Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 13
Eu devia ter ido a pé.


Notas iniciais do capítulo

REVISADO e EDITADO - 03/08/2017



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/452438/chapter/13

#07/03#

*Pipipipi – pipipipi – pipipipi – pipipipi – pipipipi – pipiripi – piripi – piripipi piripipi piripipi...*

PLAFT!

— Juro que se você não fosse tão bonitinho com estes bigodinhos, eu te jogava na parede! — resmungou, com a voz ainda abafada pelo sono, referindo-se ao seu despertador com formato de gatinho, cujos bigodes eram os ponteiros. — Um dia eu crio coragem e te troco por um digital. — ameaçou-o enquanto se levantava, como se o pequeno maquinário de pilha, presente de aniversário do Ken, tivesse vida.

Antes mesmo de levantar da cama ela pegou seu celular e esperançosa olhou a janelinha do WhatsApp, em busca de uma única mensagem. Um “bom dia, filha” já a deixaria feliz, mas nem isso. Mas o que realmente entristeceu seu coração foi ver o vistinho azul ao lado da sua mensagem, o que significava que a mãe já a havia lido. Então, por que não respondera? Será que ela não sentia sua falta? Dois meses separadas e ela não havia ligado como prometido.

Pablo, seu padrasto, já havia ligado três vezes, mas foram conversas rápidas, sendo a primeira vez no final de janeiro, no horário de almoço. Ela não pôde estender a conversa por precisar voltar para a aula; ele havia esquecido a diferença do fuso horário entre Nice e Londres. Da segunda vez, perto das férias de inverno, também foi no horário de almoço; eles teriam conversado por um bom tempo se o celular dela não tivesse desligado por ter zerado a bateria logo nos primeiros 10 minutos de conversa. Já na terceira e última vez, em meio as férias, ele estava dirigindo e aproveitou para ligar enquanto estava parado no semáforo. Como sempre ela perguntou da mãe e ele disse que ela sentia saudades, dando a desculpa dela estar sempre cansada pelo trabalho, que era bem puxado - quando não estava trabalhando estava dormindo, exausta. Mas seria verdade? Talvez até fosse, afinal, ela mesma mal teve tempo para si até se adaptar melhor a sua nova realidade escolar. Mas que mãe não conseguia um tempinho pra ligar para a filha? Seu padrasto não havia ligado do semáforo? Ela tinha que parar de pensar naquilo, pois só lhe fazia mal.

— Quando ela se organizar melhor e se adaptar a nova rotina, vai me ligar, como prometeu. — foi o que disse a si mesma, deixando o aparelho sobre o criado mudo, forçando-se a acreditar naquilo.

Depois de um banho super demorado para relaxar, voltando seus pensamentos ao cheirinho de pão quentinho que vinha da cozinha, salivando ela vestiu o roupão e foi comer, mas ao olhar para o relógio de parede viu que havia passado tempo demais olhando para o Whats, ou melhor, para o nada, e depois embaixo do chuveiro. Ela voltou correndo para o quarto e se trocou, vestindo a primeira roupa que viu na frente, desejando, como todos os dias anteriores, que a escola adotasse o uso de uniformes, mesmo odiando ter que usá-los. Ela não via a hora de receber a sua mesada, que daquela vez seria maior, pois estava fazendo suas tarefas de casa e se dedicando na escola. Ela faria exatamente como sua amiga Mila, torraria tudo em roupas.

Depois de passar um pouco de nutella numa fatia fina de baguete, ela saiu apressada. Maitê apenas riu. Ela poderia oferecer uma carona, mas não o fez. A garota tinha que aprender a administrar melhor seu tempo.

Enquanto ela foi para a garagem pegar o carro, Sol foi para a calçada olhar o tempo.

O dia não estava tão claro quanto os anteriores. As chuvas da primavera se faziam presente e ao que tudo indicava, aquela 5ª feira seria chuvosa, sendo assim, ir a pé não era uma boa ideia, pois a chuva podia pegá-la no meio do caminho.

Embora o caminho fosse longo, Sol preferia caminhar 45 minutos até a escola do que pegar o ônibus. Mas não por querer fazer uma caminhada matinal, ou se manter em forma. Sua motivação era a economia que fazia. A condução era tirada da sua mesada, assim como sua alimentação na escola, e como não dava para ficar sem comer, ela economizava o máximo que podia no transporte, deixando o ônibus para os dias de chuva ou quando estava com preguiça de caminhar. Dez dias indo e voltando a pé para a escola já lhe rendiam dez dias de créditos para o mês seguinte, então ela não precisaria creditar o valor correspondente no seu cartão de transporte, guardando-o para fazer suas comprinhas tão desejadas. E se ela não tivesse vergonha de levar lanche de casa para comer no almoço, como se ainda estivesse no Primário, economizaria ainda mais.

Assim que a jovem estudante entrou no ônibus, o celular tocou, fazendo seu coração acelerar. Certa de que era sua mãe ou mesmo seu padrasto, pegou o aparelho da bolsa com um sorriso enorme nos lábios, mas ao ver o número da amiga no visor, frustrou-se.

— Se for para brigar comigo de novo é melhor desligar agora. — atendeu com rispidez, sem nem mesmo dar a chance de Mila dizer “oi”. — Assim você evita que eu desligue na sua cara!

— Nossa! Se você não quer mais falar comigo, é só dizer. — disse a amiga, melancólica. — Eu vou te deixar em paz!

— NÃO DESLIGA! DESCULPA! — berrou do meio do ônibus, levando o senhor que estava sentado ao seu lado a olhar para ela com ar de reprovação. Ele não gostava de jovens barulhentos.

Mila estava no segundo estágio da TPM, a melancolia. Se antes ela reclamou e acusou, naquele momento ela choraria se Sol ousasse ser ríspida com ela de novo.

— Você sabe que eu te amo, Mila Vecilos. Então não se atreva a desligar este celular! — disse ela, cheia de ternura, levando a amiga a sorrir do outro lado. Ela não podia descontar na amiga sua tristeza pela saudade da mãe.  — Diga, o que queres de mim? Espero que não sejam chocolates, porque já dei todos os que eu tinha para um garotinho adorável ontem à noite! — ironizou, debochando de si mesma.

— Eu só quero me desculpar por aquele dia. Eu fui uma idiota! Por favor, diga que me perdoa, Sol!

— É claro que te perdôo, bobona. Você é minha melhor amiga, assim como a Ana e o Ken. — sorriu, deixando a amiga feliz de novo.

— E por falar no Ken, você tem notícias dele? — perguntou, preocupada, olhando, pela janela, as nuvens de chuva se apropriarem do céu. — A Ana me contou sobre o Major.

— Não tenho, Sol! Desde que o Major chegou que ele não conversa com a gente. — mostrou-se preocupada com o amigo de óculos. — Para falar a verdade, desde 6ª feira que não o vemos, pois ele ainda não apareceu na escola essa semana. Nós estamos preocupadas.

— Será que ele vai mesmo para o colégio militar? — perguntou Sol, desejando que não, embora fosse melhor para sua amiga Ana. — Eu queria poder fazer alguma coisa.

— Nós também, Solzinha. Tomara que a mãe dele consiga convencer o Major a deixá-lo ficar aqui! — lamentou-se, pois se Ken fosse embora, restariam apenas Ana e ela do quarteto.

— Eu também espero! Até porque, a tia Madeleine é muito apegada ao Ken. Se ele for morar com o pai, ela vai ficar muito triste. — comentou Sol.

— Talvez se ela não o tivesse mimado tanto, hoje ele seria mais homem. — comentou Mila, referindo-se ao fato do garoto ter quase 15 anos e ainda ser o bebe da mamãe.

— Não fale assim, Mila! O Ken é um homem! — referiu Sol, defendendo o amigo. — Ele só não é igual àqueles neandertais metidos a bad boys.

— Ahhhh, é mesmo! Eu já havia me esquecido! — empolgou-se. Pelo tom de voz dava a perceber que ela estava com um largo sorriso do outro lado da linha. — Você e o Ken viviam grudados.

— Como você é maliciosa, Mila! Não fale besteiras! Você sabe que o Ken e eu sempre fomos amigos, nada além disso! — ralhou Sol, incomodando novamente o senhor ao seu lado, que a mandou falar mais baixo, corando-a de vergonha. — E quer saber de uma coisa, eu vou desligar. Meu ponto já está chegando e eu tenho que levantar. — disse, despedindo-se da amiga pentelha, antes que ela fizesse outra piadinha dela com o Ken, levantando-se.

Ainda faltavam três pontos até o da escola, mas Sol estava com vergonha do senhor ao seu lado, que não parava de resmungar o quanto “os jovens da geração dela eram inoportunos e barulhentos”.

“Desculpe-me por não estar ai com você, Ken!”, pensou ela, enquanto tentava se equilibrar, segurando a alça de apoio com uma mão e o fichário e o livro de Matemática com a outra. “Você sempre esteve do meu lado quando precisei, e agora, eu não estou por perto quando quem precisa de ajuda é você.” — derrubando-o sobre o senhor a sua frente assim que o ônibus fez a curva, pois estava tão distraída com seus pensamentos que soltou a alça para tirar cabelo do rosto, bagunçado pelo vento que vinha da janela.

Ela nunca imaginou que um velhinho pudesse ser tão grosseiro e lhe dizer tantos desaforos. Se ela pudesse, se jogaria da janela, ou melhor, o jogaria pela janela, mas aí ela seria apedrejada por maltratar um idoso "indefeso". Todos dentro do ônibus olharam para eles, e o velhinho, com um sorriso nada verdadeiro nos lábios, desculpou-se, referindo estar cansado. Ele havia dormido mal à noite por causa das dores nos ossos e estava indo ao médico.

"Até parece, velho mentiroso. Está com traje de ginástica. Deve estar indo para a academia, isso sim!" pensou Sol, que não estava errada. Num instante os olhares se voltaram apenas para Emília, jovem e desastrada. Não lhe restou outra saída a não ser, com um sorriso amarelo e vermelha como um pimentão, desculpar-se com o velhinho de novo.

— Eu devia ter segurado a alça com mais firmeza.

— Não se preocupe, criança. Vocês, meninas, não tem muita firmeza nas mãos mesmo. E são muito distraídas. — disse ele, com cara de bom velhinho e um sorriso debochado nos lábios.

Por sorte o fichário era de zíper, mas as folhas de atividades que estavam dentro do livro se espalharam pelo banco e o velhote, num gesto de "boa vontade", a ajudou a recolher, pegando uma por uma com tanta delicadeza que só passando-as a ferro para desamassarem.

“Velhote machista, mentiroso, sínico, debochado!” pensava ela, enquanto recebia suas folhas, com um sorriso forçado nos lábios.

“Pirralha barulhenta, maloqueira!” pensava ele enquanto lhe entregava as folhas, com o sorriso mais irônico que ela já viu. Nem Castiel conseguiria aquela faceta.

Por sorte as folhas foram recolhidas a tempo. Sol desceu do ônibus e esperou ele sair do ponto para poder atravessar, por ser uma via de mão dupla, e para sua surpresa, o velhote, da janela, sorriu para ela, e disfarçadamente, mostrou-lhe o dedo do meio. Ela não sabia se ria ou se ficava indignada com tamanho desaforo.

A chuva começou a cair e ela correu para dentro da escola e enquanto caminhava pelo corredor em direção ao seu armário pensou no Ken.

— Queria ser uma mosquinha, só para estar com ele... — murmurou, recostando-se na porta do armário, levando seus pensamentos até o amigo, que naquele momento temia a decisão final do pai.

 

 ~~~~§§~~~~

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Como será que esta o Kentin?
Seja a mosquinha e leia o próximo capítulo.