Gris escrita por Petit Ange


Capítulo 4
Capítulo 3: Isn't it Lovely?




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GRIS
Petit Ange

Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira.
~ Anna Karenina (Tolstói).

 

 

Capítulo 3: Isn’t it Lovely? [10]

 

De longe, aquele era um dos melhores sonos de sua vida.

Não que alguém vá, de fato, lembrar-se dos sonos de sua vida e classificá-los de alguma forma. Simplesmente era o fato de sentir-se tão bem fechando os olhos.

Depois de um dia tão agitado quanto ontem, mais parecendo que vivera toda uma vida em menos de 24h, nada mais justo que aquele sono. E nada tão certo quanto. Não importava que fosse uma cama estranha, com um colchão que não era, exatamente, seu tipo, ou mesmo em companhia de um rabugento que podia, inconscientemente, fuzilá-lo com os olhos.

Simplesmente, Demyx entregou-se ao sono que o estava dominando há tempos. Não houve mais dores, arrependimentos nem pensamentos. Só houve o descanso.

Não houve sequer sonhos.

E isso o deixou extremamente satisfeito.

Ultimamente, não que estivesse reclamando (até porque já aceitara aquele fato como uma realidade consumada), os sonhos que andava tendo pareciam antíteses de seus atos. Onde ele já havia entregado-se passivamente, seus pensamentos continuavam nadando contra a maré. Classificava aquelas imagens cujo significado só ele conhecia como ‘irritantes’. Ou melhor, ‘totalmente irritantes’.

Demyx até mesmo imaginava se não fosse começar a ter medo de dormir. Mas isso, graças aos céus, não aconteceu.

O sono sem sonhos, o sono feito de escuridão pacífica, veio rápido. Levou-o sem hesitar. E foi-lhe o suficiente.

Uma pequena alegria naquele dia bizarro.

...Mas isso, é claro, como a maioria das coisas em sua vida, durou pouco.

Durou até acordar no meio da noite e perceber, como imaginou, que Zexion estava na poltrona do quarto de hotel, quarto esse não em escuridão completa, mas iluminado pela tênue luz do abajur. Ele tinha o rosto apoiado em sua mão e a outra ocupada com um livro aberto (cuja página que ele provavelmente lia não havia sido marcada). Ele dormia, mas havia uma tensão permanente em seu rosto; isso fez o moreno subitamente achá-lo um pobre coitado, não um cara irritante.

...É claro que a bondade de Demyx conhecia os limites da ignorância.
Aquele “pobre coitado” tinha no rosto (e nos gestos) a clara e concreta idéia de que ia fugir tão logo a situação permitisse.

Livre dos termos do seqüestro, Zexion podia ir para onde quisesse.

E Demyx, infelizmente, precisava de seu carro. Precisava dele. Pegara carona às pressas com alguém até chegar à Mooka, mas não podia ficar apenas dependendo daquele meio incerto.

Além disso, o rapaz dos cabelos azuis já estava marcado. Aqueles homens já sabiam quem ele era.

E, por mais que isso fosse desagradável, Demyx não tinha outra escolha senão continuar com aquele plano que nasceu do nada, ou quase, tão logo ele analisou a situação: não podia se separar daquele chato. Era isso.

Desagradável? E como. Mas necessário.

Para o bem de ambos, precisavam ficar juntos até o fim. Ou até que um dos lados se cansasse daquele joguinho. Demyx ou os caras do Audi negro.

Zexion era um peão incerto no tabuleiro, mas agora era uma peça fundamental. Se o pegassem, iriam distorcer suas palavras, por mais certas que fossem, e iriam incriminá-lo de uma forma ou outra. A quantidade de tempo e dinheiro perdidas com isso seria por demais cruel. E, como não poderia deixar de ser, mesmo assim, iriam continuar atrás do moreno.

Por isso, quando jogou fora os últimos resquícios de masculinidade e pediu para a recepcionista por uma sex-shop quando estava acompanhado de outro homem, ele sabia exatamente o que fazia.

Desculpe, Zexion”, foi o que pensou. Para o bem ou para o mal.

Foi o que pensou, também, quando o viu dormindo naquela poltrona. Com o máximo de jeito possível, tirou-o de lá e o levou para a cama, ajudando-o a caminhar até ali. Ele estava tão sonolento que nem reagiu (o que foi uma surpresa agradável e desagradável ao mesmo tempo – pois, ao mesmo tempo em que ajudou-lhe o mesmo não ficar reagindo, também sentia-se como uma espécie de pervertido aproveitador de gente indefesa dormindo); mas, pensando bem... Se ele estava exausto, não imaginava como devia ser para Zexion, que agüentou muita tensão mental a mais.

Quando viu-o deitado (depois de devidamente retirar seus óculos e colocá-los sobre a mesa de cabeceira, bem como o livro) e absolutamente entregue ao sono, o rosto que deveria estar tranqüilo exibindo aquela ruga de preocupação que parecia ser eterna, Demyx sorriu. Era a hora perfeita.

Desculpa mesmo, mas você não pode fugir”, ele pensou. E prendeu-os pelo pulso com as algemas que comprara.

Tranqüilo depois de saber ‘unido’ ao novo parceiro de fuga, ele dormiu de novo.

Desta vez, muitíssimo bem, sabendo-se seguro, bem como o outro, até a nova manhã. Até algum dia.

E continuou dormindo até os primeiros raios de sol, timidamente, despontarem pelos prédios de Utsunomiya.

Até que o berro de Zexion fizesse cócegas em sua consciência.

E até que um puxão absurdamente forte, desumano e quase impossível praticamente deslocara seu ombro.

- AIE! – então, finalmente, ele acordou.

Bem, ‘acordar’ não era exatamente a palavra adequada.

Melhor seria ‘chutado do sono’. Ou ‘puxado do mesmo’? Enfim, foi despertado de uma forma nada gentil. Nada mesmo.

- Ai... – gemeu de novo, massageando o braço. – Zexion? O que foi? O que...

- ...Cale-se. Cale-se agora.

Demyx engoliu em seco. Se fosse possível, ali mesmo, Zexion parecia com um autêntico assassino psicopata de filme B. Temeu, repentinamente, por sua vida; e imaginou mil e uma situações.

Ele iria revelar-se portador de uma faca e rasgar Demyx de cima a baixo. E iria, então, revivê-lo e matá-lo de novo, de novo e de novo, quantas vezes fossem necessárias para aplacar aquele ódio.

Sim. Por mais que soasse absurdo, aquilo era ódio. Puro e simples.

Inconfundível. Contido, mas estava ali. O ódio transbordava dos orbes azuis. Por isso, o moreno achou absolutamente prático calar-se mesmo, ou sentia que não seria nunca mais o mesmo (fisicamente falando).

Zexion suspirou, como quem tenta retomar o raciocino e um pouco da calma.

- ...Agora, explique-me. Devagar, sem meias palavras. – falou, pausadamente. – O. Que. Diabos. É. Isso?

E apontou para os pulsos deles, presos pelo objeto metálico e azul-berrante.

Silêncio. O que iria dizer?

A menor das palavras erradas e Demyx sabia o que lhe esperaria: uma morte dolorosa e desagradável.

Num quarto de hotel estranho, longe de sua casa, sua cidade, e ainda por cima com o perigo real e muito provável de ter seu cadáver posteriormente jogado aos cães famintos ou em algum riacho.

- Err... Algemas...? – sorriso amarelo.

Zexion fremiu os lábios, pensativo. Devagar. Sem meias palavras. De fato, o imbecil aprendera direitinho como funcionava.

...Mas, também, aquela sua frase veio sem nenhuma boa notícia.

- Você preza por sua vida, correto...?

- Hã... Sim.

Uma resposta sensata. Na verdade, a resposta que ele esperava ouvir.

Sentindo-se subitamente inspirado (e inclinado) a cometer uma tortura que iria merecer entrar para o livro dos recordes como “tempo mais longo de alguém agonizando até a morte”, ele sentiu os lábios repuxando-se num meio-sorriso. Ou um esboço muito bem-feito de um.

Não importava. O que mais lhe marcou foi a frase que, definitivamente, poria um fim àquele pesadelo:

- Procure. A. Chave. Imediatamente.

E, assim, Demyx gelou, sequer conseguindo engolir em seco. Sentiu como se houvesse sido atirado de avião em uma geleira, no Inverno terrível, sozinho.

O olhar que Zexion lhe deu, naquele momento, poderia até mesmo inspirar medo e extremo respeito em um sociopata. Um olhar frio e cheio de promessas, bem como aquele meio sorriso digno de pesadelos.

...Aliás, pensando melhor, era como se o próprio rapaz dos olhos azuis fosse o sociopata por ali!

A chave... Onde estava a maldita chave?!...

...Ah.

- Err... Zexion...?

- O. Que. Foi? – sussurrou. Muito controlado.

(Estava morto. Pronto, mortinho da Silva. Demyx começou, então, a pensar em seu testamento. Deixaria o quê para quem?... Talvez, devesse enterrar a sitar com ele).

- Sobre a chave... Sabe... – respire, Demyx. Coragem! – Err... É que ontem, quando eu abri o conjunto, sabe...

O outro passou a mão pelos cabelos.

Não, por favor, não!...

- ...O que foi?

- EuperdiachaveemalgumlugarporDeuspoupeminhavida!

Alguns segundos para decodificar aquela frase estranha. E veio a compreensão. Com a força de uma marretada.

...Não! NÃO!

Zexion quis chorar. Soluçar como uma criança. Descabelar-se, talvez se matar ali mesmo, se pudesse. Mas apenas sorriu.

Entretanto, foi o sorriso de um carrasco.

E aquela inspiração que o acometeu momentos atrás voltou com uma força absurda, decidida a transformar-se em realidade. Mais tarde, ele pensou, iria procurar informar-se a respeito de como colocar-se no Guinness Book.

- Ah, você perdeu a chave...

COMO ALGUÉM QUE PERDE A CHAVE DE UM PAR DE ALGEMAS AMARRA, MESMO ASSIM, DUAS PESSOAS UMA NA OUTRA??????

Na verdade, aquele pensamento foi materializado enquanto o grito de Demyx, quase tendo sua cabeça decepada por um livro voador que grudou-se na parede com um estrondo, chamou a atenção dos camareiros.

 

~x~x~x~

 

Zexion ponderou, num misto que ia desde pesar, passando por ódio até vergonha abrasadora.

Nunca mais poderia pisar outra vez naquele hotel.

Dois camareiros, preocupados, vieram pedir se estava tudo bem ali dentro. Sua voz, imediatamente, gelou e tornou-se controlada de novo, apesar da rouquidão breve do ódio ainda queimar nela. Disse que estava tudo bem, mas quem disse que acreditaram? Queriam que eles abrissem a porta.

Demyx, então, sugeriu o impossível.

Vou amarrar meu casaco na cintura!”, ele disse. E de fato, graças à infame providência de seu pijama ser nada mais nada menos que uma roupa mais folgada, ele pôde colocar uma calça e permanecer com aquela camiseta normalmente.

Arrumaram-se às pressas, ao som das batidas insistentes dos funcionários, até que tinham tudo absolutamente pronto para irem embora.

E abriram a porta.

Zexion quis morrer a partir de então.

Sendo escoltados pelos olhares que iam desde desaprovação até a curiosidade descarada, o novo ‘casal moderno’ saía do hotel com as mãos dadas por dentro de um bolso de casaco amarrado à cintura do mais alto deles.

Bolso esse que abafava um pouco o som metálico das algemas.

Por que eu...?”, pensava ele o tempo todo. Realmente, o tempo todo.

E fez-se essa pergunta ainda mais fervorosamente quando viu o tchauzinho de Demyx à recepcionista, depois de pagarem a estadia, quando ela pareceu engasgar ao ver aquelas mãos unidas ali dentro.

 

~x~x~x~

 

- Que lugar é esse...?

- Foi onde eu comprei as algemas. – explicou.

Uma palavra: Inferno. Zexion só tinha como descrever aquele local como isso. Só para completar aquele destino que parecia fazer questão que toda e qualquer pessoa daquela cidade passasse a considerá-lo um respeitável cidadão homossexual de agora em diante, a vitrine daquela sex-shop exibia itens indubitavelmente sado-masoquistas. E – surpresa! –, homossexuais.

- Vamos pedir pra alguém tirar isso da gente! – sorriu.

...Como será que Demyx conseguia suportar aquilo sem ter um colapso de vergonha? Seria ele já experiente nessas coisas?

- Não vamos entrar aí...

- Não seja antiquado, Zexion. Vai ser rapidinho. – assentiu para si.

O mesmo engoliu um palavrão antes que fosse tarde demais.

E prometeu para si mesmo que, a partir daquele momento, iria sempre dormir com uma espingarda ao seu lado. Ou, ao menos, alguma daquelas máquinas de dar choques capazes de transformar alguém em vegetal. Enfim, nunca iria encontrar-se desarmado. NUNCA.

E, ao entrar naquele lugar e apresentarem seu problema, sendo olhados com ironia (e até recebendo um “isso acontece com freqüência”) pelo dono do lugar, Zexion teve certeza. Absoluta.

Nunca mais poderia pôr seus pés em Utsunomiya.

 

~x~x~x~

 

Desgostoso demais para comer qualquer coisa por um bom tempo, Zexion ignorou sistematicamente todo e qualquer protesto que saísse da boca de Demyx (cuja infamidade naquela loja em Utsunomiya foi tamanha que até mesmo ganhou um par de algemas novo, desta vez com chaves para que o acidente não se repetisse) até chegarem à Nikko.[11]

A cidade era conhecida por ser um ponto turístico japonês obrigatório, graças à estruturas como o mausoléu do shogun Ieiasu Tokugawa ou o templo Futarasan, lar de duas espadas que eram consideradas Tesouro Nacional do Japão. De fato, um dos lugares que Zexion queria muito visitar com calma, se não fosse aquele traste ao seu lado, era justamente aquela cidade.

Finalmente quando também estava sentindo fome o suficiente para começar a incomodá-lo, Zexion parou em um restaurante.

Como uma criança, Demyx foi o primeiro a sair. Correndo, diga-se de passagem.

E serviu-se uma quantidade absurda de comida (a qual o outro duvidava que seria plenamente ingerida), acompanhando de um refrigerante. Nada mais típico de um idiota que aquilo.

Suspirando, por sua vez, o rapaz de cabelos azuis pediu simplesmente um café. Sem leite ou açúcar. O mais forte possível.

- Mas você não comeu nada há horas, Zexion! – Demyx engoliu de uma vez a comida para falar aquilo. – Não pode beber café nessas condições! Vai ficar com uma tremenda úlcera!

- ...Devo dizer que já estou esperando uma úlcera, meu caro. – ironia.

Demyx ignorou, também sistematicamente, essas ironias. – Se quer tanto assim um café, peça um caffè-latte então.

Por um momento,  Zexion quis ironizar o quanto Demyx parecia sua mãe falando isso, mas então lembrou-se – oh, mãe das ironias! –, que nem sua própria mãe de fato iria lhe dizer uma coisa daquelas.

Passando a mão pelos cabelos e deixando (só por aquela vez, prometeu a si mesmo) o outro vencer a pseudo-discussão, suspirou.

- ...Então, quero um cappuccino.[12]

- Ora, é assim que se fala. – aprovou o rapaz de cabelos castanhos. – Mas ainda acho que devia comer algo sólido...

- Acredito que temos assuntos mais urgentes. Minha úlcera pode esperar.

Diante da iminência de uma conversa séria (que prometia ser chata na mesma medida, só pelo tom empregado pelo outro para dizer aquilo), Demyx encheu a boca de comida outra vez, numa patética tentativa de comprar seu próprio silêncio.

Para sua sorte, naquele meio tempo, o cappuccino de Zexion chegara, calando-o momentaneamente. O moreno viu seu companheiro forçado de fugas bebericar um pouco do líquido fumegante, aparentemente aprovando, com um assentir de cabeça, o seu gosto. Com um pouco mais de segurança, bebeu desta vez um gole maior.

- Muito bem... – e uniu as mãos uma na outra, apoiando na mesa os cotovelos (e esquecendo-se da boa conduta à mesa).

- Ai... – suspirou Demyx, prevendo o tédio.

- Vamos começar de uma forma acessível à você.

Silêncio. – Espere um momento! Está me chamando de...

Fazendo um sinal para que continuasse calado, Zexion continuou:

- De acordo com meu relógio... – e, apenas para certificar-se, tirou do bolso o Palm que estava carregando para comprovar. – ...Há 27h11min42seg estamos seguindo uma trilha randomicamente. Mooka, Utsunomiya e, agora, Nikko. Não, “randômico” não seria tão certo quanto dizer “linear”. É isso: esse é um trajeto absolutamente linear e previsível.

Como Demyx, previu, já começara os termos chatos. Ele continuou comendo, assentindo apenas para demonstrar que ouvia aquela baboseira.

- E, por favor, note que eu estou usando o plural. Sim, porque, atualmente, eu acabei percebendo que estou envolvido, de fato, em uma verdadeira perseguição. Isto está violentando todo e qualquer senso de lógica comum que eu tenha desenvolvido ao longo da vida, mas é o que está acontecendo e preciso aceitar o fato antes de questionar. Não sei como ou porquê, mas você está fugindo de dois ou mais homens, cujo veículo é um Audi A8 W12 de placa “Tama 500 Sa 49-46”.[13]

- Ah!~ – surpreso ao extremo, Demyx interrompeu o monólogo, cuspindo acidentalmente farelos de seu ‘segundo almoço’. – Você conseguiu o número da placa, mesmo dirigindo naquela velocidade?!

Zexion limpou, primeiramente, um dos farelos que caíra em sua mão. E, depois do rosto ter parado de demonstrar asco involuntário, assentiu.

- Isso é óbvio, caro Demyx. – como se falasse à um infante. – Eles certamente já têm meu registro de veículo. Nada mais certo que eu também tenha o deles. Após uma pesquisa mais detalhada, acredito que saberei quem é o dono do carro ou se trabalha para alguma companhia (provavelmente sim, mas...).

- Que impressionante! Você tem mesmo muita objetividade! – ele abriu um sorriso de sincera admiração.

Ah, como diria aquele velho ditado: vanitas vanitatum, et omnia vanitas...

Zexion precisava admitir que era muito bom ser elogiado assim.

- ...Mas enfim, eu só queria fazer essa pequena explanação. A conclusão vem agora e, acredite, interessa a você. – assentiu para si mesmo. E completou: – Você me colocou nisso, Demyx.

Bebendo um bocado do refrigerante que pedira, o rapaz dos cabelos revoltosos e castanhos preferiu o silêncio.

O que era uma benção, mas ao mesmo tempo, estranho, já que ele era pior que uma criança que pergunta de cinco em cinco minutos se já se está chegando ao destino proposto.

- Ou me tira disso agora, ou eu receio ter de fazer um Boletim de Ocorrência. – adicionou. – E acredito que terei de dizer que você, tecnicamente, seqüestrou-me, sem contar a tentativa de furto do meu veículo.

Diante daquilo, pela primeira vez (e, Zexion devia admitir, aquilo assustou-o), Demyx não agiu como um palhaço de sete anos.

Simplesmente encarou-o como um adulto crescido o faz com outro.

Havia seriedade demais nos olhos azuis. Mas em nenhum momento ele falou alguma coisa. Apenas apertou suas mãos uma na outra, até mesmo esquecendo-se de comer ou beber depois daquilo.

Parecia absorto em um mundo particular. Um mundo que, finalmente, mostrou à Zexion que aquele meliante não era retardado, afinal.

...Era apenas um mistério. Um estranho mistério.

- Essa placa é de Tokyo. – o rapaz de cabelos azuis disse. – Você, assim como eu, veio de Tokyo. Mas alegou estar sem veículo e, por isso, precisava do meu. Veio fugindo, provavelmente, de carona. Uma ou mais pessoas pelo caminho. Mas isso seria idiotice, com pessoas perseguindo você. O que me faz concluir...
Suspirou, colocando seus próprios pensamentos em ordem.

- Demyx, caro Demyx, alguém descobriu que você sumiu muito depois de você já ter deixado a fronteira. E imediatamente colocou essas pessoas atrás de você. Sem saída, você precisou de um carro fixo. E, bingo, eu fui o escolhido.

Zexion permitiu-se, naquele longo silêncio que permeou seu ponto final, tomar o resto de seu cappuccino.

Mas também permitiu-se o tempo inteiro estudar a fisionomia do parceiro de fuga infame: houveram muitos esgares ali. Houve hesitação, houve tristeza e houve a certeza de que estava de mãos atadas. Mas, principalmente, houve angústia.

- ...Xigbar só está nos seguindo, Zexion. – ele sussurrou, num fio de voz que parecia mais o de um enfermo. – Não vai nos fazer mal por enquanto. Posso garantir.

- “Xigbar”? É este o nome de um deles?

O outro assentiu.

E isso, subitamente, trouxe uma pergunta à mente de Zexion.

- Por que e de onde você fugiu, Demyx?...

- Eu prometo que vou contar. Prometo mesmo, do jeito que prometi quando disse que podia ler meu nome na carteira.

E, assim, o sorriso idiota e desleixado voltara ao rosto do outro.

- Mas hoje não. Estamos em Nikko, lembra? – falou, bebendo o resto do refri em seu copo. – Hoje eu quero muito aproveitar cada minuto por aqui! Temos muito o que ver!~

Zexion não conseguiu mais tomar seu cappuccino após isso.


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Notas finais do capítulo

[10] Faixa 1 da OST 2 de Kingdom Hearts II.

[11] Terceira maior cidade, em território, localizada nas montanhas de Tochigi.

[12] A mais marcante diferença entre o cafè-latte e o cappuccino é, basicamente, que o primeiro (2cm de espuma de leite) tem muito mais concentração de leite no café do que o segundo (5mm de espuma de leite).

[13] O sistema de emplacamento do Japão para veículos comuns e motocicletas segue o formato KK?*H##-##, onde KK é o nome da região onde foi emplacado, H é um hiragana, ? é um 5 para veículos menores de 2000cc e 3 para maiores, * é um número de 0 a 99 e # é um número de 0* a 99*.



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