A Realeza de Ouran escrita por Machene


Capítulo 4
Ricos, Nobres e Plebeus




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Cap. 4

Ricos, Nobres e Plebeus

Dez dias já se foram. Para a surpresa de Kyoya, quase nenhum dos seus conselhos funciona com as novatas de Ouran. Em toda sugestão de passatempo, refeição, lugares de descanso e dicas de vestuário, Aika e Aiko modificam a programação com a justificativa de estarem “melhorando” as suas opções “chatas”. Hikaru e Kaoru adoram essas mudanças, se divertindo com as escolhas de fantasias para Honey e os diversos jogos que elas trazem todos os dias.

De longe, todas as moças passam o dia observando o funcionamento do Clube de Anfitriões, o que acaba os deixando nervosos em certas ocasiões, especialmente porque o número de clientes do gênero masculino cresceu absurdamente e a sala de música parece um cubículo. Ainda assim, em cortesia e delicadeza, as donzelas dispensam todos os pretendentes sem dizer claramente que estão comprometidas com eles. As próprias gêmeas fingiram que seu anúncio dias atrás era piada.

Maiko come pouco, mas se delicia com todos os petiscos que vê pela frente. Linh sempre fica acomodada em um canto do aposento, numa poltrona encostada da parede, lendo qualquer coisa. Suzu permanece por perto, sentada em uma cadeira de uma das mesas de chá vaga e digitando os “relatórios das atividades diárias”, como ela mesma diz, em seu computador. Esses deveriam ser as cartas enviadas por e-mail todo dia a sua família, que repassa as informações aos outros pais.

No fim, excerto pelos seus noivos, elas acabam se tornando elementos da paisagem aos olhos dos demais, a menos que sejam percebidas quando passam perto de outras pessoas ou conversem com quem está tendo atenção do público. É o caso de Aika e Aiko. A dupla dinâmica desbanca os anfitriões quando os seus sorrisos estão encantando as clientes e suas histórias alcançam o ponto máximo de emoção. A reação é diferente com cada membro, a começar pelos primos da turma.

– Mitsukuni, a sua gravata está torta. – Mori se ajoelha para arrumá-la.

– Ah, obrigado Takashi. – o guloso coelhinho sorri com resquícios de bolo na bochecha.

– Shi nii-san, pode amarrar os meus sapatos? Acho que desaprendi como fazer sozinha. – ele se vira para Aiko e faz um laço em cada pé.

– Shi nii-san, pode ver se minha boca tá suja de chocolate? – Aika fecha os olhos e ri assim que sente o guardanapo passar no canto dos lábios.

– “Shi nii-san”? – Haruhi questiona de pé ao lado de Suzu, digitando rápido no computador.

– Elas acham que Takashi é muito comprido, então abreviaram para “Shi”. Além disso, com essa personalidade calma e protetora, não é surpresa as duas o tratarem mesmo como a um irmão mais velho, do jeito que Maiko faz. – ela ri até notar o olhar fixo da moça – Por que me olha assim Haruhi? Parece estar tirando minhas medidas.

– Não é isso... Sabe Suzu, você às vezes parece igual ao Kyoya-senpai. O que tanta escreve?

– Bem, além dos e-mails para meus pais e os das garotas, eu tenho outros hobbies.

– Por exemplo? – a jovem mostra uma pasta no computador e abre um arquivo.

– Vê esta tabela? Tem o nome de todas as pessoas que conheço. Talvez encontre semelhança com as organizadas por Kyoya, mas a minha não prioriza posições econômicas e os parentescos de interesse empresarial. Eu gosto de analisar os outros e descobrir coisas importantes sobre eles.

– Você anotou informações dos anfitriões?! – ela admira os detalhes na tela e puxa a cadeira mais próxima, sentando perto da moça – Agora fiquei interessado. Pode me mostrar?

– Claro! Mas só se você prometer não contar para nenhum deles. – Haruhi concorda e faz o mesmo sinal que ela de silêncio, fingindo passar um zíper na boca, antes de rir – Muito bem... As informações que coleto são coisas consideradas triviais para muita gente, como comida favorita, a cor com a qual a pessoa encaixa melhor... Aika e Aiko me ajudam muito nisso, porque brincam de todas as formas possíveis com quem conhecem. Por exemplo, agora mesmo enquanto elas estão se intrometendo na conversa de Takashi-senpai e Honey-chan com suas clientes eu posso dizer que a falta de reação por parte deles os classifica como pessoas calmas. Afinal, quem consegue suportar por muito tempo com uma garota agarrada no braço ou uma o sufocando pelo pescoço?

– Tem razão. – Haruhi ri, observando respectivamente Aika prendendo Mori e Aiko dando um abraço de urso em Honey – Mas por que você se interessa em coletar essas informações?

– Minha experiência diz que quando se é apresentado para alguém, você só consegue ver da pessoa aquilo que ela faz questão de lhe mostrar. As coisas não superficiais, as que não se permite apresentar, ficam guardadas no íntimo, para apenas pessoas realmente especiais enxergarem. Em exemplo, Kyoya é alguém muito fechado. Ele raramente sorri, e quando o faz é um sorriso irônico.

– Ou sádico. – a ouvinte completa rindo de lado, olhando o rapaz de pé num canto fazendo suas típicas anotações – Você nunca o conheceu e sabe dizer isso logo de cara?

– Mas essa é uma informação superficial, assim como saber de quem ele é filho ou descobrir o que ele tanto escreve naqueles papéis. O que eu sei dele é algo que talvez você já saiba por tempo de convivência a mais: Kyoya detesta acordar cedo.

– É verdade, ele odeia! – as duas riem – É porque acaba dormindo tarde muitas vezes.

– Então... Eu cheguei a essa conclusão três dias atrás, quando notei que pelo menos seis das oito tentativas de Tamaki-senpai de despertá-lo antes das sete da manhã para nos ajudar a decidir quais atividades faríamos em conjunto depois das aulas resultaram em respostas agressivas, após longos momentos de silêncio. Além disso, embora Kyoya tenha muitos talentos, dentre eles a fina arte de diferenciar uma obra falsa da verdadeira, assim como o pai de Maiko, ele não os utiliza.

– Eu pensei que os pais da Mai-chan fossem leiloeiros de obras de arte, feitas a mão.

– Não exatamente. O tio mais novo dela sim, mas sua mãe, por exemplo, é pintora, e o pai a conheceu justamente na inauguração da sua galeria. Ele estava lá como crítico artístico. Eles logo se apaixonaram e Maiko nasceu um ano depois do casamento. Precisa ver como os dois são lindos, e ela puxou o talento de ambos! Mas de todas as coisas, Maiko gosta mais de tricotar e costurar.

– Entendi. E por que disse que Kyoya-senpai não usa seus talentos?

– E não é verdade? Você nunca observou como ele parece saber um pouco de tudo? Kyoya é bom com números, lembra detalhes históricos de outros países além do Japão; até mesmo impõe as opiniões sem medo e toma decisões como um líder nato. Contudo, ele está sempre esperando pelas palavras de terceiros. Kyoya só diz alguma coisa quando se reportam a ele, e se as suas ideias não forem requisitadas permanece calado. Nunca diz claramente como se sente, excerto aqui. Dentro deste clube, ele parece à vontade e até conversa normalmente com vocês. Mas com as clientes...

– Bem, não posso negar que seja verdade. Kyoya-senpai faz vários relacionamentos por pura conveniência, então é difícil dizer quando ele realmente gosta de alguém.

– A mim parece que vocês o agradam, o deixam mais confortável. Isso é bom. – Suzu sorri e suspira pensativa, apoiando o queixo na mão – Adoraria despertar um sorriso sincero nele.

– Eim? – um pouco surpresa, Haruhi a encara fingindo não ter escutado e ela ri sem graça.

– Nada. Enfim... No que desrespeito aos demais anfitriões, eu considero Tamaki-senpai bem divertido. Ele deixa transparecer claramente suas emoções, portanto é simples entender como sua mente funciona, mas ainda existe uma lacuna enorme de dor contida em seus olhos. É quase uma lasca de vidro restante de um vitral que se quebrou perfurando seu coração. Você me entende?

– Sim. – a jovem olha com pesar e ao mesmo tempo carinho Maiko discutindo animada algo engraçado com ele e outras quatro clientes – Mas isso é porque Tamaki-senpai sofreu muito.

– Eu sei da história sobre Suou-san ter sido condenado pela mãe a casar com uma mulher de quem não gostava e nunca mais poder ver sua amada e o próprio filho. Não me admira saber que Tamaki-senpai é o único herdeiro da família, afinal, o seu pai deve ter amado muito a mãe dele. O coitado... Seu coração deve ter se partido em mil pedaços naquela época, mas me parece ridícula a decisão de ter aceitado as ordens da senhora Suou. O medo de ser deserdado deve ter sido maior. – Haruhi não responde a afirmação, então Suzu prossegue – Se Tamaki-senpai se prender ao desejo de querer agradar àquela senhora, assim como o de Kyoya em conseguir reconhecimento do pai, o seu sofrimento se multiplicará e terminará com o mesmo destino.

– Como sabe tanto sobre eles? Não pode ter sido apenas analisando de longe.

– De fato. Ocorre que os sócios dos meus pais são muito próximos, financeiramente falando, dos familiares de todos. Eles sim chegaram a conhecê-los melhor e puderam observar atentamente o comportamento familiar dentro da empresa. Alguns pais, ricos, nobres ou pobres, sonham com o dia em que seus filhos darão continuidade aos seus negócios, ou ao menos esperam vê-los dentro da mesma linha de carreira. Fico me perguntando qual a razão de com eles ser diferente.

– Também não sei explicar essa reação. Meu pai e eu sempre fomos muito próximos, mas eu me preocupo muito com ele porque faz extravagâncias, exatamente como Tamaki-senpai, então os papéis se invertem. Eu acabo como a figura paterna.

– Verdade? Gostaria de ver isso. – as duas riem – Embora... Se seu pai e Tamaki-senpai são mesmo tão parecidos, acredito que o relacionamento entre vocês também seja igual.

– Mais ou menos. Eu consigo lidar com os dois da mesma maneira. Melhorou com Tamaki-senpai de uns tempos pra cá porque ele aceitou parar de me chamar de filha. Às vezes parecia que tinha dois pais em vez de um! Na verdade, quando os dois se encontraram a primeira impressão do meu pai sobre ele foi de que era um idiota. – elas riem de novo – Ele também não gostou por eu ter que me disfarçar de homem para conseguir clientes no clube e pagar a minha dívida pelo vaso quebrado no meu primeiro dia em Ouran. O Tamaki-senpai queria muito o reconhecimento dele, não sei dizer exatamente o motivo, mas hoje os dois se dão melhor.

– Ora, então você é mesmo uma garota? – os pelos do corpo de Haruhi instantaneamente se ouriçam, fazendo Suzu rir – Não se preocupe, eu nem pensava em contar isso a alguém.

– Como descobriu? Quer dizer... Você suspeitava antes de eu dizer agora?

– Não sou boba Haruhi. As gêmeas também perceberam, apenas estão fazendo seu papel de desentendidas, assim como Maiko e Linh. Você é bonita e delicada e tem gostos muito simples, ao contrário dos seus senpais. Seria difícil não adivinhar sua identidade.

– Então por que ainda não contaram nada aos outros?

– Tamaki-senpai e os demais parecem contentes por deixa-la conosco, embora isso pareça lhe prejudicar no alcance da sua meta de clientes. – a garota suspira e serve chá a moça – Obrigada.

– Eles só acham que se ficar perto de vocês eu acabe me parecendo mais com uma garota.

– E isso é bom ou ruim? Se não está bem com essa decisão, não é obrigada a ficar conosco.

– Por favor, não me entenda mal! Eu gosto de ficar com vocês. São boas moças. Além disso, não acho algo ruim ficar mais feminina. Aparentemente, por não ter tido minha mãe ao meu lado por muito tempo, sou um pouco atrasada nos quesitos moda e maquiagem. Deve ser estranho pra uma garota se parecer mais com um homem, não é?!

– Isso não é ser uma garota Haruhi, é somente viver de aparências. E... Sua mãe morreu? – a jovem afirma com a cabeça e Suzu suspira – Entendo. Veja, são várias as coisas que costumam servir de desculpa para uma pessoa agir como completa idiota. Muita gente usa seu nome ou sua beleza para conseguir aquilo que deseja, portanto, você não deve se sentir mal por não ser como as outras garotas, especialmente as superficiais. Tem razão, é bom se preocupar com o lado de fora, mas não vale seu esforço excessivo. Suas qualidades são mais aparentes e assim deve ser.

– Obrigada. Mas está tudo bem em ficar com vocês?

– Claro. Eu tenho certeza de que todas ficarão contentes em tê-la como amiga.

– Que bom. – ambas sorriem e voltam a observar os amigos – Você não comentou de Hikaru e Kaoru. O que acha deles? – Suzu pensa um pouco e olha a tabela novamente.

– Sinceramente, eu mal tenho informações sobre os dois. É difícil responder a sua pergunta sem fazer um julgamento superficial. O que posso dizer não deve ser novidade pra você: ambos se comportam como duas crianças, provocando os outros com brincadeiras algumas vezes até cruéis. Nisso eles se parecem muito com as gêmeas, mas existe uma diferença invisível. A meu ver, Aika e Aiko têm algo que os dois não possuem. – Haruhi a encara curiosa e ela ergue o indicador – Sua ligação pode ser mais forte porque Hikaru e Kaoru não permitem a aproximação de qualquer um. Eles se afastam das pessoas e às vezes se trancam no próprio mundo, onde se importam somente um com o outro. As irmãs encrenqueiras, por outro lado, se preocupam em conhecer quem está a sua volta para saber lidar com o desconhecido. Em parte essa atitude foi incentivada pelos seus pais e os irmãos, mas em geral as duas gostam de desbravar terrenos estranhos.

– Alguns dias atrás elas chegaram acompanhadas deles. Eles são três, certo?!

– Correto. Os irmãos mais velhos já são casados e o mais novo mora com a namorada. Como os pais não ficam muito tempo em casa por conta das viagens,os dois costumam fazer companhia as duas durante as viagens deles, mas os três irmãos as protegem bastante.

– Não só eles. Parece que todas vocês são muito queridas pelas suas famílias.

– É verdade. Temos sorte de ter nascido com bons pais, ou ao menos se foi por determinação de uma força maior nós tivemos o privilégio de ter essa benção em relação a outras pessoas. Mas a sua afirmação se baseia em quê? Por que acha isso?

– Bem, eu escutei do Kyoya-senpai que já foram muito vistas em viagens com seus pais.

– Ah, então de fato ele fez uma investigação ao nosso respeito. Imagino por que ele próprio e os outros não vieram tirar dúvidas conosco.

– Acho que pra ele é menos vergonhoso, e mais prático pros rapazes.

– Hunhum... Bom, certamente nós já viajamos muito com nossos pais, mas somente quando eles estão disponíveis. Era mais divertido durante a nossa infância, especialmente para Linh.

– Quer dizer pelo divórcio dos pais dela? O que aconteceu? Quer dizer, eu não quero bancar a bisbilhoteira, só perguntei por...!

– Não se preocupe. Você não parece o tipo de pessoa fofoqueira, e também não é segredo para ninguém. Eu posso falar... A mãe de Linh, a atriz Mika, conheceu o pai dela, George, durante um caso bem inusitado. Sua casa tinha sido invadida e seu agente o recomendou como advogado. Eles se interessaram um pelo outro desde o começo, foi o que me disseram os pais de Maiko, que são os melhores amigos deles desde antes do nosso nascimento. Acontece que esse relacionamento devia ser menos interessante para ela do que foi a ele. Casaram porque Linh já estava a caminho.

– Então a mãe dela engravidou antes deles atarem compromisso?

– Sim. Linh não acha que seu nascimento foi abençoado. Sua mãe a adora, mas sempre lidou com a filha de um jeito muito rigoroso, exigindo que seja perfeita. Não sei se ela puxou o dom de interpretar da madame Mika, mas na frente dos outros costuma ser muito controlada. Lembra-se do primeiro dia, de como Linh agiu? – Haruhi confirma com a cabeça – Seu temperamento é bem imprevisível. Como ela tem mania de guardar o que sente, para não aborrecer os outros, acaba por piorar sua situação. Quase nunca desabafa conosco... Mesmo assim, somos suas melhores amigas. E únicas... Linh odiava nossa antiga escola e todos zombavam dela por ser mestiça.

– Porque o pai dela é estrangeiro? – Suzu suspira.

– Exatamente. Faziam brincadeiras de mau gosto e às vezes jogavam coisas nela. O senhor George nunca disse o motivo, mas deve ter sido por isso que se separou da esposa. Ele sempre teve um carinho especial por Linh, mesmo amando os seus dois filhos, e pode ter se sentido mal vendo a pobrezinha sofrendo com as gozações dos colegas enquanto ouvia a mãe mandá-la se moldar de acordo com as exigências da sociedade. – pausa – Pouco antes desse divórcio nasceu o irmãozinho da Linh, Sora. Você se lembra dele?

– Sim. Ele veio busca-la no mesmo dia que os irmãos da Aika e da Aiko.

– Pois é. Sora vive grudado na Linh. Ela o protege muito para não sofrer o preconceito que passou, então, ele é mais sorridente do que a irmã, mas sente as mudanças de humor dela e acaba tomando suas dores. Pelo menos em geral os parentes dos dois lados da família gostam deles.

– Que bom... E qual a história da Mai-chan? Ela é filha única, como você, não é?!

– Sim. Da Maiko não há muito que dizer. Ela é o consagrado tesouro da casa, adorada pelos pais, tios, avós, primos e demais membros da família. Seus gostos são simples, desde a escolha dos acompanhamentos no café-da-manhã até quando fala dos presentes que adoraria ganhar de Natal ou no aniversário. – as duas riem – Pode-se dizer que é bem fácil agradá-la. Maiko prefere coisas produzidas à mão que compradas, e isso vai além do talento artístico contido no seu sangue.

– Ela é boa em outras coisas além de tricotar, costurar, bordar, fiar e tudo mais?

– Ela é boa em identificar tecidos e gosta de moda, mas Maiko pinta paisagens também.

– Eu adoraria um agasalho de lã. Sinto falta especialmente no inverno.

– Diga isso a ela e quem sabe não consiga um. Maiko adora mais que tudo fazer roupas para os outros. Sabia que em todos os natais nós usamos blusas de tricô feitas por ela?

– Verdade? Todas iguais? – Suzu confirma e elas riem juntas – Nossa, deve ser divertido!

– E é! Nós nos revezamos para comemorar na casa uma da outra, mas sempre levamos essas blusas azuis. As das nossas mães são vermelhas e dos pais brancas. Cada uma tem o nome do seu proprietário. Maiko levou quase um ano produzindo todas, isso porque deu pausas. Teve dias em que ela passava cerca de cinco horas por dia na frente do tear no seu quarto, tecendo tapetes, redes toalhas, roupas de cama e etc. Sabe um jogo divertido que todas nós gostamos de jogar? Chama-se “fios cruzados”. Nós pegamos algumas linhas, enrolamos nos dedos e tentamos formar desenhos com as mãos. Já experimentou fazer isso?

– Não, mas em teoria sei como se joga. Gostaria de tentar um dia.

– É evidente que a própria Maiko poderia te ensinar melhor, porém, se quiser pode pedir pra qualquer uma de nós quando quiser aprender.

– Obrigada. – sorrindo, Suzu se vira ao computador portátil e solta um resmungo.

– Não acredito! Meu notebook descarregou e não me lembrei de trazer os cabos de força!

– Sem problema. Você pode usar uma das salas de informática.

– Elas não são muito barulhentas? Acho que prefiro uma biblioteca.

– Acredite, não adianta para onde vá, serão poucas as salas com quase nenhum barulho.

– Bem, neste caso eu vou para a sala reservada. – ela recolhe o equipamento e se levanta.

– Sala reservada? Que sala reservada?

– Eu conversei com o reitor e ele concedeu uma sala para mim e as garotas usarmos quando quisermos. Achei desnecessário no começo, mas parece que agora vou precisar utilizá-la.

– E onde fica? – Haruhi se levanta disposta a segui-la.

– Venha comigo e eu te mostro. É uma continuação de um dos laboratórios de informática e aparentemente era usada como sala de manutenção para computadores quebrados. Fica de frente para o jardim, no primeiro andar, então a corrente de vento e o cheiro das flores deixa o ambiente bem agradável. – as duas saem recebendo atenção dos anfitriões e das amigas, mas essas ignoram.

Depois de apresentar seu local de trabalho para Haruhi, Suzu coloca o notebook ao lado do de Linh e senta na cadeira azul colada a mesa do computador, ligando-o e revisando mentalmente sua lista de adições na tabela montada para guardar no pen-drive e repassar depois a original. Em três horas ninguém a incomoda e qualquer som só é ouvido pelas risadas de colegiais caminhando no jardim. A garota coloca suco em um copo sobre a mesa ao lado da pequena geladeira e retorna.

A essa altura da tarde as aulas devem estar na metade e o sol permanece forte, refletindo na janela por trás da cabeça da moça. Sua blusa decotada amarelo-queimado, por cima da branca de mangas caídas, ganha um tom tão claro quanto o short preto por cima da meia-calça encanecida. No canto esquerdo os jacintos florescem orgulhosos balançando com o vento, e quando o sopro da brisa cessa a entrada da sala é aberta. Suzu desvia sua atenção e toma um susto vendo quem é.

– Atrapalho? – o rapaz pergunta antes de fechar a porta.

– Não. Por favor, fique a vontade. O que deseja Kyoya?

– Fiquei intrigado por não ter voltado até o recomeço das aulas e imaginei onde estaria.

– Oh Deus, já passou das quatro da tarde? Não acredito! – ela se levanta alarmada, olhando o relógio digital no computador – Eu me distraí.

– Fazendo o quê? – antes de ele dar a volta na mesa, Suzu minimiza a nota sobre seu humor e maximiza a página onde escreveu anotações das atividades diárias das amigas – Outra carta?

– Sabe que não é bem uma carta. Está mais para relatório.

– Mas o modo como você escreve não se parece com algo técnico.

– Como assim? – ela vira o rosto para encará-lo, com bochechas rosadas e mãos no teclado.

– Você separa as notas sobre suas amigas em tópicos com seus nomes e então acrescenta em uma mensagem escrita anteriormente, onde a narração é semelhante a uma conversa. Analisando minuciosamente, suas cartas estão disfarçadas de relatórios. Mas ainda não entendi o motivo.

– Nossa...! Seu olhar metódico é muito cruel, Kyoya. – ele estranha a afirmação, o que a faz rir antes de voltar sua concentração ao monitor – Imagine se eu iria me dar ao trabalho de passar cartas sentimentais aos meus pais quando sei que eles não teriam tempo de ler. Para ter noção, os dois têm BIP e me deram um dizendo que seria mais fácil me comunicar com eles caso precisasse, mas quase nunca atendem. Excerto se antes da mensagem vier escrito “emergência”. Além disso, eu os vejo uma vez a cada cinco dias, então isso é desnecessário mesmo. – o rapaz passa um tempo calado, medindo a resposta da jovem, e então resolve puxar uma cadeira e sentar a sua frente.

– Importa-se de me responder uma coisa? – Suzu desliga o computador e põe o queixo sobre a mão, sorrindo e dando total atenção a ele – Qual o motivo para terem sido escolhidas como...

– Acho que já deixamos bem claro: nenhuma de nós sabe a razão de sermos suas noivas.

– Mas vocês participaram da mesma reunião em que seus pais compareceram.

– Realmente. Contudo, quando aparecemos por lá, eles já tinham resolvido tudo por nós.

– E tem ao menos alguma ideia do objetivo que eles poderiam ter com tudo isso?

– Ele não é óbvio, nos casar? – ela ri e tira o cotovelo da mesa – Não há segundas intenções da parte deles. Se você acha ruim essa situação, fale com seu pai e desmarque o casamento.

– Não posso. – ele se recosta na cadeira e desvia o olhar – Não posso ir contra meu pai.

– Como é? – Suzu ri mais incrédula – Que tipo de homem é você, Kyoya?

– Não entendi. – o jovem franze o cenho – A quê se refere?

– Por que se deixa guiar pelas vontades de seu pai e não pelas suas?

– Você se voltaria contra os seus pais, as pessoas que te criaram?

– Eu sou grata a eles por aceitarem ficar comigo. Afinal, ninguém pede para nascer e eu até podia ter sido abandonada. Acontece... Mas se eu concordasse com tudo que decidem não saberia viver por conta própria, nem teria liberdade. Meu avô já dizia: criamos os filhos para o mundo. O seu pai te educou para fazer as coisas do jeito dele ou para você se tornar independente? – Kyoya abre a boca, mas não consegue falar – Como pode adquirir respeito se abaixa a cabeça para ele?

– Eu tenho condições de fazer as coisas da minha maneira, sem ajuda dele.

– Eu sei disso. – ela sorri e o surpreende – Você é inteligente e habilidoso. Por que não segue suas próprias metas e ultrapassa seus irmãos ao invés de se conformar com a posição em que seu pai te colocou? – novamente, o rapaz fica sem resposta – Não estou dizendo que deve sair de casa e cuspir no prato em que comeu, contudo, seria bom começar abandonando seu jeito calculista.

– Você não pode afirmar coisas sobre mim tendo me conhecido em menos de duas semanas. – ele se levanta, recolhe seus papéis e vira de costas, pronto para ir embora.

– Tem razão, não posso. Talvez por isso fosse melhor você abandonar o cargo de detetive pra variar e, da próxima vez, vir conversar comigo quando tiver alguma dúvida ao invés de pesquisar minha vida pessoal na internet. – Kyoya se vira assustado e envergonhado, recebendo um sorriso de canto quando Suzu cruza as pernas e pende a cabeça para o lado – Eu lamento afirmar isso em tão pouco tempo de convivência, porque estou andando em um campo minado, mesmo assim pode ser bom ouvir de alguém de fora do seu meio: você é um medroso, Ootori Kyoya. – as pupilas dele se arregalam, observando atentamente a noiva levantar da cadeira, recolhendo seu notebook e o de Linh antes de ficar ao seu lado – Você é um covarde e nem sequer sabe o motivo.

– É melhor se calar. Está mesmo pisando em um campo minado e não vai gostar se uma das bombas explodir perto de você! – Suzu ergue uma sobrancelha e ri, irritando-o ainda mais – Diga então: se não costuma concordar com o que seus pais decidem no seu lugar, por que aceitou esse acordo de casamento? Se eu sou um covarde, por que quer se casar comigo?

– E quando eu disse que queria? – a surpresa o silencia novamente, fazendo-a expirar – As únicas intenções que tenho de ter aceitado estudar nessa academia foi para ficar perto das minhas amigas. Fora isso, eu concordei em conhecê-lo, e a menos que esteja perdendo a memória eu disse várias vezes, assim como as outras: a cerimônia é incerta. Só casamos se houver acordo de ambas as partes. Da parte das garotas eu não sei, mas se tratando de mim, por enquanto, me faltam boas expectativas de um possível futuro onde você se encaixe, Kyoya. – ela começa a andar até a porta – Não era minha intenção ser rude. É bom saber que eu não costumo dizer abertamente como me sinto, assim como você, mas achei necessário falar nesse caso. E posso frisar uma coisa... – vira-se depois de girar a maçaneta – Sem coragem para enfrentar seu pai, não pode se casar com mulher alguma. – dito isso, Suzu sai e deixa para trás um Kyoya atônito, achando Tamaki no corredor.

– Oh, olá Suzu! – ele ergue a mão em cumprimento – Você não viu Kyoya por aqui, viu?

– Na verdade sim. Estava conversando com ele na sala reservada do laboratório cinco.

– Mesmo? Ah, então tudo bem. Achei que ele estivesse matando aula! Mas seria estranho.

– Tem razão. – ela sorri e sussurra ao passar por ele – Por isso pessoas ricas me chateiam.

Continua...


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