–Chega!

Estávamos vendo TV, o dia estava quase amanhecendo e meu voo saía hoje a noite. A Laura levantou de uma vez, furiosa.

–O que foi?

–Como eu não pensei nisso? Como pude ser tão burra? – ela falava sozinha – Fica ai, arruma a mala que você não vai viajar sozinha!

Ela não em deu tempo pra questionar, pegou a bolsa e saiu correndo, batendo a porta atrás dela.

***

Na verdade, mesmo depois do discurso do Gus, eu achei melhor não ir viajar. Mesmo que já tivesse pago, minha sanidade era mais importante. Dormi um pouco, mas acordei por voltas das 6:00 da manha, pouco depois que o dia amanheceu. Calcei meu tênis e fui pra casa.

Quando cheguei, ela tava enrolada até o pescoço assistindo TV. Acho que não dormiu, mas como sempre, os olhos não mostravam nada. Nem sono, nem choro... Nada.

Não que eu quisesse que ela chorasse por mim...

Ah, de que isso importa?

Ela levantou a cabeça ao ouvir o barulho da porta.

–Oi.

Sua voz saiu roca, como se não falasse há séculos.

–Oi – disse colocando as chaves no lugar e tirando o casaco. Andei até o sofá e sentei – Precisamos conversar.

–Eu sei.

–Mas conversar de verdade, como adultos e não ficar gritando.

Ela só concordou com a cabeça.

–Ok então – por onde começar – Pra mim não dá mais isso. A gente briga por nada, vive se estranhando e ao mesmo tempo parece que isso não importa, porque depois ficamos bem, fingindo que nada aconteceu. Ta na hora de estabelecer limites e fazer algumas escolhas. Eu já disse que gosto de você, não me importo se vão te comparar com a Rachel, você não é ela. Eu gosto de você! Isso inclui seu jeito, mesmo que esteja um trapo, não faz diferença. Só que por mais que eu goste, não dá pra engolir e aguentar tudo Manuela – ela abriu a boca pra protestar, mas a cortei com um olhar – Ainda não terminei! Porque não foi uma ou duas vezes que eu já tive que repensar tudo, principalmente se valia a pena tentar investir em Eduardo e Manuela. Tá na hora de você decidir a vida, porque eu não vou ficar te esperando a vida toda. Você me deixa doido! Me tira do serio, e digo isso em todos os sentidos. Eu quero viver em paz com você pode ser?

–Então o que temos? Como quer resolver isso?

–Temos um problema, e ta na hora de resolver ele. Não dá mais pra ficar de pega pega e depois tchau. Você e eu já estamos bem grandinhos, ta na hora de parar de brincar e levar tudo a serio.

Pela primeira vez, conversávamos de verdade. Sem brigar, sem grito, sem nada voando por ai, sem ninguém se machucar.

–Sobre ontem...

–Não – interrompi ela – não quero falar só sobre ontem.

–Então ta, vamos do inicio... Eu não posso te culpar por me colocar assim contra a parede. Tinha medo disso na verdade... Imaginava que esse momento ia chegar.

–Chega de ficar quietinha ou fugir do assunto. Se não me falar, não dá pra acertar ou ajudar você.

–É o meu jeito...

–Eu sei, e aceito isso, mas... Você complica tudo Manu!

–E você acha eu não sei disso? – ela parecia chateada com si mesma – Não faço de propósito, quando vejo, puft – ela fez algo com as mãos, fingindo uma pequena explosão – já fiz! Eu consigo estragar as coisas, simples assim... E eu tenho medo de tentar algo e estragar tudo, como sempre faço.

***

Um sentimento de “pronto, falei!” me dominou no momento em que fechei a boca.

Ele soltou um suspiro e levantou, andando pela sala.

–Manu, sabe o que veem quando te olham? Uma garota metida, de nariz em pé, que se acha dona do mundo, que não precisa de nada nem ninguém com ela, louca, complicada, grossa, quase impossível de se entender ou conviver – mesmo sem perceber, me encolhi a cada ofensa que saiu da sua boca, sendo jogada ali na minha cara, porque eu sabia que tudo aquilo era verdade. Ele se apoiou no balcão com a cabeça baixa – Mas eu também consigo ver uma garota meiga, responsável, cuidadosa, racional até demais às vezes, um doce quando quer ser, que dança de uma forma leve e ao mesmo tempo completamente envolvente, que é gentil... Sua comida é uma droga, mas seu macarrão é ótimo, eu finjo gostar de todos os seus pratos, mas às vezes eles parecem um bolo de cimento na minha boca! Tem um voz gostosa de se ouvir, nunca me forçou a nada, cuida de mim e da casa sem nunca querer algo em troca – ele se virou, e pela primeira vez, olhou no fundo dos meus olhos, de uma forma que eu sequer tive coragem de desviar – É divertida, me apoia e não me deixa desistir fácil de nada... Mas eu sei o quanto é teimosa e seu orgulho é enorme, perde o controle de uma hora pra outra, parece um moleque na maioria das vezes, consegue ser fria e manipular grande parte das coisas ao seu redor...

Enfim ele parou. Meus olhos estavam cheios, mas eu não deixei nenhuma lagrima escorrer. Eu não senti raiva por tudo que ouvi, eu sabia que era assim. Mas essa era a questão, só EU sabia disso.

–Só isso?

–Não! Quero que saiba que eu te vejo de verdade Manuela, e não como todos os outros idiotas que te conheceram. Eu vejo a Manuela por trás dessa pose toda que você mantém. E eu sou tão... Burro por ver tudo isso e aguentar aquela sua comida...

–Não precisa ficar jogando na cara que eu cozinho mal!

–Mas cozinha mesmo! Você fez um bolo quando chegou aqui que eu acho que até hoje não consegui digerir! Mas o que você tem que entender que apesar disso tudo, eu quero você! Gosto de você como nunca gostei de ninguém! Sei que não sabe lidar com seus sentimentos e dispensa qualquer coisa que venha de outra pessoa. Não sabe confiar em ninguém, e por isso age feito uma doida!

–Então o que quer de mim? – minha voz saiu embargada pelo choro preso – Se pode me ajudar, por favor me fala! Porque eu não aguento mais...

–Quero que pare de se achar sozinha no mundo. Quero que namore comigo. Quero poder falar que você é minha, e nem to falando no sentido possessivo, mas quero poder sair por ai como aqueles casais bobos que a gente ria vendo nos filmes. Eu quero aquilo, e se você não quiser... – seu lábio tremeu – então é melhor isso que a gente teve, seja lá o que fosse, acabar aqui e agora. Você quer isso?

Não consegui responder, sequer me mexi.

–Escuta: eu agi errado ontem à noite, mas você também não ta certa. Vamos... Ficar quites pode ser? Eu não me importo com o que aconteceu antes, eu também fiz minhas besteiras... Não precisamos ficar lembrando de nada disso. Aos poucos, a gente vai se conhecendo. Eu não quero adiantar nada, mas preciso de uma resposta, e tem que ser agora. E não me vem com “não sei”, ou sua indecisão vai me matar!

Ele soltou o peso do corpo, caindo no sofá, mas não perto de mim. Eu estava de pijama, ajeitei o short e a camiseta por baixo da coberta e a tirei de cima de mim. Ele estava com as mãos apoiadas no rosto, sempre fazia isso quando estava nervoso.

Me ajoelhei na sua frente, me sentando como japonês. Tirei suas mãos do seu rosto e levantei sua cabeça para mim.

–Eu sei o que eu quero.

Ele não disse nada, só continuou me olhando. Apoiei seu rosto com meu dedo, o conduzindo para mais perto.

–Quero você.

A voz saiu baixinha, quase um sussurro, como um segredo. Um sorriso ameaçou sair dele, mas foi reprimido antes.

–Como é que?

–Eu sei o que quero, e eu quero você.

–Isso é um sim?

–Era um pedido?

–Não.

–Então como eu poderia aceitar?

–Manuela Bernardes, eu posso não fazer um pedido como nos filmes que vimos, mas tudo que eu falei foi sincero. Quer namorar comigo? – eu sorri – Agora sim isso foi um pedido, não foi bom, mas foi um pedido.

Ele sorriu. Não precisava ser perfeito, só precisava ser.

Me aproximei mais, mas não suficiente ainda. Eu via seus olhos de perto, escuros, profundos, eu era completamente doida por aqueles olhos.

Ele se aproximou mais, fechei meus olhos, senti seus lábios. As mãos que tinham ficado sobre suas pernas vieram para o meu rosto, nuca, braços... Comecei a erguer meu corpo, e ele me acompanhou. Suas mãos exploravam cada parte de pele exposta, o que era muito levando em conta o tamanho do meu pijama. Um choque se espalhava a cada toque. Os dedos começaram a deslizar por dentro da minha blusa. Eu deixei. Os lábios no meu pescoço, orelha, rosto...