Classe dos Guerreiros - A Sexta Geração escrita por Milady Sara


Capítulo 2
Início




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Em uma noite escura e silenciosa, no interior remoto do reino de Astra, os lobos uivavam, contemplando a lua, enquanto algumas crianças, ao ver a mesma lua, não conseguiam contempla-la como estes animais.

Havia acabado de anoitecer, mas estava incrivelmente escuro. Em uma pedregosa estrada de terra, uma pequena garota, com grandes cabelos lisos cor de mel que caíam por seu rosto andava. Usava um vestido azul claro rasgado em vários pontos e sapatilhas pretas que a cada passo que dava ela podia sentir que estavam se rasgando.

Com o olhar baixo a garota caminhava devagar, suas mãos latejavam e sua cabeça doía devido a tanto esforço que fizera durante tanto tempo. Estava fugindo de casa. Tinha tomado essa decisão assim que abrira os olhos naquela manhã, e assim estava fazendo. Não podia e não ia continuar vivendo ali.

Enquanto andava, sua mente viajava, e não ouviu quando o grande homem loiro se aproximara dela, até este a agarrar pelo braço e a virar para si.

– Aonde você pensa que vai garota? – o homem deveria ter uns vinte anos, usava roupas leves e tinha curtos cabelos loiros, sua face tinha lascas de madeira.

– Me solta Luca! – disse a garota tentando se livrar do aperto em seu braço. – Me deixa ir embora!

– Há! Embora?! E para onde você iria? Posso saber? – a menina se contorcia a beira das lágrimas.

– Eu não sei! Qualquer lugar! Qualquer um contanto que longe de você!

– Isso não é jeito de falar com seu irmão!

– Você não é meu irmão! É um monstro!

– Já chega Lena! – ele gritou no rosto da pequena, que estava vermelho, fazendo esta se calar. – Nós vamos para casa. Agora! – o rapaz começou a fazer o caminho de volta arrastando a garota a força. Esta ainda tentava se soltar do aperto do irmão.

Estava a ponto de desistir, até lembrar de algo que tinha no bolso. Colocou sua mão livre ali equando tirou, tinha um pequeno grampo de ouro em suas mãos machucadas. Aquilo era especial, e ela não queria usá-lo, mas era sua última saída. Fechou a mão, e logo, o que tinha ali não era um grampo, era o cabo de uma adaga com lâmina de ouro.

Fechou os olhos, e lançou a adaga na mão do irmão que a segurava, este urrou de dor a soltando e fazendo cair no chão.

– Lena! – ele gritou em fúria segurando a mão machucada com a livre, sangue jorrava. Sem perder tempo, a garota fincou a adaga no pé direito do loiro, e quando este se encolhia pelo segundo golpe, acertou a arma com força em sua coxa esquerda, e saiu correndo, a adaga ficara em seu irmão. – LENA! – o rapaz apesar de sangrando, parecia não se abalar. - Você me paga! – acrescentou ao tirar a adaga de sua coxa e observar a lâmina molhada com seu sangue.

Embora um pouco longe, a pequena ainda podia ouvir os gritos furiosos de seu irmão mais velho. Mas não parou de correr. Não podia parar. Sentia as pedras fazerem doer seus pés dentro das sapatilhas, mas continuou, sem olhar para trás, enquanto o céu, que até poucos minutos estivera completamente limpo, agora tinha escuras nuvens, encobrindo a lua.

~*~

Em uma pequena e modesta casa de madeira enegrecida com o tempo, havia uma mulher, uma garota e uma figura disforme em uma cadeira de rodas.

A garota estava jogada no chão e poderia ser confundida com um cadáver se seu peito não subisse e descesse com sua respiração.

Usava uma blusa branca de mangas compridas de malha que marcava seu corpo, uma saia preta até os joelhos e sapatos desbotados. Seus longos cabelos ruivos estavam espalhados pelo chão ao redor de sua cabeça.

Estava esquelética, como se estivesse desnutrida. Os ossos estavam aparentes. Seus olhos quase saltavam das órbitas e ela tinha vários cortes pelo corpo.

A mulher estava em pé, atrás da cadeira de rodas. Usava um vestido preto com mangas e que ia até o chão, e um véu por cima da cabeça, deixando impossível ver seu rosto. Ela se inclinava para o que quer que fosse que estava na cadeira. Era um amontoado de panos pretos que se mexia levemente.

– Deu certo... – a mulher sussurrou e uma mão, tão magra quanto à da garota, porém muito mais pálida saiu dos panos e tentou tocá-la. – Sim. Tudo bem, meu querido. – beijou o topo dos panos. – Vamos indo. – e empurrou a cadeira de rodas porta afora.

Alguns segundos depois das duas figuras de preto saírem da casa, a garota começou a mudar. Ela começou a engordar, como se seu corpo estivesse se recuperando rapidamente e logo, ela era uma criança saudável novamente. Com um arquejo a garota se sentou. Seus olhos assustados deixavam claro seu pânico. Havia feito muitos serviços, mas nenhum fizera aquilo com ela.

Levantou-se e foi até a porta. Não havia nenhum sinal das figuras misteriosas. Nenhum rastro na estrada enlameada, nem nada do tipo. Somente as lembranças horríveis que ficaram em sua mente. A menina levantou o braço na altura de seus olhos e viu uma grande ferida ali se fechar.

Passou pela porta dando passos fracos e cambaleantes e atravessou o jardim. Um homem veio dos fundos da casa e parou alguns passos atrás dela.

– O que está fazendo? – ele perguntou. Era moreno, com roupas maltrapilhas e a barba por fazer.

– Indo. – o homem trincou os dentes.

– Vai deixar esse velho sozinho?

– V-você pode se cuidar sozinho. – as pernas da garota tremiam e ela lutava para não gaguejar.

– Volte. Agora mesmo.

– Não... – sua voz quase falhara e ela queria correr. Uma carroça passava pela estrada nesse momento e passou pela frente da casa.

– Drica! – ele a pegou pelo braço e olhou fundo em seus olhos. – Para casa agora! – e se virou puxando-a.

– Me larga! – ela gritou fechando os olhos e não percebeu o que fez. O homem a largou e caiu no chão, estava do mesmo jeito que ela antes da mulher de roupa preta sair. Era como se sua vida tivesse sido tirada dele. – Essa não... – ela se ajoelhou perto da cabeça do homem enquanto este lutava para respirar. Delicadamente, ela posicionou sua mão na lateral magra da face do mais velho, instantaneamente, ele começou a melhorar como ela. – Adeus. – disse e correu para a estrada, indo na direção da carroça.

Tinha de ser rápida, logo o homem melhoraria e iria atrás dela. Correu o mais rápido que suas pernas permitiam, escorregando algumas vezes na lama, até que conseguiu se segurar na carroça. Havia feno nela, coberto com um pano. Olhando para o alto, a ruiva viu o céu completamente fechado e devagar, se abrigou embaixo do pano.

~*~

Em uma parte mais fechada da floresta, de cima era possível ver luzes vermelhas e trotes de cavalos enquanto trovões superavam o barulho dos animais e relâmpagos iluminavam o céu.

Lá embaixo, correndo, estava outra garota, bem diferente das que já conseguiram fugir de seus problemas. Corria descalça pela floresta, seus sapatos ficaram para trás há algum tempo. Usava roupas coloridas, um top com mangas que cobriam seus ombros e uma saia que ia até seus tornozelos e tinha enfeites dourados que faziam barulho nas pontas. Tinha pele um pouco morena e cabelos castanhos muito curtos, recém-cortados de um modo desleixado.

Já estava correndo há horas, seus braços e rosto estavam arranhados por conta de galhos e espinhos que ela esbarrava. Seus pés já estavam a ponto de sangrar e ela segurava um pedaço de pano em uma das mãos.

Os cavalos a seguiam, e seus cavaleiros seguravam lanternas para enxergarem o caminho.

A pequena estava sem fôlego, então, a sua frente havia uma grande e longa árvore caída. A menina pulou a árvore, mas caiu do outro lado, e isso deu tempo para seus perseguidores chegarem perto o suficiente para ela ver suas lanternas.

Respirando rápido, ela formulou um plano. Estendeu sua pequena mão cheia de cortes para a árvore, e esta pegou fogo. Quando os cavalos chegaram perto relincharam e se empinaram surpreendidos pelas chamas, no mesmo momento que outro relâmpago iluminou tudo.

Os cavaleiros eram quase idênticos. Usavam blusas brancas de linho, tinham barbas ralas e usavam bandanas roxas com um desenho nas testas. Ambos olharam a menina com desprezo.

– Mia Lester! – um deles gritou por cima de outro trovão que se propagava.

Ainda com a mão estendida, a menina apontou para os cavalos, e raízes cresceram nas patas destes, os prendendo ao chão. Ela se levantou e continuou, entrando mais na floresta para enganar os homens. Cada passo doía, mas não mais que seu coração por estar sendo caçada pelos seus.

Lágrimas escorreram por seu rosto que tinha ficado vermelho, junto com as primeiras gotas de chuva.

~*~

Não muito longe da casa da menina ruiva, um garoto caminhava com ar decidido. Estava descalço e tinha cabelos pretos longos e desleixados, orelhas um pouco pontudas e sua camisa vermelha estava muito suja e tinha manchas que eram de sangue seco.

A estrada de terra batida era dura embaixo de seus pés, mas pelo menos estava sozinho. Então, ouviu passos de alguém correndo em sua direção. Virou-se de volta e esperou que os dois homens carecas o alcançassem.

– Onde você pensa que vai pirralho? – disse um que era visivelmente mais novo.

– Para mim já deu. Estou indo embora antes que vocês piorem tudo! – o garoto disse sério.

– E quem acolheria você? – disse o outro careca que tinha feições parecidas com as do garoto. – Você não tem família longe daqui, e a que tem está abandonando! Vai mesmo deixar sua mãe sozinha?

– Cala a boca! – o menino gritou zangado. – Você faz mais mal do que bem a ela! E ela mesma disse que eu podia ir!

– Ela é louca!

– Não fale dela desse jeito!

– Mas é a verdade! – o careca que era o pai do garoto tentou pegar no ombro deste, que se afastou.

– Não toque em mim. – disse o menor entredentes.

– E o que você vai fazer pirralho? – falou e pegou no ombro do garoto novamente.

– Falei para não me tocar! – o garoto gritou e arranhou o rosto do homem, que ficara com três grandes cortes finos do rosto, que sangravam. As feições do garoto tinham mudado. As pupilas dos olhos escuros levemente esverdeados eram finas fendas pretas, suas unhas cresceram e agora eram garras, e sua boca entreaberta exibia caninos maiores do que o normal. Ele sibilou para o homem a sua frente.

– Seu pirralho idiota! – o homem disse com a mão em cima de seu corte.

– Você vai pagar por isso! – disse o outro homem avançando para o garoto, este rosnou e correu. – Volte aqui Hunter! – o careca gritava perseguindo o garoto. – Se você não voltar, sua mãe é quem vai pagar por você!

O menino hesitou. Com sua transformação era mais rápido que o tio, e avistara uma carroça, mas também tinha melhor audição. Estava fazendo aquilo por sua mãe, ela precisava de paz... Tinha de ser um blefe, e ele tinha de arriscar. Apertou o passo e quando estava a uma distância curta da carroça, pulou, se segurando nela com as garras e sentou-se na madeira. Seu rosto voltara ao normal, e ele viu o homem parar e ficar distante gradativamente.

Ao sentir alguns pingos de chuva, enfiou-se no feno coberto que havia na carroça, se esforçando para não pensar que o tio estivesse falando sério.

~*~

Chovia forte. Relâmpagos eram a única coisa que clareava a noite. E em uma fina estrada de terra que atravessava uma floresta, um garoto caminhava.

Suas feições duras pareciam inadequadas para alguém da sua idade. Cada passo lento e firme seu espirrava água, seus punhos pendiam cerrados ao lado de seu corpo e olhava para seus pés. Usava uma camisa preta, uma calça esfarrapada e sapatos um pouco rasgados.

Seus cabelos castanhos e um pouco encaracolados estavam encharcados e lisos caindo por sua testa e seus olhos. Era uma figura um pouco misteriosa e até intimidadora para uma criança. E ao mesmo tempo em que parecia ameaçador, parecia triste, transmitia pena.

Então, ao ouvir passos rápidos vindo em sua direção com uma luz, correu para a esquerda, pulou uma moita, se apoiou de costas em uma árvore e fechou os olhos. Logo, os passos chegaram até o ponto onde o garoto estava antes. Eram duas mulheres, ambas pareciam preocupadas e usavam cobertores grossos por cima das cabeças que cobriam seus ombros, seguravam lanternas e olhavam para os lados.

– Caleb! – elas gritavam.

– Vem, vamos continuar. – disse uma delas continuando seu caminho sendo seguida pela outra.

O garoto abriu os olhos e era como se um ponto branco tivesse surgido na árvore. Ele se desencostou desta, sua pele tinha a cor e a textura de madeira, e aos poucos voltou ao normal. O pequeno olhou para a estrada, vendo a luz que indicava onde as mulheres estavam, e entrou mais na floresta, teria que fazer o caminho mais longo.

Nenhuma dessas cinco crianças tivera uma vida fácil, e não sabiam, mas os motivos que os fizeram fugir de seus sofrimentos eram os que realmente os tornavam especiais, e únicos.


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Notas finais do capítulo

E então? Que taaaal? Essa foi a apresentação dos personagens principais!
Comentários, me alimento de comentários!