A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 2
Visita de última hora




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Levantei a cabeça sem graça e vi aquele adolescente, senti meu rosto corar e resolvi acabar com aquele silêncio e falar alguma coisa:

– Oi, tudo bem? - Perguntei sem graça.

Eu nunca tinha ficado nervosa ao falar com ele, porém também não tinha visto ele depois da natação. Nossa que gato! Fiquei mais chocada ainda ao vê-lo com o cabelo molhado e a franja jogada na testa, aquele pircing no nariz...

Antes de começar a babar eu ouvi seus pensamentos e me toquei que estava parada em frete dele com cara de besta.

Fingi que nada aconteceu, peguei-o pela mão, entrei em casa e sentei no sofá, toda aquela correria tinha me deixado tonta. Pena que ele não me deixou ficar sentada por mais de dois segundos. Lorran me puxou pela mão e me abraçou como nunca tinha abraçado antes, ouvi seus pensamentos com tanta clareza que cheguei a ficar assustada:

“Clara, estava com tanta saudade de você”

Perdi o equilíbrio quando ele me soltou que quase caí no chão, mas dei muita sorte, ele agiu bem rápido e me segurou antes que eu caísse.

– Cuidado! É pelo visto você não está totalmente recuperada...

Não adiantou eu me debater podia me mexer o quanto quisesse, ele tinha me pegado no colo e estava decidido a me colocar um repouso. Bem, era o que eu podia entender de seus pensamentos.

– Não, não quero ir para o quarto de novo! Estou cansada de ficar lá! - Resmunguei.

Chegando ao meu quarto ele sentou na beirada da cama, no mesmo lugar que Lukas tinha estado, eu novamente não falava nada só o observava sorrindo ironicamente por causa da situação. Ele parou de falar e ficou me encarando, até que era divertido eu podia ouvir seus pensamentos.

“Por que ela esta me olhando tanto? Eu estou com alguma coisa no dente? Impossível não comi nada desde a hora do almoço! O que será que ela está pensando?”

Resolvi parar com aquela angústia e contar de uma vez o que ele deve saber:

– Lô, eu tenho uma coisa pra te contar... – Comecei.

O garoto começou a suar, fiquei preocupada e coloquei a mão em seu pescoço, os pensamentos dele me confundiram. Poderia ser... sei lá, falta de carboidrato. Mandei-o ir à cozinha comer alguma coisa, antes que ele tivesse um mal súbito.

Ele, como sempre, negou que estivesse se sentindo mal, então puxei a mochila da escola (que estava debaixo da cama) e dei uma barrinha de cereal para ele comer, então recomecei a falar:

– Você sabe de certas “sensações” que venho tendo há alguns anos e as dores de cabeças...

– Hum... - Ele estava se deliciando com a pobre coitada da barrinha - Prossiga!

– Acho que como você é meu amigo, deveria saber que eu não sei como consigo, mas posso ler mentes.

Lorran se engasgou com o último pedaço da bendita barrinha. O garoto já estava lacrimejando, eu tentei de tudo: coloca o braço pra cima, respira fundo, olha pra luz, toma água da planta... Até que, nervosa, puxei ele pela blusa o deitei na cama e soquei suas costas já gritando:

– Maldita barrinha de cereal! Saí daí agora, eu sabia que era pra ter comprado bolinho Ana Maria! Pelo menos isso não ia ter acontecido! Socorro!

Eu não sei como, mas minha mãe chegou e viu aquela cena deplorável, eu quase chorando e Lorran fazendo sinal da cruz de joelhos na minha cama, beijando minha mão.

– O que está acontecendo aqui? - Disse minha mãe com a mão na cintura.

Realmente aquela não era uma das melhores coisas para se ver depois de um dia cansativo de trabalho.

Levantei rapidamente da cama e falei:

– Lorran amanhã nós nos falamos no colégio, eu te levo até a porta!

Tentei ser o mais convincente possível e aproveitei pra passar no quarto do Lukas pra pegar um casaco, agora estava chovendo e ele poderia se resfriar.

– Você tem certeza absoluta de que não vai faltar? - Ele estava impaciente.

– Você acha mesmo que vou deixar de ir ao último dia de aula do semestre? - Respondi uma pergunta com uma resposta um tanto óbvia demais.

Levei-o até o elevador e ele me encheu de perguntas, fiz uma promessa antes de ele ir:

– Eu vou te responder tudo que você quiser, amanhã, só amanhã...

Mais um abraço e um beijo na bochecha. Meu amigo tinha ido embora lotado de perguntas, e minha mãe me esperava em casa querendo respostas.

Tivemos uma longa conversa com os mais variados assuntos, entre eles minhas responsabilidades e as regras da casa.

Antes de dormir fiquei feliz por uma coisa que pensei nunca saber que um dia seria: uma garota comum.

Depois de cair num sono pesado, me encontrei no pior dos pesadelos que já tive.

Eu estava caminhando sem parar, sem destino, a lugar nenhum. Era tudo claro e vazio. Seria aquele meu coração? Ficava cada vez mais confuso à medida que eu caminhava nada parecia ter acontecido, nem um minuto parecia ter se passado, quando aquela agonia tomou conta da minha voz e gritou Lukas, Sandra e Lorran. Algo se moveu atrás de mim, era à sombra da minha amiga Lívia só que tinha alguma coisa diferente, forçando mais a vista pude ver que ela estava bem mais velha!

Fiquei imóvel na sua frente pedindo ajuda, mas parecia que nenhum ruído tinha saído da minha garganta. Ela estava tão entretida com alguma coisa que desisti de tentar falar e fui espiar. Um álbum de fotos, era isso que ela tinha nas mãos. Era a formatura que teríamos daqui a dois meses, estava todos na foto menos eu.

Desesperei-me e na mesma hora senti como se um buraco tivesse se aberto no chão me puxando para um poço escuro e eu caí infinitamente por muitos metros até cair no chão frio e sentindo uma dor insuportável por conta do impacto. A pouca luz que via do buraco de onde vim aos poucos se extinguia junto com o ar que respirava descontrolada de dor.

Soltei um grito sufocante e minha mãe me acordou, eu estava atrasada pra aula. Acordei assustada, levantei rápido da cama e fui direto para o chuveiro antes que o Lukas entrasse no banho antes de mim, hoje de jeito nenhum eu podia faltar. Debaixo da água quente me lembrei que aquele seria o último ano na escola e que eu não precisava mais acordar cedo todos os dias. Depois refleti sobre o que o meu sonho queria me dizer e tomei uma decisão:

“Não posso me prender em casa esperando que algo me atinja, ou que me leve logo desse mundo, vou fazer meus dias inesquecíveis”.

Tudo que eu mais quero nesse mundo é terminar essa porcaria de 2º grau.

Depois de declamar meu discurso para o espelho, fui convidada a me retirar do banheiro por meu irmão gritando do lado de fora.

Lembrei que hoje era sexta feira, o último dia de aula antes das férias de julho. Arrumei-me e saí correndo sem esperar o Lukas, deixando-o para trás, eu só queria chegar à sala de aula o mais rápido possível. No elevador abria mochila para ver se eu não tinha esquecido nada, e lá estava novamente uma coisa que me fez lembrar uma situação engraçada: uma barrinha de cereal.

Subi as escadas correndo e me perguntando novamente por que a escola não tinha um elevador, quando de repente meu cérebro parou ao vê-lo: lá estava ele sentado no meu lugar, imaginando seu violão, eu o vi fazendo aquele movimento com as mãos cantando com Lívia. Sentei no meu lugar e quando comecei a cantar com eles toda turma se calou e eu senti uma mão na minha cabeça. Virei-me rezando para que não fosse o diretor na escola e quando abri os olhos vi o sorriso do meu professor de matemática. Levantei-me da cadeira e abracei-o.

– Bruno!

Não fiquei muito tempo abraçada com ele, até sentir um leve puxão no meu cabelo e vi o Carlos Eduardo.

Os meus dois professores preferidos tinham passado na minha sala só pra me dar um “oi”, porque infelizmente tínhamos logo uma palestra de química. Sentei novamente e soltei um bocejo longo, mal tinha chegado e já estava com sono. Mas o que eu não esperava era uma muito demorada (bota demorada nisso) palestra do professor Rodrigo (apelidado carinhosamente de Nakamura, por ter os olhos puxados). O tempo passou tão rápido quanto uma corrida de lesmas.

Ainda bem que acabou e chegou o intervalo, todos ansiosos com a chegada do boletim que viria assim que o recreio acabasse. Para mim aquele intervalo serviu para tirar algumas dúvidas e formar outras. Descemos as escadas para o pátio conversando e fazendo cócegas uns nos outros.

– Foi engraçado – Admiti – Lívia não fique chateada comigo por não ter te contado antes isso que esta acontecendo com a minha cabeça. Mas é a maior chatice esse pessoal não cala a boca! Na verdade a cabeça... Nas aulas é difícil prestar atenção com os pensamentos dos nossos colegas na minha cabeça.

Fiquei pensativa, me perguntando se conseguiria conviver com aquilo por muito tempo.

– Será que as pessoas não podem pensar mais baixo?

Comecei a andar de costas para ver a expressão deles, querendo dar boas risadas com as caras que eles provavelmente iriam fazer. Mas o aconteceu não teve a menor graça e os risos e gargalhadas se transformaram rapidamente em cara de preocupação e espanto. Só pude entender o motivo de tanta preocupação quando vi Lívia e Lorran estendendo as mãos para me segurar. Tarde de mais. Eu já tinha escorregado, meu pé falhou na escada.

Pode ter parecido para ele uma questão de segundos, mas para mim vi tudo em câmera lenta, eu estava tão concentrada na brincadeira e desorientada que não vi a escada que levava os alunos de volta ao primeiro andar, foi relativamente rápido, mas deu tempo de me preocupar com o fim que aquilo teria. Apoiei a mão antes do impacto, sorte a minha que não bati com a cabeça. Já me bastavam os meus problemas, agora ficar internada não estava nos meus planos.

“Não acredito! A culpa é minha, Lívia! Fui eu quem a deixei cair, eu tinha que ter segurado a mão dela... Eu sabia!”

Os pensamentos de Lorran ecoavam na minha cabeça. Eu queria muito ter forçar para levantar e falar que estava tudo bem, mas seria mentira se dissesse isso. Pensei seriamente numa musica que eu amo que diz que garotas grandes não choram.

Agora era tarde pra pensar nisso, meus músculos berravam, mas não tanto quanto minha boca.


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