Priston Tale escrita por Yokichan


Capítulo 19
Capítulo 18




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Electro POV On.

 

 

         Anoitecia, silenciosamente. Era a primeira noite desde que todos haviam partido para suas derradeiras investigações, e eu ficara a imaginar inutilmente como eles estariam se saindo, como estariam se sentindo importantes. Eu, que ainda não sabia por que, tivera que ficar com a parte mais monótona daquela história. O figurante que mal aparecia no fundo da câmera, transitando de um lado para o outro, sorrindo como um estúpido que nada mais tem a fazer de sua vida. Eu era esse figurante, com todas as suas nostalgias. Caminhava pelas cidades, sem eira nem beira, observando como era extremamente morta a cor acinzentada das paredes e dos rostos que por mim passavam. Eu definitivamente não servia para admirar a beleza com que uma gramínea cresce.

 

- Proteger as cidades, proteger as cidades... - murmurava enfurecido para mim mesmo, sem ao menos ter alguém que escutasse meus lamentos

 

         Verkan certamente estaria sentado em sua poltrona confortável naquele momento, observando da alta janela de sua torre a vida de Richarten em seu ritmo normal. Talvez tivesse uma xícara de café quente entre as mãos, talvez um livro com letras minúsculas. Aquilo me fazia bufar desconcertado, enquanto eu fazia o desinteressante trabalho de um guarda da cidadela. Um Pike como eu, rebaixado àquele nível. Eu deveria estar ceifando criaturas horrendas, honrando o nome de minha foice, correndo riscos como eu perigosamente gostava de fazer. Ao invés de meus felizes devaneios, eu detinha-me a suspirar inconformado. Nem mesmo Mystic estava ali para me fazer companhia. Oh, se estivesse.

         Tomei o rumo de uma das afastadas ruas do centro de Richarten, simplesmente seguindo o caminho que meus pés faziam. Havia ali um bar, o qual me trouxe boas recordações. Parei diante do enrustido estabelecimento, iluminado por seu interior alvoroçado. Era ali que os indolentes de Richarten se reuniam quando o sol baixava, brindando canecas de cerveja e rindo de tolices quaisquer. Lembrei do dia em que adentrei aquele bar ao lado de Mystic, após uma entusiasmada batalha em Sanctuary Of Darkness. Ela estava sorridente, animada, mas eu a havia deixado sozinha para correr atrás de um sonho que já estava perdido. Arrependi-me ao recordar daquele momento. Como eu pudera abandonar Mystic de uma maneira tão irracional?

         Minhas lembranças guiaram meu corpo para dentro do bar, como se ao passar por aquela porta eu fosse encontrar a Archer de meus pensamentos, sorridente a me estender seus braços calorosos. Ela não estava ali.

 

- Ei, olha quem está aqui! - um homem gritou surpreso, e eu me movi para o lado na curiosidade de encarar aquele rosto

 

- Ah, você. - murmurei, abrindo um sorriso desanimado; um dos Pikes que me levara ao Sanctuary Of Darkness no dia em que encontrei Mystic acenava para mim

 

- Venha, Electro! Vamos beber um pouco. - convidou o conhecido, parecendo estar no início de uma embriaguês

 

- Você paga. - avisei risonho ao me aproximar da mesa em que ele estava com mais outros dois Pikes mascarados

 

- Putz, pão duro como sempre. - reclamou o Pike que me convidara, abrindo uma gargalhada exagerada

 

- Cala essa boca. - eu ri, sentando-me em uma das cadeiras da mesa - Ei, taberneiro! Traga mais uma! - gritei ao me virar na direção do balcão, meio empoleirado sobre a cadeira, erguendo a caneca vazia de um de meus companheiros para o alto

 

- Já vai! - gritou o taberneiro de trás do balcão, atulhado com os pedidos dos guerreiros que o rodeavam

 

- Então, o que estava fazendo sozinho por aí? - perguntou um dos Pikes, bebendo em longos goles sua cerveja espumante

 

- Ah, nada de mais. Você sabe... - dei de ombros com um sorriso sarcástico, divertindo-me naquele febril ambiente noturno

 

- Seu vagabundo, quando vai tomar jeito? - gargalhou meu conhecido, sacudindo um de meus ombros

 

- Quando você tomar primeiro. - zombei, gargalhando copiosamente

 

- Mais uma rodada, rapazes! - anunciou o taberneiro, aproximando-se de nossa mesa com uma bandeja prateada repleta de canecas transbordando aquele pecaminoso líquido amarelado

 

         Parecíamos um bando de cretinos amotinados, falando sobre mulheres e outras besteiras que homens costumam falar quando se reúnem. Nossas risadas, já ébrias depois de um tempo, eram tão cafajestes e sujas, que se Mystic presenciasse aquele meu estado lastimável, certamente eu teria vergonha de mim mesmo. Mas ela não estava ali. Ninguém estava ali. Eu tinha o tempo todo de sobra, e nada de útil para ocupá-lo. O que mais eu poderia fazer?

        

         O tempo rapidamente se foi, tão voraz que eu não fui capaz de acompanhá-lo. Meus olhos perderam aos poucos a capacidade de enxergar, de forma que a certa altura da madrugada eu apenas conseguia distinguir vultos escurecidos. Por mais que eu desejasse, meus lábios não suportavam a seriedade, espichando-se grosseiramente em risadas que mais pareciam uivos de um animal. Era nisso que eu havia me transformado depois de vigésima caneca de cerveja, em um animal. Um animal muito mais brutal e irracional do que um animal de verdade. Os animais, ao contrário de nós, homens, não passavam por mutações de personalidade ao ingerir bebidas vis, o que os tornava superiores a mim naquele momento. E o tempo continuou a me deixar, abandonando-me no esmo daquela madrugada barulhenta. Se eu pudesse sentir algo naquele momento, eu sentiria um profundo arrependimento. Por que diabos eu tinha que entrar naquele bar?

        

- Ei, rapaz! - uma voz chamou-me sem delicadeza alguma e eu precisei de alguns instantes para me situar em tempo e espaço - Levante-se! - a voz continuou, berrando grosseiramente em meus ouvidos de forma à quase fazê-los estourar

 

- Hum? - murmurei, percebendo o quão lentos estavam minha voz e meus movimentos; se a voz pedia para que eu me levantasse, onde afinal eu estava?

 

- Levante-se, seu vadio! - mãos tacanhas agarraram-se pelos braços, içando meu corpo - Eu preciso fechar o bar! - gritou o homem, sacudindo-me

 

- O bar? - repeti dormente, tateando qualquer coisa em que pudesse me segurar para ficar de pé - Onde eu...? - sinto que minha voz não tinha mais forças para sair

 

- Saia logo daqui! Já passam das quatro da madrugada e preciso fechar o bar! Vá dormir em outro lugar! - o vulto escurecido do rosto do taberneiro surgiu diante de meus olhos, ralhando comigo como se eu não passasse de um cão inútil

 

- Ei..! - reclamei, cambaleando para fora do bar por efeito dos empurrões que me eram dados nas costas

 

         Tropecei em meus próprios pés, e quando minhas pernas vacilaram meu corpo se foi ao chão, com toda a força que eu jamais imaginara sentir. Estatelei-me, vergonhosamente. Meus lábios sentiram o gosto amargo das pedras da calçada, o gosto sujo, mas não tão sujo quanto o gosto que minha alma provara naquele instante. Se eu não estivesse tão bêbado e dormente pelo efeito do álcool que se espalhara por todo o meu corpo, teria me surpreendido ao levar o tombo. Aquela era a primeira vez que eu percebia o quão amargo era estar embriagado.

 

- Velho desgraçado... - murmurei indignado, pronto para levantar-me e destruir a porta robusta daquele maldito bar; eu teria o feito, se meu corpo obedecesse meus comandos

 

         Tentei ao menos ajoelhar-me no chão frio, mas meus braços e pernas estavam imprestáveis. Meu corpo não tinha força alguma, vontade alguma. Nada funcionava, nem mesmo minha voz tinha o tom que costumava ter, enrolando-se na lentidão de minhas palavras impossíveis de se entender. Rolei para o lado, tão pesado como um bloco de concreto. Foi então que consegui distinguir as luzes douradas no alto de um poste sobre minha cabeça. Deitado no chão como quem está prestes a conhecer a morte, eu encarei profundamente aquelas luzes, belas luzes diante de meus olhos que se forçavam a permanecer abertos.

 

- Oh... Que bonitas são. - sibilei com língua enrolada, emocionando-me completamente pela claridade que brilhava sobre mim

 

         Permaneci ali, admirando aquela claridade, a única que ainda me mantinha longe da escuridão. Meus olhos cintilavam como os de uma criança que conhece o mundo pela primeira vez. O que luzes douradas tem a ver com o mundo? Não soube explicar, apenas entendia que aquilo me comovia profundamente, como se tocasse o meu coração. Ri, insanamente, fitando as luzes do poste. No silêncio da adormecida Richarten, minha risada era ampliada mil e uma vezes, assombrosamente.

        

- Essas luzes... Essas luzes devem ser Deus. - decidi, estirado como um pedaço de madeira inerte sobre a friagem da madrugada - Deus! - gritei, estranhamente desesperado - Deus, eu estou aqui! Deus, pode me ver?! - praticamente urrei, erguendo sem força alguma um de meus braços para o alto, na direção das luzes do poste - Deus, por que fez isso comigo?! Por quê?! - mas a resposta de Deus não vinha, e eu irritava-me com aquele silêncio - O que eu fiz para o senhor?! Por que é tão cruel comigo?! Responda, Deus! - e novamente o silêncio me atormentava, terrivelmente

 

         Desisti de falar com Deus, imaginando que pelo horário ele teria ido embora, deixando-me sozinho como todos os outros haviam feito. Deus cansou-se de mim, abandonando-me na escuridão. As luzes do poste piscaram freneticamente, e eu entendi que realmente estava sozinho. Não havia ninguém ao meu lado, não havia ninguém que carregasse o meu corpo para um local onde os transeuntes da manhã seguinte não passassem por cima de minhas pernas. Mas do que importava? Eu não precisava mesmo de ajuda, e estava confortavelmente bem naquele momento.

         Enfim, as luzes do poste acima de minha cabeça se apagaram, depois de relutarem durante alguns segundos. Lágrimas transbordaram de meus olhos, correndo pelas laterais de meu rosto pálido. Aquilo era realmente bonito, era realmente agradável. O frescor das lágrimas afagando meu rosto, graciosamente. Lembrei das mãos de Mystic, acariciando-me com a mesma doçura, e com um sorriso satisfeito por baixo de minha máscara, eu finalmente deixei que os sonhos me dominassem.


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