousar após dias no abrigo imundo, foi para o antigo quarto onde nada havia mudado desde que partira; exceto pelo conjunto de tapeçarias feito por Esther que adornavam as paredes de pedra fria.

Atirou-se na cama e os olhos pesaram. Quando acordou, porém, ainda que a noite tenha sido fresca e sem sonhos, sentia-se perturbada pelo ar desgostoso da casa. Continuou na cama após um tempo, esperando o sol nascer e iluminar a terra. Os raios lentamente invadiam em dardejo o quarto, aquecendo-lhe a face e trazendo consigo mais um dia de pesar. Virou-se para o lado da cama e, naquele instante, agradeceu por estar vácuo.

Dispensou as servas quando estas lhe trouxeram a água morna; largando, ao lado da cama, um vestido preto e arrendado, com um véu que cobria parte do rosto. Afundou na água e caiu em realidade. O corpo aos poucos dava sinal de desfalecer na água. Angustia a consumia no peito, mas não em tristeza pela morte Finn, mesmo que o vazio em seu peito fosse notável. Estava novamente na fortaleza de solidão e isolamento.

Vestiu-se e saiu do quarto. Percebeu então que ninguém havia dormido no castelo desde a noite passada. No fim da escada Domenico a recebeu num beijo forçado cheio de vinho. O suor da pele do esposo exalava a bebida. E os olhos vermelhos indicavam que não era choro o motivo da coloração. Ela o empurrou, fazendo-o cair aos seus pés, de tão ébrio nem sequer sustentava as pernas.

— Meu irmão está morto e ainda arranja tempo para suas orgias! — o grito da loira cortara o silêncio da manhã.

Na mesa, quebrando o jejum matinal, Aaron, Niklaus e a esposa pararam a refeição para assistir a discussão.

— Vadia desmamada! — ofendeu-a, erguendo-se do chão e agarrando o apoio das escadas para se sustentar de pé. E a feriu no rosto como fizera outras vezes, deixando a marca da mão no rosto branco da mulher.

Abaixou os olhos e deu passagem para o marido, que caminhava desnorteado de quatro, como uma criança que aprendia a andar. Consumiu-se pelo desejo de vê-lo rolar das escadas, parando no fim dos degraus com o pescoço partido em dois, mas afastou o pensamento. Tio e sobrinho assistiam o feito da mesa sem nada dizer. Rebekah assentou-se ao lado do tio de semblante duro, defrontando ao olhar da mulher ao lado irmão, que nem mesmo ousara encará-la.

— Traga-me pães, frutos e mel — delegou para a criada que a servira.

— Avise-me se o frouxo do seu marido voltar a tocá-la — Aaron pediu. — E eu lhe prometo que corto o pinto do espantalho e o jogo aos cães.

Embora o hálito do tio não aparentasse tanta diferença em relação ao do marido. O barão voltou a ingerir o peixe seco acompanhado do vinho. As feições não estavam abatidas para um homem que perdera um parente, mas ainda assim vestia um traje preto idêntico ao do sobrinho à frente. Uma longa bata escura debaixo de um agasalho de pele de urso; uma espada presa no cinto junto a um chicote feito para açoitar os animais, ainda que usado para servos desobedientes. E ao lado do prato em que comia, havia uma besta carregada pronta para o ataque.

—Creia — informou ao tio. — Essa não é a primeira vez que o faz, nem mesmo chegará a ser a última.

— Certamente — Aaron suspirou. — Mas diga-me, Rebekah, como escaparam da guerra que destruiu a morada de Lewis?

— Rebekah — interrompera a mulher à esquerda do irmão. — Vejo que esta é a sua afamada irmã caçula, Nik, estou correta?

Niklaus concordou sem desviar os olhos do prato. Ao que pareceu de imediato o rosto do loiro amoleceu ao ouvir o nome dito pela esposa, porém tão rápido quanto os raios de sol que chegavam a terra, tornou-se rocha novamente. Rebekah estudou a moça em busca de um atrativo; mas debaixo dos panos e rosto belo havia apenas mais uma dama escrava de costumes irrelevantes e submissa a um marido insolente. Não eram tão diferentes, afinal.

— Apresente-se — falou ela em autoridade.

— Camille. — respondeu a moça docemente. — A esposa de Niklaus.

O pedaço de pão seco cortou a garganta da filha de Esther. Camille estendeu a mão em saudação à irmã do esposo, mas esta fitou de jeito superficial sem tocá-la.

Veio uma criada servindo a bebida e por desatento caiu de joelhos perante a filha de Mikael e despejou a poção de líquido nas pernas da jovem esposa.

— Desatenta! — bradou em súbito levanto. — Porca desgraçada!

Arremessou os pratos da mesa sobre a empregada e saiu aos berros a se fechar novamente no quarto. Por último, ouviu a frase do tio a ressoar no salão:

— Vê-se ao longe que a menina tem sangue Mikaelson pulsando nas veias. — Gargalhou alto, tão estrondosamente quanto um trovão que dividia o céu em noites de tempestade.

{***}

Pela tarde estava a jovem esposa a observar do alto da janela o canto dos pássaros que poetavam no fim do dia. Os restos fracos de sol que pousavam na crista da montanha a banhavam de aquecimento em união com os sons das aves. Já dizia a velha ama de leite que há muito tivera seu fim: em cada canto dos pássaros que viajam no céu ao fim de cada dia, há uma história a ser contada. E naquele momento ela desejara ouvir o que tinham os seres a dizer. Será pecado sentir um tempo de paz quando todos na família choram pelo irmão morto?, pensava ela no mesmo passo em que observava Henrik a manejar uma espada na imensidão verde.

Esther permanecia isolada no quarto sem comer nem beber. O rosto abatido, olhos caídos e os cabelos loiros despenteados assim como as roupas sujas. O luto pelo filho amado duraria meses. No fim dos dias caminhava até o terreno e banhava-se na areia quente bradando o nome do filho. Rebekah contestava o sofrer da mãe, sendo que nada traria novamente o filho para o calor de seus braços. E o estado de demência de Mikael fazia o trabalho nas terras se multiplicarem como fogo na palha, caindo o fardo nos ombros dos filhos mais velhos. Ainda que feridos pelo que suportaram na última batalha, os irmãos personificavam a força.

A porta estrondou duas vezes antes de ser aberta. Do corredor veio uma criada pondo os nervos para fora da boca. Parou a um passo da mulher de Domenico e acalmou-se antes de pronunciar:

— Senhora... por favor...

— O que... acalme-se e fale o que tem a dizer! — alarmou-se.

— Venha depressa, senhora — arrastou-a até a porta. — O filho do duque... ferido.

E deslocou-se apressadamente na frente da senhora esposa do rapaz. Aparentemente estava a serva mais receosa quanto a saúde do filho do duque do que a própria esposa. Rebekah olhou uma última vez o vestido no corpo antes de sair do quarto. Talvez seja usado um dia este traje para o pesar de um marido, não um irmão, pensou antes de sair para o corredor.

Bem caminhando ao longo do imenso corredor escuro, não pôde deixar de arrepiar-se com o frio que vinha das pedras úmidas. Os ventos sussurravam um dizer incompreensível e o hálito gélido da morte corria das paredes aos quatro cantos da casa.

No chão do grande salão Domenico arquejava o ar dos pulmões. O corpo estava surrado, mais ferido do que quando voltara da guerra, o sangue corria com abundância da boca e emporcalhava o carpete do salão. E o rosto lívido do mancebo estava marcado com mancha avermelhadas em forma de mãos, como sempre deixava no rosto da esposa nas vezes que a agredia. A duquesa e a filha atiraram-se nos pés do rapaz.

— Filho! Meu filho! — chorava a pobre mãe. — Ora, faça algo para que seu filho não morra!

Olhava para os olhos do marido mas este estava estático. As criadas trouxera água para banhar as feridas enquanto o duque interrogava os homens que saíram a passeio ao lado do filho.

— Não ordenei que o protegessem? — falava ele para os criados. — Que fizeram ao meu filho?

— Não somos culpados, senhor — respondeu o escudeiro semelhantemente ferido, mesmo que as feridas do primogênito do duque fossem de longe mais notáveis. — Nos rodearam além da planura.

— Malfeitores? — disse o nobre. — Inimigos enviados para matar meu herdeiro?

— Creio que em tais circunstâncias larápios seja o mais adequado, senhor — Elijah confirmou analisando o rapaz que gemia em agonia.

Rebekah parou o andar aos pés do marido, olhando-o sem nada a falar. Forçou perplexidade que ocultasse a satisfação e desejo de vê-lo abaixo da terra, com os restos em putrefação consumidos por insetos que durante anos se alimentariam da carne podre. Mas recusava-se a crer que os insetos se satisfariam com a carne imunda do marido.

— Que fizeram ao meu senhor? — dizia ela forçando perplexidade.

— Ide agora para os campos e traga-me a cabeça dos covardes que feriram o meu filho! — falou o duque para o chefe da guarda. O mesmo reuniu os demais homens e juntos partiram para o campo, marchando ao lado do senhor.

A mãe e as servas levaram o filho para o quarto, onde trataram de suas feridas e o indagavam do ocorrido. Elisa parou ao lado da esposa do irmão; com os músculos do corpo reprimidos em preocupação.

— Seu rosto está cheio de graça e luz para quem perdera um irmão — acrescentou Elisa deslizante para perto da dama. — Não era Finn o seu irmão mais chegado, não?

— Não. — afirmou dolorosamente. — Nunca fomos próximos. Nem mesmo em criança. Mas ainda meu peito se consome em angústia, e sim, é verdade o que reza nas histórias que andam ao mundo; quando se perde um irmão, perde-se também uma parte da alma. É triste de se afirmar, mas agradeço por ter sido Finn, não... esqueça.

— Não sei dizer-te o quanto eu lamento, Rebekah. — sorriu fracamente para a cunhada, correndo em seguida para atender os gritos do irmão.

Rebekah voltou novamente para o quarto e, no caminho do corredor, encontrou-se com aquele que jurara esquecer. Mesmo que os laços de sangue corressem nas veias, e um pecado secreto houvesse contaminado ambas as almas, ela jurara para Elijah que não o tocaria novamente. Impossível de realizar-se já que partilhariam um teto em tempos difíceis.

Ela se esquivou para o lado, abaixando os olhos, mas o soldado a seguiu. Estava sem o traje preto; encoberto com uma armadura prata e reluzente. Nos meses de distância ele se tornara um guerreiro belo. Os cabelos loiros estavam mais curtos, o corpo vigoroso cobria-se de cima a baixo com pequenos hematomas e um ferimento de punhal na face.

— Olá, irmã — disse ele a impulsionando contra a parede. O corpo da nobre se contorceu no que aparentou ser raiva ou medo. Um frio interior formado ao ouvir a voz aveludada do irmão. — Andas a cumprir as ordens de Elijah, e vejo que tem dado continuidade à vida ao lado do espantalho a quem chamas de marido.

— Um canalha — falou. — Um covarde que foge das situações quando confrontado. Um cão medroso que se esconde de seus medos atrás de um título de nobreza, sim, eu chamo de marido. Embora não seja ele tão diferente de todos os que já habitaram o meu leito.

— E todos te deleitaram de prazer? — questionou, pondo as mãos abaixo da cintura da irmã.

Empurrou-o para longe, bradando ofensas que ecoavam pela sala e esbofeteando o rosto do soldado, posto que uma parte do corpo desejasse se render.

O nobre avançou como uma fera para cima da irmã; os olhos vermelhos, a boca trêmula e os fortes braços a jogarem contra uma armadura velha que adornava o corredor. E o medo caiu sobre ela, a olhar os olhos fundos da fera que chamara irmão.

— Desejo do fundo de minha alma que o covarde de seu marido não morra em devido aos ferimentos — um rosnado subiu pelo peito do rapaz. — Anseio pela vida do infeliz, que viva por muitos e muitos anos, e que as marcas da surra causem agonia no filho de uma puta para toda a vida, e que nenhum sofrimento seja o bastante em causa de um dia tê-lo erguido a mão para tocá-la. E lembre-se; cada homem que a tocar, seja para feri-la ou dar-lhe prazer, este será mandado para debaixo da terra. Eu vigiarei cada passo seu, Rebekah, até o fim de seus dias, e se acaso desviar-se da postura aos braços de qualquer insignificante, creia que não hesitaria em mandá-la para a terra também, viva ou morta, se possível. Vejo que além de tudo continuas a ser minha irmã, meu sangue... e minha maior fraqueza.

Medo. Tudo o que proferido do hálito quente do irmão a fizera tremer de receio. Os meses se passaram como anos para ele. Não era o Nik que a acalmava que estava em frente a si. Era a sua outra face. O monstro obsessivo que a assombrava em ciúmes.

— Saia do meu caminho — pronunciou entre dentes.

— Como desejar, irmã — afastou-se em passos lentos, deixando as marcas das mãos no queixo e nos braços da caçula. — Pois bem que são seus seios palpitantes que saltam para fora das vestes e põe-se ao meu caminho. E mesmo que o meu corpo deseje se render aos desejos carnais... devo devoção a minha bela esposa.

Os dias se passaram em lentidão. No sétimo dia, na capela feita aos pés dos muros do castelo, Kieran cumprira uma missa em homenagem ao filho morto do senhor feudal. Na primeira fila de bancos os familiares o preencheram em solenidade. O olhar de Esther ainda estava longe, sofredor, como se Finn fosse o único filho a rasgar-lhe as entranhas.

Niklaus assentou-se ao lado da esposa e seu gêmeo. Sempre a trocar olhares duros à irmã na última fila, acompanhada pela cunhada. As palavras de Kieran ecoavam ao vento, sem penetrar os ouvidos da jovem senhora. O corpo encontrava-se estático, mas a mente continuava a vagar livremente. Seus olhos encontraram-se novamente com os do irmão. Um olhar frio e obsessivo. Foi então que o dito de Kieran a fizera refletir:

—... Infelix genus hominum et ad servitutem natum — dissera ele no fim da celebração. Homens agarraram aos braços de suas senhoras e partiram para o inicio de um novo dia. Aos poucos a capela se esvaziava e Rebekah continuava a devanear.

— Rebekah... — Elisa a chamou. — Vamos.

— Ele está certo — falou ela. — Infeliz raça humana, nascida para servir. Somos servas de homens que caem ao nosso leito após sair das camas de inúmeras meretrizes e tão rápido se perdem. Escravas de um coração equivocado, que escolhe aqueles que jamais serão nossos. Submissas a um pai cruel que decide com quem dividiremos nossa cama, sem opção de escolha e, quando raramente é possível fazer, somos obrigadas a conviver com a consequência do que fizemos. Por mais pecador que sejam nossos atos, será que é possível um dia termos a oportunidade de amar verdadeiramente?

Elisa suspirou pesadamente. Olhou para a cunhada onde as lágrimas começavam a brotar.

— Uma filosofia amarga, mas verídica — assoprou as palavras — Mas a quem quer se referir? Suas palavras de sofrer mostram que os fantasmas do seu passado ainda a fazem tremer... mas ao mesmo tempo vejo que não tem confiança em me falar o que te assombra.

As duas começaram a caminhar até a porta, em passos lentos, o corpo pesado pelas vestes pretas que se destacavam em ambas as peles cândidas.

— Somente aqueles que saborearam do doce veneno do amor hão de reconhecer o significado, Elisa — devolveu a resposta enquanto fitava a esposa do irmão, caminhando ao seu lado com um sorriso vívido.

Trocou o olhar para as paredes do templo e começou a admirar a arte. Os raios solares adentrando o ambiente interno através do teto de vidro que os filtrava moldando-os a cor de fim de tarde, mesmo sendo um início de dia. Tijolos brancos sustentavam a estrutura e uma passarela de pedras dava passagem para os nobres.

O vidro do teto rompeu-se em estilhaços e bombas de fogo caíram do céu. As donzelas berraram de tremor, atirando-se ao chão e rastejando para um canto seguro. Os cavalheiros correram para as paredes e dos quadros que enfeitavam-nas retiraram espadas e punhais, fazendo as damas exclamarem em surpresa.

Partiram para o lado externo da capela, e por um tempo, os batidos ritmados dos corações das senhoras foi o único som a se ouvir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Já faz o quê? Três ou quatro semanas sem atualização (?)
Eu lembro que havia prometido atualizar a história todos os domingos, mas a escola e o Enem se aproximando tem consumido cada parte do meu precioso tempo. Por isso, algumas histórias ficaram sem atualização por um tempo indeterminado. Espero que todos compreendam os meus motivos, e que me perdoem pelo atraso a qual os submeti.
Outro ponto que me deixou insatisfeita no capítulo anterior, foi que apenas quatro pessoas comentaram. Eu sei que alguns não comentam por falta de tempo, muitas vezes estão lendo na escola, no trabalho, pelo celular ou simplesmente por preguiça de digitar. Eu também não tenho todo o tempo do mundo para escrever, mas ainda assim reservo um tempo para postar as histórias, procuro demorar o mínimo possível nos hiatus por consideração a vocês, mas ainda assim não vejo essa retribuição. Eu detesto ter que ficar batendo na mesma tecla todos os capítulos. Uma ideia do que acontecerá na trama, uma review sobre o que gostou, uma crítica, tudo isso é interessante em compartilhar com o autor. Um obrigada em especial as lindas que fizeram isso no capítulo anterior: Gabioliveh, Cami Mikaelson, JoLi July e Aline Bongiovi.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Forbidden Love" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.