A última primavera escrita por Valerie
Notas iniciais do capítulo
Meus amores, o próximo cap (20) é o último.
Pensei em mil modos de chegar até o quarto, mesmo sendo do meu lado era uma tarefa difícil e complicada. Pensei em coisas tão bizarras, como pular da minha janela para a dele, ou simplesmente bater o pé e sair andando. Mas o mais fácil e sem risco até agora é esperar todos dormirem e o escuro chegar.
Controlei-me para não desisti, mas enfrentar aquele medo valia a pena. Eu só vou sair do quarto e entrar na porta ao lado. Fechei os olhos tentando simular meus passos e vi que não era lá um bicho de sete cabeças.
Ainda de olhos senti calafrios e vi uma cena deprimente (outra lembrança). “Uma mulher caída no chão ao lado de um homem, ambos machucados e mortos. Aos meus olhos tudo estava embasado como se eu estivesse chorando e um sentimento de culpa me sufocava.”
Com aquele susto, sentei rapidamente na cama e ao abrir os olhos me deparei com mais um poder. Eu podia ver através da parede. Como ou quando isso chegou eu não sei, só o que tenho certeza é que eu não o desejava. Ver o Paolo naquele estado foi horrível, ele esta coberto de fios, com aparelhos enormes a sua volta e muitos curativos pelo corpo.
Fichei novamente os olhos com a esperança de que quando abrisse tudo não parasse de um pesadelo. Sandra já estava ao meu lado, me abraçando, dizendo para eu me acalmar.
– Precisa de um calmante?
– Não, não, por favor. - Pedi.
Ignorada. Foi descartado meu pedido para que ela não me desse um calmante, mas com aquele discurso falido de: “mãe é mãe”, me obrigou a tomar.
Não sei bem por quanto tempo dormi, sedada, mas quando acordei a novela das nove já tinha começado, o que é bom porque a final eu estou descansada e vou poder cumprir minha missão com perfeição. Mamãe cambaleando de sono escovou os dentes o dente, deitou no sofá e caiu no sono. Agora eu só tinha que esperar (o que é difícil para uma pessoa impaciente como eu).
Fiquei olhando para o teto por exatos 40 minutos e percebi que ela tinha mesmo ferrado no sono. Cautelosamente me levantei da cama, coloquei as pantufas, daquela infinidade de flores que tinham no meu quarto eu “colhi” uns narcisos e os coloquei dentro de um copo com água, mas havia algo errado.
Peguei uma rosa vermelha e a coloquei no meio, perfeito. Agora eu poderia ir fazer uma visitinha noturna ao Paolinho. Não posso negar que prendi a respiração quando abri a porta do quarto e me dei de cara com um corredor vazio e escuro. Ao colocar a mão na maçaneta, a porta se abriu e alguém me puxou pra dentro.
Tive vontade de gritar, mas tamparam minha boca. A luz do abajur se acendeu e vi que era Kaylon.
– Sabia que você viria e... Te assustei muito?
– Não, só um pouco.
Poderíamos trocar sussurros, mas eu realmente me assustei ao ver Paolo daquela forma. Aquilo que eu pensei ter sido um simples pesadelo, era real. Aproximei-me da cama e vi meu príncipe encantado ferido e lotado de fios. Procurei sua mão debaixo dos cobertores, mas ela estava enfaixada.
– Pode ficar quanto tempo quiser, ele precisa de você. - Disse Kaylon sentando no sofá.
Acariciei seu cabelo e me perguntei por que ele tinha chegado a esse estado e eu não. Mas agora eu não tenho tempo para perguntas e raciocinei rápido. Se eu escutava tudo ao meu redor quando estive inconsciente ele também escutaria.
– Paolo, é a Clara, eu quero te dizer que estou te esperando. Fique bom logo... Estou bem, no quarto ao lado, queria muito que você acordasse para conversar comigo...
Sussurrei palavras em seu ouvido e como milagre ele me respondeu, não com a boca, mas mentalmente.
“Clara? É você mesmo? Me desculpa por aquele beijo é que...”.
– É que nada! Sem aquele beijo eu não estaria viva. Beijinho poderoso esse seu...
Kaylon me olhava espantado e esclareci que estava conversando com o Paolo. Foi difícil o fazer acreditar que eu conseguia me comunicar com ele, até eu repetir os xingamentos que só o Paolo o chamava.
“Como é que eu faço pra acordar? Eu quero te ver...”.
– Bem, eu acordei quando aconteceu algo que me motivasse a abrir os olhos.
“Mas eu quero, estou tentando, mas não consigo. Tive uma idéia, não é lá a das melhores...”.
– Diga-me!
“Beije-me”.
– Como é que é? Você está pedindo para te beijar?
Kaylon fez uma cara de riso e arregalou os olhos.
– Esse é o meu garoto, nem acordou e já quer beijar a garota...
Comecei a rir, mas não consegui disfarçar a preocupação. Talvez, se eu o beijasse de novo eu poderia entrar em coma outra vez e ele... Como o Dr. João diz: “coisa pior”.
“Não se preocupe, sei que isso será uma ótima motivação para eu acordar”.
– Kaylon, o que você acha?
– Vá em frente garota, se quiser eu até saio do quarto, prefere?
Olhei novamente para os fios que cobriam seu peito e disse que sim. Os pensamentos de Paolo ficaram bem animados, mas eu continuava preocupada.
“E se eu piorar as coisas? E se eu não beijo bem? Só beijei uma vez na vida e mesmo assim não valeu...” pensei comigo mesma.
“1º- Você não vai piorar as coisas, 2º- Você beija que é uma beleza e 3º- Cara eu estou lendo sua mente”
É verdade! Ele leu meus pensamentos! Depois nós conversaríamos sua voz na minha cabeça implorando para beijá-lo me deixava louca. Engoli o medo, me debrucei na cama e toquei seus lábios com os meus.
Afastei-me para ver se aconteceria algo. Um milímetro de distancia dos nossos rostos e seus olhos verdes se arregalaram. Ele puxou meus lábios com os dentes e deu continuidade ao beijo.
Sentir seus lábios sedosos e a língua macia e morna me fizeram abrir os olhos para checar se não estava sonhando. E a noticia do ano: ele beija de olhos fechados. Interrompi o beijo para olhar seu rosto. Ele abriu os olhos assustado e logo entendeu minha vontade, lendo meus pensamentos.
– Eu não te disse amor, que você me faria acordar? - Ele sussurrou.
Kaylon já tinha entrado no quarto e aplaudiu em palmas baixas o sucesso da missão quase impossível.
– Tenho que voltar ao meu quarto. - Disse.
– Ah, não! Fica essa noite aqui, ouvir o Kaylon roncando é muito chato.
– Imagina se alguém me pega aqui? Vão querer até te mudar de andar, ou pior, de hospital! - Tentei justificar.
– A menina esta certa, amanhã ela volta. - Disse Kaylon me apoiando.
Mesmo querendo ficar, tinha que tomar minhas precauções.
Mentalmente ele me pediu outro beijo, mas eu não tinha coragem pra isso na frente de Kaylon.
Despedi-me com um simples beijo na testa, porém não consegui sair do quarto. Não entrava na minha cabeça ter o feito acordar.
Se isso é um sonho não me deixem acordar.
– Clara, fica. Pela lógica. Esta aqui há uns minutos e eu já posso falar. Imagina se ficar aqui essa noite... - Ele disse meio rouco.
– Vendo por esse lado... - Kaylon se intrometeu.
– Mas se minha mãe acordar? Eu não estarei lá.
Mesmo sabendo que Sandra tem um sono de pedra (que só acorda com meus berros, e o despertador dela), não é bom arriscar.
– Mas não necessariamente é você, quem precisa estar lá. - Disse Paolo.
Seu sorriso me fez entender. Olhamos para Kaylon implorando para ele se fingir de “Clara” só até amanhã de manhã.
– Faço o que quiser.
As palavras de Paolo me impressionaram, e eu me senti num jogo de pingue-pongue: queria olhar para os dois ao mesmo tempo.
– Tudo que eu quiser? - Perguntou Kaylon curioso.
Paolo assentiu com a cabeça esperando ter que pagar uma grande quantia em dinheiro ou abrir mão da mesada.
Mas não tinha nada a ver com isso.
– Pode parar de ma tratar com frieza e me chamar de tio?
Kaylon foi tão fofo que eu fiquei com vontade de chamá-lo de tio.
– Tudo bem... Será que você pode fazer a gentileza de enganar a mãe da Clara, tio?
Kaylon abriu um sorriso e saiu do quarto. Ficamos sozinhos nos olhando por um tempo até falar:
– Você pode tirar esse bagulho do meu nariz? Eu consigo respirar sozinho.
Encostei no fio e perguntei se doía, tirei-o com cuidado me livrando de uma preocupação.
“Você pretende ficar em pé a noite toda, ou vai deitar aqui do meu lado. Tem espaço suficiente para nós dois na cama.”
– Estou com medo de te machucar...
“Clara põe uma coisa nessa cabeça dura: você me faz bem.”
Com todas aquelas declarações eu tinha que confiar nas suas palavras.
Tirei a pantufa e perguntei se ele ficaria esmagado na cama.
– Posso refazer seus curativos? Ficarei mais tranqüila.
“Se ver meu abdômen todo rasgado é o que você quer, vá em frente. Mas uma hora vai acabar e terá que deitar aqui.”
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