Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 79
Por um toque


Notas iniciais do capítulo

Eu atraso umas "horinhas", mas não falho....rs
Este capítulo demorou um pouco por que eu estava, totalmente, sem inspiração. Então fugi um pouco do "Nath" sem deixar ele de lado claro... Na verdade ele foi a inspiração, mas não foi meu foco principal...rs

Espero que gostem, e por favor, comentem, quero saber o que acharam de mais este segredinho revelado e do outro que nasceu desta revelação velada...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/452438/chapter/79

#15/03#

A 6ª feira foi um dia agitado para os alunos do S.A. Era véspera do concurso culinário e todos estavam ansiosos; a sala de culinária da escola estava uma loucura, as duplas inscritas já esquematizavam como iam trabalhar. O maior problema era que não tinha fogão ou forno para todos usarem ao mesmo tempo e a briga começou. Todos queriam ser os primeiros a usarem, sendo assim, para acabar com o problema, a prof.ª Nancy separou as duplas em dois grupos, os de pratos frios e quentes. Aqueles que serviriam pratos frios usariam forno e fogão primeiro, e depois os dos pratos quentes, assim eles conseguiriam manter a temperatura do alimento até o momento de servir. E para evitar mais encrenca, os lugares nas bancadas de trabalho foram definidos por sorteio.

— E o Lysandre, Rosa? Ele estará melhor até amanhã? — perguntou Iris.

— O Lys-fofo já está bem. Ele só não veio hoje porque estava chovendo de manhã e Leigh não o deixou sair na chuva.

— Vocês conseguiram testar a receita que vão fazer amanhã? — perguntou, curiosíssima, pois Lysandre era um dos favoritos no concurso. Todos sabiam que ele cozinhava bem devido os elogios que a cunhada tecia da sua comida.

— Não. Quando íamos fazer isso ele ficou doente. Eu nem sei que prato que ele escolheu para amanhã.

— E você não está preocupada? Justo você que queria tanto jantar com Leigh no Alcidamo. — perguntou surpresa pela forma despreocupada que Rosa lhe falou.

— Sinceramente, não! Eu fiquei mais preocupada com a saúde do Lys-fofo. Se não vencermos, tudo bem.

— Você gosta mesmo dele. — comentou com um sorriso, tendo um sim como resposta, igualmente sorridente. — Mas mesmo assim, boa sorte no concurso!

— Boa sorte pra você também, Iris.

Enquanto o assunto na aula de Economia Doméstica era o concurso, na sala do Grêmio habitava o silêncio. Nem parecia que Nathaniel estava lá dentro, pois durante toda a manhã ninguém ouviu uma única palavra da boca dele, que não fez outra coisa a não ser lidar com papéis. Assim que chegou na escola naquela manhã ele foi direto para a coordenação falar com o Sartre, pedindo que lhe desse alguma tarefa para fazer no Grêmio, pois não queria ver ou falar com ninguém naquele dia. O coordenador percebeu que o rapaz estava estranho, cabisbaixo, deduzindo que a conversa com o pai devia ter sido mais que estressante, desconfiando inclusive de que ele havia apanhado. Mesmo sem ter muito que fazer, Sartre lhe arrumou algumas tarefas administrativas para aquela manhã.

Enquanto isso, na SYLVER'S GYM, Nicole conversava com Guerin. Ela queria a ajuda do sensei de Nathaniel para descobrir o que estava acontecendo com ele, que nos últimos dias estava diferente, mais agitado; ela desconfiava que tudo tinha relação com a tal garota da foto que Ambre lhe mostrou no celular, desconfiança que aumentou ao ver que o garoto que o filho brigou era o mesmo da foto no celular da filha.

— Eu estou surpreso com esta atitude do Nathaniel, Nicole, mais do que você imagina. — comentou enquanto fechava a persiana da janela interna do pequeno escritório para que pudessem conversar mais a vontade, sem os olhares curiosos dos alunos. — Mas tirá-lo da academia não é a solução para evitar que ele se meta em encrencas.

— Eu não sei, Henri. Se ele não soubesse bater ele não teria começado uma briga. — comentou deixando transparecer o peso que aquele segredo tinha para ela. — E depois de ontem, estou com medo que Jhonatan descubra. Eu nunca escondi nada dele antes.

— Nathaniel errou em brigar com um colega de escola, mas não foi por ele treinar que fez isso. — disse pegando uma cadeira e colocando diante dela, sentando-se. — Ele não é um garoto agressivo, nem pavio curto. Então deve ter tido um motivo muito forte para agir como agiu.

— Sim, ele teve um motivo, um péssimo motivo por sinal. — referiu visivelmente incomodada. Só de pensar em Emília ela já se irritava. — Uma garota que não o merece!

— Como você sabe que o problema é uma garota?

— Porque ele está interessado numa garota da escola e a talzinha está envolvida com o garoto que ele brigou. — respondeu. O tom de voz dela fez Guerin perceber que ela não gostava nadinha da tal jovenzinha.

— Você tem certeza disso, Nicole. Não foi o tal garoto que andou arrastando asa para a namorada do Nathaniel?

— ELA NÃO É NAMORADA DO MEU FILHO! — bradou levantando da cadeira tão rápido que a empurrou para trás. — E NUNCA VAI SER! — Guerin segurou para não rir daquela mãe enciumada.

— Calma, Nicole. Sente-se, por favor! — pediu segurando na mão dela, puxando-a de volta para a cadeira à sua frente.

Ele sabia que a mãe de Nathaniel era ciumenta com ele, pois sempre que ia a academia vê-lo treinar espantava as garotas com sua cara de poucos amigos, ou melhor, de sogra que adora dar maçãs "carameladas" as noras.

— Agora não é hora para se exaltar. Eu preciso entender o que está acontecendo com Nathaniel para poder conversar com ele.

— Desculpe-me, Henri. Mas quando eu lembro de ontem... — titubeou um instante, sentando-se novamente. Seu semblante pesou e Guerin sentiu que o clima na casa dela devia ter fechado entre pai e filho por conta o incidente na escola. Ele lembrou de um dia no passado, quando conheceu Nathaniel.

— Nicole. Eu vou te fazer uma pergunta que nunca te fiz antes, porque sinto o quanto isso te machuca, mas eu preciso saber, até mesmo para poder entender algumas atitudes do Nathaniel.

Nicole sentiu um frio na espinha, mas antes que conseguisse mudar o foco daquela conversa, como sempre fazia quando Guerin tentava saber mais do que ela queria contar, ele lançou sua pergunta e o silêncio se instalou entre os dois.

— Responda, Nicole. Seu marido ainda é agressivo com o Nathaniel? — insistiu, e ela sentiu que daquela vez, precisava responder. Ela não queria que ele traçasse um perfil do Jhonatan com base numa lembrança do passado:

— Jhonatan é um homem sério, rigoroso, por vezes enérgico, mas não é o tipo de pai que você está pensando. O que você viu, há alguns anos, foi uma situação isolada, motivada pelo estresse do momento. Ele ama o nosso filho!

— Mas...? — Guerin queria ter certeza que ela não estava acobertando o marido. Embora Nathaniel nunca tenha se queixado de agressão, Guerin nunca esquecera a bofetada que o rapaz levara do pai. Ela podia, assim como ele, ter receio de falar do assunto por algum motivo, como medo e até vergonha.

— Jhonatan é incapaz de machucar os nossos filhos ou mesmo a mim, Guerin, se é isso que está pensando. — a sensação de se sentir pressionada a incomodava, a fragilizava. — E-Ele se descontrolou com o nosso filho, eu sei, m-mas foi uma única vez, e só eu sei o quanto ele sofreu e se puniu por aquilo.

Guerin percebeu que a magoou com sua dúvida sobre Jhonatan e não era sua intenção magoá-la, tampouco fazê-la chorar, então, antes que ela se fragilizasse mais e as lágrimas começassem a cair, ele se desculpou e se justificou:

— Perdoe-me pela minha indiscrição e até pela minha desconfiança, Nicole. Mas sabe o quanto eu me preocupo com o Nathaniel. E como eu sei que ele tem problemas para se relacionar com o pai, é natural que eu pressuponha algumas coisas. Mas eu acredito em você. Nathaniel e eu conversamos bastante, você sabe. E ele nunca se queixou do pai em relação a isso. As queixas dele são sempre relacionadas a interação entre os dois. Nathaniel sente falta de uma relação mais próxima com o pai, de conversas mais abertas e até de momentos mais prazerosos. Ele se sente pressionado o tempo todo, sufocado com as cobranças, muitas vezes desmotivado com as escolhas que tem que fazer, pela falta de apoio com as coisas que ele gosta e o fazem se sentir bem, como o Muai Thai, por exemplo, e até mesmo a música. Ele sempre quis tocar bateria, você sabe disso, mas o pai nunca permitiu.  — expôs. 

Nicole, que sabia que tudo aquilo era verdade, com o coração apertado, nada disse, apenas voltou o olhar para baixo. Guerin conhecia aquela reação, aquele comportamento.

— É incrível como Nathaniel se parece com você, Nicole. Quando falar machuca, ele foge o olhar e silencia, como você está fazendo agora. — comparou-a ao filho que herdou dela mais que seus traços estéticos, — E quando eu o faço olhar pra mim, querendo que ele seja forte e seguro ele fraqueja, como você. — tocando-lhe o queixo, levantando seu rosto.

Ver o rosto delicado de Nicole ser riscado pelas lágrimas que ela não conseguiu segurar, silenciosa e de lábios trêmulos fez um fio de suor cortar a face de Guerin e naquele momento ele teve um dejavú, lembrando do dia em que ela pediu, pela primeira vez, para ele ser um anjo na vida do Nathaniel; e por um instante ele quis apenas tocar seu rosto e secar suas lágrimas, deixando-se levar por um impulso juvenil.

— E-Eu te-enho que ir! — ela levantou da cadeira num sobressalto, fugindo do afago de Guerin em sua face molhada. Ele a teria puxado pela mão novamente, mas acovardou-se, deixando-a sair da sua pequena saleta sem dizer nada. Ele sabia que tinha se deixado levar. Estava cada dia mais difícil esconder o que sentia pela mãe de seu aluno mais querido.

— Que droga, Guerin! — repreendeu-se, sentado diante da sua pequena mesa repleta de fichas de inscrição para o Campeonato Regional Juvenil, apoiando o cotovelo sobre ela e levando o punho fechado à frente da boca. — Você está começando a dar bandeira, cara. — cobrou-se, levantando e saindo da sala, retornando para sua aula. Direcionar o treino dos alunos acalmaria seus ânimos.

Nicole saiu da academia atordoada, sem entender o que foi aquilo. O toque de Guerin em seu rosto não foi um simples toque, foi um carinho, um afago que por uma fração de minuto cortou sua respiração. "Por quê?" era a pergunta que martelava em sua cabeça enquanto dirigia sem rumo, confusa, dando-se conta de onde estava apenas quando parou no semáforo. Na quadra seguinte estava a transportadora da família.

— Boa tarde, Sra. Chevalier. — cumprimentou o porteiro da Chevali Transporteur, que estranhou a postura da esposa do Vice-Presidente e Administrador da empresa. Ela nunca entrava sem cumprimentá-lo.

— Sra. Chevalier. Espere! — correu até ela que já estava na porta do elevador, chamando-a. — O Sr. Chevalier está no galpão. — avisou-a.

— O-Obrigada! — agradeceu indo em direção a recepção, pois a porta para o galpão de carga e descarga ficava depois do balcão. O velho porteiro que a conhecia desde que começou a namorar Jhonatan percebeu que alguma coisa a incomodava. Foi como ter um dejavú dela antes de se casar com o filho do dono e Presidente daquela empresa, que tantas vezes passou por ele com aquela mesma expressão no rosto, em busca de um abraço, de um amparo.

— O que será que houve? — perguntou-se, pois antes aquele olhar perdido era gerado pelas palavras duras do pai, mas naquele momento, ele não tinha como saber o que era, tanto porque, para todos na Chevali Transporteur, Jhonatan era um dos homens mais educados e justos que eles conheciam.

Chegando no galpão ela procurou pelo esposo, buscando-o com o olhar, encontrando-o conferindo pessoalmente uma remessa importante que tinha que ter sido enviada para Lion na manhã anterior. Ela tentou conversar com ele, mas não teve atenção. Ele estava preocupado com o prazo, pois um atraso na entrega podia ser desastroso naquele momento. A empresa em Lion era importante e tinha acabado de assinar contrato com eles, e na atual situação econômica do país, que ainda estava se recuperando da crise, eles não podiam se dar ao luxo de falhar com os clientes. Fora que não fazia parte da política daquela empresa falhar com seus clientes e nem com seus credores.

Ela insistiu, pois estava angustiada, com um peso enorme na consciência, como se tivesse cometido o maior dos pecados, mas Jhonatan não queria se aborrecer, ele precisava manter a mente tranquila e focada no trabalho para resolver aquele pequeno problema gerado por ele ter se ausentado da empresa para resolver o problema do filho da escola.

— Por favor, Nicole. Agora não é o momento. — disse, pedindo que ela fosse para casa. — Tudo o que eu menos preciso agora é tomar ciência de algum problema com Nathaniel! — falou com certa rispidez. Ele ainda estava irritado com o filho, pela briga na escola, pela quase expulsão, que só não aconteceu porque Sartre fez vista grossa ao que diz o regulamento da escola; e também pelo atraso no despacho da mercadoria. — Seja o que for, nós resolvemos em casa!

Como de costume Nicole apenas baixou o olhar e aceitou, despedindo-se com um beijo dele em sua testa, pois este não gostava de demonstrações de afeto em público, ainda mais diante dos empregados. Ela foi embora, passando pelo velho porteiro, mais aflita do que entrou. A carga que ela carregava estava pesada demais para conseguir chegar em casa, então sabendo que seus pais estavam na cidade, visto que desde que o pai se aposentara o casal passava mais tempo viajando pelo mundo que em casa, ligou para a mãe, decidindo por visitá-la ao saber que o pai estava no clube com os amigos. Ela queria conversar com alguém mais experiente e mais vivida que ela.

— Olá, querida. Que bom que veio me ver. Eu gosto da companhia da Mari, mas nada como ter a companhia da família.

Adélia era uma mulher solitária, acostumada em ser segundo plano na vida do esposo, salvo quando estavam viajando, pois nestes momentos eles faziam tudo juntos, por isso ela preferia a ponte aérea que sua casa. Isso a fazia ver pouco os netos - que ela amava - mas era a única forma de se sentir importante para o homem que amava a mais de quatro décadas.

— Ah, mãe... — foram as únicas palavras de Nicole para a mãe antes de começar a chorar, ainda parada na porta. Fazia muito tempo que Adélia não a via chorar daquela forma. Ela a levou para seu quarto, lá elas poderiam conversar com mais privacidade, longe dos ouvidos da empregada, cuja única recomendação foi de avisá-la assim que o esposo chegasse ao apartamento duplex com vista para o mar.

Depois de mais calma ela se abriu com a mãe, contando o motivo de sua aflição.

— Você enlouqueceu, Nicole. Como pôde matricular seu filho numa escola de Artes Marciais contra a vontade do seu marido e ainda esconder isso dele. O que você quer? Destruir seu casamento com uma mentira? — repreendeu-a, lembrando-a do que houve quando, há 16 anos ela apenas omitiu uma situação do esposo. 

— E-Eu sei que errei, mãe... e-e que eu quebrei a minha promessa...  Eu nunca deveria ter passado por cima da ordem do Jhonatan, muito menos manter esta mentira por tanto tempo... — admitiu seu erro, controlando o choro aos poucos. — Mas eu só pensei no Nathaniel... Eu queria ajudar o meu filho.

— E é mentindo para o seu esposo, passando por cima das ordens dele que você pretende ajudar o seu filho? — questionou, acreditando que na verdade aquilo era um incentivo para o neto fazer o mesmo. — O que vai acontecer quando meu neto receber um não do pai agora? Ele vai fingir que recebeu um sim e fazer da mesma forma, e depois vai mentir para encobrir a desobediência?

— Por favor, mãe, não diga isso. O Nathaniel não é assim. Ele é um filho obediente e respeita o pai. Ele nunca passou por cima das ordens dele, mesmo quando isso significa perder algo que ele gosta.

— Então ele não frequenta as aulas nesta tal academia? — ironizou, tentando convencer a filha que ela estava conduzindo Nathaniel ao erro, à desobediência, induzindo-o a mentir. Sem argumento Nicole chorou novamente.

— Chorar não vai resolver o seu problema, Nicole. Tire o Nathaniel desta academia antes que o Jhonatan descubra e você tenha problemas com seu esposo. — aconselhou-a.

— E-Eu não po-osso fazer isso com Nathaniel, mãe. Ele adora aquela academi-ia. Ele adora o professor dele. — contou com a fala cortada pelo choro, sem saber o que fazer para aliviar aquele peso no seu coração, dividido entre o amor e zelo pelo filho e o amor e obediência ao marido.

Adélia, experiente pela idade e vivência, conhecendo bem a filha, desconfiou daquela angústia. Não podia ser apenas por Nathaniel estar fazendo algo que o pai proibiu e que ela permitiu.

— O que mais está acontecendo, Nicole? Só essa situação com o Nathaniel não é motivo pra tanto desespero, até porque, o Jhonatan nem desconfia do que você fez! — questionou, forçando a filha a falar; e esta buscou um ponto qualquer dentro daquele quarto para fixar o olhar, tentando fugir do olhar da mãe, que apesar de ser uma mulher submissa ao esposo, sobrepunha-se a filha.

Embora Nicole tivesse muito da mãe, como a submissão ao marido, elas eram de gerações diferentes, e principalmente, tinham esposos diferentes. Enquanto Francis alimentava a submissão da esposa, com sua visão machista e retrógrada de como as esposas tinham que ser obedientes, Jhonatan não queria uma esposa obediente, ele queria uma esposa leal, em quem pudesse confiar cegamente, mas sendo Nicole insegura demais e submissa demais aos pais, ele se viu obrigado a tomar as rédeas da família sozinho e até a se colocar à frente dela, para evitar que os sogros interferissem em suas vidas. Inevitavelmente o que era para ser uma relação totalmente de parceria e lealdade, tornou-se, na maior parte das situações, de obediência e lealdade. E sendo elas diferentes, enquanto Nicole questionava para si mesma as atitudes do esposo com Nathaniel, apesar de nunca ter tido coragem de levar estes questionamentos ao próprio, Adélia nunca questionou Francis em nada, nem mesmo na postura que tinha em relação a filha; e justamente por isso Nicole evitava a todo custo conversar com a mãe sobre os assuntos relacionados a sua família, principalmente nos que envolviam a relação deles com os filhos. Mas havia momentos em que ela sentia a necessidade de desabafar, se aconselhar, como aquele.

— A senhora não entenderia, mãe. — ela tentava se acalmar através da respiração.

— Você acha mesmo que eu não entenderia, Nicole? Você realmente acha que eu não sofria quando seu pai brigava com você? Você realmente acha que aquelas palavras tão duras que ele lhe dizia não me machucavam também?

— Então por que a senhora nunca fez nada, nunca disse nada? — questionou, querendo entender os motivos que levaram sua mãe a se calar diante dos maus tratos verbais que ela sofreu até se casar com Jhonatan.

— Porque você foi uma filha difícil, Nicole. Até seu pai te obrigar a frequentar as reuniões com as senhoras do clube e a ajudar nos eventos você não queria nada da vida. — falou, usando o comportamento inapropriado da filha como desculpa para as grosserias e ofensas do pai. — Você foi sim uma filha obediente e embora tenha mentido algumas vezes nunca levantou o olhar para seu pai, mas em compensação, seu mundo se resumia às compras e aos garotos. Exatamente como sua filha. — comparou-a a Ambre, levando Nicole a levantar da cama, incomodada com o comentário.

— Ah, Nicole. Não finja pra mim que você não sabe que tipo de moça a Ambre está se tornando. Ela é exatamente como você foi. A diferença é que seu pai e eu não fizemos vista grossa, e graças a Deus seu pai teve o pulso forte com você, do contrário nunca teria se tornado a mulher respeitada que é hoje e provavelmente, nem teria se casado com Jhonatan sendo ele de uma família tão conservadora quanto a nossa.

— Mas eu não vim aqui para falar da Ambre! — contestou — Ela é espevitada, eu sei. Mas ela não me dá problemas! — tentando voltar ao foco da conversa. — Jhonatan não se aborrece com ela, ele nunca se aborrece com ela. Em compensação, com Nathaniel... — titubeou, levando a mão no rosto, respirando fundo, contendo-se. Ela não conseguia verbalizar, dizer em voz alta que seu esposo e seu filho não eram tão próximos quanto ela gostaria que fossem.

— Ela não dá problemas porque "você" se nega a ver, mas como "você" mesma disse, "você" veio aqui para falar de "Nathaniel" e não da vista grossa que "você" faz da sua caçula e das coisas que "você" esconde do seu marido sobre ela. — enfatizou, cutucando-a.

Outra diferença entre Nicole e Adélia, era que embora as duas não fossem permissivas com os filhos, sendo até dura em algumas situações, Nicole era mais complacente que a mãe, sendo que com Ambre ela era até demais. Na verdade, ela se recusa a admitir a si mesma que precisava puxar as rédeas da filham fazendo vista grossa às suas atitudes, por medo. Mas não medo da filha e sim, de Jhonatan fazer com Ambre o mesmo que seu pai fizera com ela. Ela não queira que a filha fosse podada.

O que Nicole não conseguia enxergar era que Ambre não era totalmente como ela. Além da filha não ser gentil e educada como ela sempre foi, a jovem tinha o gênio do pai, portanto nunca seria submissa a homem nenhum. Sua omissão só estava transformando a filha numa jovem sem limites, nem respeito por nada ou ninguém, individualista, mesquinha até com o próprio irmão.

— Por favor, mãe. Não piore as coisas para mim. A senhora não vê que eu já estou uma pilha por conta do Nathaniel.

— E qual o problema com meu neto afinal de contas? Por que esta aflição toda? — perguntou começando a ficar preocupada, imaginando que Nath podia estar se drogando ou metido com más companhias.

— Ele está apaixonado por uma colega da escola! — contou como se aquilo fosse o maior de seus suplícios.

— Nicole! Todo esse desespero por ciúme do Nathaniel com uma namoradinha? — indagou olhando para a filha com cara de "ai meu Deus, não acredito que ouvi isso!". Ela sabia que Nicole tinha ciúme do filho, mas nunca imaginou que chegaria àquele ponto. — Ah, filha... pelo amor de Deus, ele tem 16 anos e já é maior que o pai.

— A senhora não entende! Essa menina está destruindo meu filho. Ele está mudando por causa dela. Ele está voltando a ser como era a-antes. — contou elevando a voz, tomando-se pelo choro novamente. — Ele maltrata a irmã-ã... Ele sai bate-endo porta, sem dizer pra onde vai... Ele que-ebra suas coisas... Ele briga com os garotos na escola... — ela realmente estava preocupada com o filho, com medo dele se perder. — Ele quase foi expul-lso da escola por causa dela... — desabafou em prantos, culpando Emília por tudo o que estava acontecendo com o filho.

Adélia ouviu o desabafo da filha construindo em sua mente a imagem de uma garota problema na vida do neto.

— Por cau-usa desta salo-ope[1] ele apanhou do pai! — colocou para fora seu martírio. — Fazia tanto tempo que Jhonatan não batia ne-ele daquele jeito... — sentando-se na cadeira diante da penteadeira da mãe, — Por sorte ele não perdeu o controle e não o machucou como da última vez... — puxando o ar para tentar se controlar, pois lembrar do filho chorando encolhido na cama após apanhar do pai sem reclamar, dizendo a ela que a culpa havia sido dele, pois ele não devia ter se metido numa briga, ainda mais tendo no passado prometido ao pai que nunca mais faria aquilo, era sufocante, pois a lembrava do quão fraca ainda era.

— E sabe o que é pior. É ver meu filho conformado com isso, se culpando, sofrendo porque o pai não confia mais nele.

— Ah, filha. Eu sinto pelo que aconteceu com Nathaniel. E eu entendo o que você está sentindo, mas não culpe seu marido. — disse com expressão de pesar. — Ele fez o que tinha que fazer como pai. Pelo que você disse, Nathaniel está perdendo a linha. Cabe ao Jhonatan puxá-lo de volta.

— Mas Nathaniel não é um filho rebelde ou indisciplinado. Ele é um bom menino, mãe.

— Mas pelo que você mesmo acabou de me contar, ele tem se comportado como tal, tanto em casa como na escola. E ele não é mais um garotinho! — Adélia não passou a mão na cabeça da filha quando nova; não ia passar da do neto. — É quase um homem e sabe que o que toda atitude errada gera alguma punição. Antes ele apanhar do pai hoje do que se perder, como você mesma está com medo que aconteça, e acabe sendo preso por se meter em problemas na rua!

— Mãe!?...

— E o que você queria que seu marido tivesse feito diante desta situação, Nicole? Seu filho trocou socos com outro aluno e quase foi expulso da melhor escola da região por causa disso. Tem ideia do que isso faria com a ficha escolar dele?

— Sim! Eu sei de tudo isso! — elevou-se ainda com a voz falha pelo choro. — Mas se Jhonatan conversasse mais com ele, se o ouvisse mais, com certeza isso não teria acontecido. Se ele fosse um pouco mais como o Henri na vida do nosso filho tudo estaria bem!

— Quem é Henri? Que relação ele tem com Nathaniel? — perguntou incomodada pela forma tão informal que a filha se referiu a ele, na verdade querendo perguntar "Que relação você tem com ele?"

— É o professor dele na academia. E ele é um anjo na vida do meu filho! Então não crie fantasias na sua cabeça, pelo amor de Deus. Eu amo meu marido! — respondeu, defendendo-se antecipadamente, fazendo a mãe arquear a sobrancelha, desconfiada de que aquele tal professor estava influenciando mais que o neto. Ela teria encostado a filha na parede, apertado-a na intenção de tirar dela uma "confissão", mas a empregada bateu na porta, avisando que o patrão estava em casa.

— E onde ele esta?

— No toalete, senhora. — respondeu deixando-as sozinhas.

— Bom, Nicole. Seu pai chegou e não é interessante que eles nos ouça. Você o conhece bem e sabe como ele pensa. Mas eu te dou um conselho e espero que o siga, pelo bem do seu casamento. — disse parada perto da porta entreaberta, olhando para ver se o esposo se aproximava.

— Se você ama seu marido como eu acredito que ama, tire seu filho desta academia, antes que Jhonatan descubra. Pelo bem da relação entre seu esposo e seu filho e principalmente, pelo bem da relação entre você e seu marido e eu não estou me referindo apenas ao fato de você ter passado por cima de uma ordem dele, nem da mentira. — insinuou. — Não dê motivos para ele desconfiar de você! — Nicole não se manifestou, mas entendeu o recado.

— Mas o que eu faço em relação ao Nathaniel e aquela pétasse[2]? — perguntou, mas antes que a mãe pudesse responder seu pai entrou no quarto, estranhando a cara inchada dela, acreditando na história que a esposa contou:

— Sua filha está chateada porque Jhonatan anda trabalhando demais e dando pouca atenção a ela.

— Dê graças a Deus dele estar trabalhando. O mercado não está bom para ninguém. — repreendeu-a, indo para o banheiro tomar banho. — Agora seja uma boa esposa e vá para casa esperar seu marido! Ele não está casado com as empregadas! — ordenou do banheiro. Ela saiu dali se perguntando como a mãe conseguiu suportar aquilo por mais de 40 anos, feliz por Jhonatan ser diferente dele, apesar deter seus defeitos.

Sua mãe a acompanhou até o elevador, sentindo o coração apertado, com medo dela, motivada pela fragilidade, acabar colocando seu casamento em risco.

Nicole chegou em casa uns 40 minutos antes do esposo, que foi direto para o quarto a sua procura, preocupado, já com dor de cabeça imaginando que Nathaniel tinha se metido em mais um problema.

— Não foi nada, querido. Eu só estava chateada por ontem, me sentindo amargurada, querendo um pouco de atenção. — contou sem levantar da cama, omitindo o real motivo que a fez procurá-lo. Ela queria contar-lhe sobre a academia, tirar aquele peso de suas costas, mas desistiu depois de desabafar com a mãe. — Ao sair de lá fui ver a minha mãe e ela me fez entender que eu sou uma tola.

— Você não é tola, Nicole. — disse-lhe deitando ao seu lado. — Você é só uma mãe amorosa demais e que por vezes esquece que os filhos crescem e cometem erros e que se não corrigirmos eles se perdem. — tocando-lhe a face, fazendo-a olhar para ele, afago que a fez tocar a mão dele sobre sua face ao invés de fugir.

— Eu te amo, Jhonatan! – disse-lhe com um olhar que fez aquele homem por vezes tão severo, aproximar seu rosto do dela e a beijar, pegando-a em seguida no colo e levando-a para a banheira. Tudo deixou de existir para os dois naquela hora.

Na hora seguinte enquanto ele se vestia ela tocava a face, diante do espelho sobre a pia do banheiro, lembrando de outro toque em seu rosto, naquele mesmo dia. Ela não queria ter lembrado daquele toque, mas o que ele - o toque - significava? Jhonatan a abraçou por trás e ela só pensou no quanto aqueles braços lhe era acolhedores... Para ela não tinham outros braços em que quisesse estar...

~~~~§§~~~~

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[1] Salope: oferecida, safada

[2] Pétasse: igual a piriguete.


Ai meu Deus... Até eu me surpreendo comigo...rs

O Presidente da transportadora ainda é o avô de Nath, pai de Jhonatan. Ele está aposentado e vive em Marselha com a esposa. Embora não atue diretamente, ainda exerce influência nas decisões do filho.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Segredos e Bonecas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.