Priston Tale escrita por Yokichan


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Obs: Eólo, na mitologia, é o deus dos ventos. ;*



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Alec POV On.

 

 

         Não bastava que eu fosse o Mech mais rico da cidade de Pillai - como se isso importasse - e que morasse na casa mais afastada daquele pacífico lugar, Murdoc não ia desistir de me importunar com aquela idéia absurda de um duelo de vida ou morte no Battle Castle. Eu sabia que para ele, nada passava de diversão, mas para mim, estava ficando nostálgico na medida que os dias passavam. Sendo um Mech, mesmo de elite e com vasta experiência, não havia chance alguma de que eu derrotasse um Fighter como Murdoc. Ele era como um muro impossível de escalar, uma barreira de resistência absoluta. Mesmo com a minha melhor técnica de luta, eu não o colocaria no chão. Deus, mas como ele era insistente.

         Suspirei, sentado nos degraus da porta de minha aconchegante casa de Pillai. Em minhas grandes e elegantes mãos, eu lia um pergaminho surrado e escrito em tinta tão profunda que quase furara o papel amarelado. Certamente, mãos de um Fighter, que não aliviava a força dos dedos nem mesmo para pegar uma caneta e escrever meia dúzia de palavras. Aquela brutalidade tacanha me fez rir enquanto lia o recado, quase uma intimação. Murdoc, ele podia ser engraçado, sim.

 

- Alec, seu miserável. Desta vez, ninguém interromperá nosso duelo. Volte ao BC para que eu possa terminar de esmagar sua cabeça com meu machado. Não seja maricas. Murdoc. - li em meio tom de voz - Ora, mas como é gentil. - zombei, rindo pacientemente

 

         Eu conhecia Murdoc há muito tempo, e sabia perfeitamente que aquilo não passava de uma provocação para que eu entrasse naquela brincadeira bronca. Aquelas palavras agressivas não passavam de uma maneira estúpida de convidar para um duelo, e eu compreendia perfeitamente a situação, no entanto, o dia estava belo demais para que eu adentrasse as sombras do Battle Castle. Murdoc que me perdoasse, que me chamasse de Maricas daquele seu jeito zombeteiro, mas eu não me importava. Éramos a elite, mas não precisávamos ser iguais em tudo.

         Amassei o pergaminho com uma das mãos e o joguei para baixo da escada curvilínea, recostando-me sobre os degraus. Não chegava a ser algo desconfortável, pois a armadura esverdeada de metal protegia minhas costas das quinas da madeira. Encarei o céu azulado, com poucas nuvens, e fechei os olhos por um instante. A claridade do começo da tarde era agradável, e a serenidade daquela cidade era sempre impecável. Um momento perfeito para descansar, como se eu já não fizesse isso o dia inteiro.

 

- Hum, ultimamente as coisas andam muito quietas por aqui. Depois de Babel, nenhum outro senhor do mau se atreveu a invadir o continente. - murmurei em um suspiro tedioso - Que nostálgico...

 

         A suave brisa de Pillai passou por meu rosto, esvoaçando meus curtos e espevitados cabelos verdes. Uma sensação maravilhosa, certamente. Encarei o céu novamente, por entre as copas verdejantes das árvores que traziam sombra ao meu corpo. As nuvens se moviam mais depressa, estranhamente. Algo estaria por acontecer, talvez uma simples chuva, talvez uma mudança radical no tempo. Um pressentimento obscuro adentrou meu coração, de modo que meu peito palpitou sem o meu consentimento. O que era aquilo? Ergui o corpo da escada quando um tufo de vento apressado derrubou um vaso de flores do beiral da janela de minha casa, partindo-o em pedaços ao encontrar o chão. Um mau presságio, desconfiei cruelmente. Minha vontade de encontrar Murdoc mudou subitamente. Eu precisava saber se ele também sentia o mesmo.

 

 

Alec POV Off. Shellby POV On.

 

 

         Por baixo da aba de meu chapéu misterioso, notei que o céu se movia estranhamente naquela tarde. Embora aquele fosse o cruel Battle Castle, ninguém mais do que eu sabia quando as coisas estavam fora do normal por ali. Havia longos anos que eu habitava aquela barraca escura, vendendo pergaminhos da ressurreição para os guerreiros que me procuravam, e aquela sempre fora a minha vida. O meu destino, o meu paradeiro. Todos sabiam o meu nome, mas nenhum deles vira o meu rosto durante todo aquele tempo. Nenhum guerreiro um dia encarara o meu rosto, verificando a cor de meus olhos. Eu era uma anônima, a mais conhecida anônima de Priston. Peculiarmente irônico, fora o que eu sempre pensei.

         Avistei de longe a imagem grotesca de Murdoc, o mais impiedoso e poderoso dos Fighters. Um homem de monstruosa força, com um gigantesco futuro como protetor daquele continente. Por mais medo que ele passasse aos meus olhos, eu me sentia segura ao saber que ele protegeria os habitantes daquele lugar. Para mim, Murdoc era como um dos Deuses imortais. Um deus perigoso.

         Adentrei a barraca, recolhendo-me na escuridão daquele tecido roxo. Precisava consultar minhas cartas místicas, pois algo me dizia que alguma mudança estava chegando, e com muito mais velocidade com que aquelas escuras nuvens se moviam. Um vento frio que vinha do leste. O último vento do leste que assombrou Priston, foi quando Babel invadiu o continente há décadas passadas.

         Sobre minha pequena mesa redonda, as cartas vermelhas foram postas. O destino estava sendo revelado, e minhas mãos buscavam por aquele entendimento. Uma a uma, as cartas foram viradas por meus finos dedos, e meus olhos presenciaram a confirmação de minha intuição. Aquilo era realmente terrível. Ao centro das cinco cartas, estava a do minotauro negro. Saltei da cadeira, imediatamente, cambaleando passos para trás. Minhas mãos voaram para abafar o suspiro aterrorizado de minha boca, enquanto meus olhos fitavam temerosamente a carta do minotauro. Aquela carta significava a materialização do mau, das sombras, a chegada da escuridão que destruiria as mais firmes paredes. O que aquilo significava, exatamente? O que estava por chegar? O que aconteceria em um tempo muito breve?

         Um pigarro de voz despertou o terror de minha mente, do lado de fora da barraca. Pude ver a sombra de uma pessoa através da fenda na porta de tecido da barraca. Rapidamente, passei a mão pelas cartas e as juntei em um dos cantos da mesa, cobrindo-as com um lenço branco. Puxei a aba de meu grande chapéu para frente, cobrindo meu rosto pálido com a sombra de meu costumeiro mistério. Quando saí da barraca, ele estava a me olhar. O único que me olhava, mesmo não vendo meu rosto.

         Alec estava à minha frente. Controlei meu corpo para não desmoronar, como eu me controlava em todas as vezes que ele me procurava para comprar pergaminhos da vida. Eu sabia que ele era apenas um sonho, apenas um guerreiro em busca da ressurreição no Battle Castle, mas mesmo assim ele era especial. Alec era o único que ainda dirigia seus olhos a mim, embora meu rosto estivesse sempre encoberto pelas sombras de meu chapéu. Eu não entendia por que ele o fazia, mas eu gostava daquilo. Desde que Alec pisou pela primeira vez no BC, eu protegi meu doce e recluso sentimento por ele, meu precioso segredo. Meu amor platônico. E durante as noites, eu me perguntava que reação ele teria se um dia eu tirasse meu chapéu e lhe dissesse as palavras que há tanto tempo estavam presas na minha garganta. Se eu dissesse que o amava, que o queria. Certamente, ele não riria dos meus sentimentos, Alec não era vil. Mas do que adiantava? Eu era, e continuaria sendo, apenas a Shellby do Battle Castle.

 

- Olá, Alec. - eu forcei minha voz para que saísse o mais natural possível, o mais agradável para ele

 

- Boa tarde, Shellby. Me veja um pergaminho, sim? - ele abriu seu gentil sorriso para mim, como se adivinhasse que era o meu preferido

 

- Certo. - tremi debaixo daquele olhar verdejante e protetor enquanto pegava o pergaminho debaixo de meu manto púrpuro - Aqui está. - estendi a mão trêmula para ele, apertando os dedos no cilindro de papel amarelado

 

- Hum, obrigado. - ele pegou o pergaminho, fitando minha mão curiosamente - Shellby, você está bem? - ele indagou, e mesmo não mostrando meu rosto, eu sentia que ele me olhava

 

- Claro. Não se preocupe. - eu escondi as mãos debaixo de meu manto, fingindo não estar abalada por aquela doçura máscula

 

- Já que diz.. - ele sorriu elegantemente, estendendo-me moedas de ouro, as quais eu peguei nervosamente - Até mais.

 

- Boa luta. - repeti o que eu desejava para todos os guerreiros, mas com Alec era especial

 

- Obrigada, mas não vim para lutar hoje. - ele parou de costas para mim, movendo apenas seu afável olhar na minha direção

 

         Eu ia falar qualquer coisa inútil, apenas para tê-lo um pouco mais de tempo perto de mim, quando repentinamente alguma coisa estremeceu nos céus agitados do Battle Castle. Tanto eu quanto Alec paramos imediatamente, dirigindo nossos olhares cautelosos para as nuvens mais escuras que o normal. Eu sabia que algo terrível estava chegando, mas permaneci calada. Não era um costume meu espalhar o terror prévio nos que estivessem ao meu redor. Meu amado Mech recuou um passo, ficando então ao meu lado enquanto ambos olhávamos para o alto. Tudo estava realmente muito estranho. Amoleci internamente ao sentir o calor vital dele perto de mim, tão gracioso e aconchegante.

 

- Há algo errado. - ele murmurou, analisando o movimento irregular das nuvens se movendo; seu semblante estava franzido

 

- Então você também percebeu. - comentei surpresa, mas tive medo de olhar para Alec e ele também estar olhando

 

- Sim. - confirmou ele, abrigando as mãos nos bolsos da calça da armadura - Só não sei o que está acontecendo.

 

- Faz décadas que o tempo não muda assim. - deixei escapar uma pista sobre minha cruel suspeita

 

- Hum? - senti o olhar dele queimando sobre meu rosto coberto pelo chapéu - O que está querendo dizer? - ele indagou receoso

 

- Nada. - neguei rapidamente - Apenas que isso não é normal. - engoli a seco, prendendo um suspiro entre os lábios

 

- Você acha que... - Alec deu uma pausa em sua suspeita - Está acontecendo outra vez?

 

- O quê? - fiz-me de tola, mas eu sabia exatamente no que Alec estava pensando

 

- A guerra. Você acha que alguém está tramando algo contra Priston? - e então ele chegou exatamente no alvo

 

- Eu não sei. Por que me pergunta isso? - meus olhos ainda estavam focados no céu inquieto, evitando o olhar de Alec

 

- Bom, você tem o dom da adivinhação, e... - ele lembrou daquele dom que eu queria ter esquecido no passado

 

- Tinha, Alec. - eu o interrompi rapidamente, baixando o rosto

 

- Hum, me desculpe. - ele voltou a encarar os céus, e eu sabia no que ele estava pensando; aquilo era uma sincronia

 

- Sim. - esperei que aquela minha palavra o tirasse daqueles pensamentos sobre meu dom esquecido

 

- Bom, vou procurar por Murdoc. Até mais, Shellby. - ele se despediu e avançou um passo, desta vez sem sorrir para mim

 

         Tudo estava mesmo muito estranho. Como nunca antes presenciado, uma lufada de vento travesso passou por mim e por Alec enquanto ele se distanciava. Foi o suficiente para que meu mistério fosse quebrado por alguns instantes. O suficiente para que Alec fosse o primeiro a ver o que não devia. Com o vento, se foi meu grande chapéu roxo, rolando alguns metros pelo gramado ralo do Battle Castle. Meus longos cabelos negros caíram sobre meus ombros, esvoaçando para junto do vento, sendo levados livremente por aquela mão invisível de Eólo. Por entre as madeixas de cabelo macio que agitavam-se em frente ao meu rosto, pude notar, surpresa, o olhar espantado de Alec sobre mim. Ele me vira sem aquele chapéu misterioso, e agora o meu rosto e minha imagem reclusa estava desprotegida diante do olhar ardente daquele Mech. O Mech pelo qual meu coração pedia freneticamente. Meus olhos de um roxo púrpuro contra os dele, tão vivos e pasmos. Meus lábios vermelhos e finos, totalmente indefesos a esvair suspiros de medo que não acabavam mais. E por fim, meu corpo inteiro tremeu.

 

 

Shellby POV Off. Alec POV On.

 

 

         Quando os olhos profundos dela se fecharam, pesadamente, foi o momento para que os meus entrassem em alerta. Ela estava desmaiando, mas antes que seu corpo caísse inerte no chão frio, eu a segurei em meus braços fortes, amparando-a daquela estranha queda. Era a primeira vez que eu a vira sem aquele sombrio chapéu, e surpreendeu-me a imagem daquele rosto perfeito, o qual eu jamais poderia ter imaginado encontrar através das sombras. Shellby era leve demais, frágil demais, e só então eu pude constatar aquilo. Ela era uma bela mulher, acima de uma simples vendedora de pergaminhos.

         Antes que algum intruso visse o rosto impecável de Shellby, eu saltei com ela em meus braços para dentro daquela barraca escura. Não entendi muito bem o motivo daquele desmaio, mas entendi que eu era o primeiro homem a ver o seu rosto. Seu belo e doce rosto. Como ela podia ter escondido aquela face por tanto tempo, sendo tão bela? Na penumbra debaixo daquela tenda de tecido, agachei-me e cuidadosamente depositei o corpo daquela mulher em uma cadeira que estava ao lado de uma pequena mesa redonda. Ela pareceu não reagir, mas eu sabia que logo ficaria tudo bem. Encarei aquele rosto mais uma vez, por longos instantes, e uma pergunta inebriada não saía de meus pensamentos.

 

- Por quê, Shellby? - murmurei confuso

 

         E antes de deixá-la sozinha em seu silêncio, meus olhos encontraram uma carta virada sobre a mesa. Meu coração saltou do peito quando identifiquei a figura bizarra do minotauro negro, com seus olhos vermelhos e sedentos por sangue. O senhor do mau de nossa época estava chegando, como eu havia presumido. Shellby podia dizer que havia abandonado o dom da adivinhação, mas aquela era a prova de que ela ainda confiava em sua intuição. Então desapareci daquela barraca, mas não antes de olhar uma última vez para Shellby, a mulher que eu havia descoberto. O chapéu permaneceu repousando sobre a mesa.


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