Herança escrita por Janus


Capítulo 36
Capítulo 36




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     Não foi bem como esperava. Haviam muitas poucas estátuas por lá e todas estavam danificadas. Parece que as ruínas eram o resultado de uma guerra. Os poucos instrutores que consultou a esse respeito não afirmaram tal coisa, mas disseram que ainda estavam debatendo sobre o estranho estado dos destroços. Alguns podiam sim ser resultado de destruição ou até vandalismo. A hipótese mais provável no momento era a de que as construções abandonadas foram usadas como fonte de material diverso – ou seja, como uma pedreira – para outros fins. Talvez até como lastro de navios.
     Mesmo Herochi parecia desapontado. Sua empolgação inicial tinha diminuído muito. Uma pena mesmo. Para compensar, os afrescos recuperados em algumas construções eram fantásticos! Muitos retratavam cenas que acreditavam ser comum naquele local. Ficou encantada com as roupas usadas pelo povo que lá vivia. Uma mistura de trajes leves de realeza com roupas do antigos gregos. Estava até pensando em pedir para Anne lhe fazer uma roupa assim para seu aniversário.
     Claro que ela duvidava que conseguisse fazer a tempo. Mas sempre lembrando que tinha feito a sua primeira roupa de sailor Terra em menos de um dia...
     - Amor – disse ela – não fica assim. Eu sei que ficou chateado.
     - Não é bem isso – disse ele sem mudar a cara de derrotado – é que nenhuma destas construções pertencia a um escultor ou artista. Pelo menos ainda não acharam nenhuma que pudesse ser isso. Parece que esta não era mesmo uma cidade "normal". Deve mesmo ter sido um local de reunião ou de visitas. Talvez fosse mesmo um conjunto de templos. Se bem que aqueles murais parecem indicar um cotidiano um pouco incomum para isso.
     - Nisso eu tenho de concordar. Será que se referem as pessoas que viviam aqui? Eu não vi nada que pudesse ser uma casa comum. Parece que cada uma das construções aqui tinha um propósito específico. Bibliotecas, teatros, locais de banho, um jardim incrível, até este caminho aqui que aposto que era coberto antes. Parece um tipo de centro de convenções.
     - Talvez seja o que tinham de equivalente na época – disse ele observando a bela vista que tinham daquele ponto da trilha – ou talvez a Rita não tenha falado uma besteira tão grande quando afirmou que devia ser uma universidade. Parece que tem tudo o que seria necessário para isso. As construções vazias podiam ser salas de aula. Isso explicaria aquele mural mostrando um monte de gente jovem sentados em várias mesas se alimentando. Juro que quando vi aquilo eu me lembrei do pátio de nossa escola na hora do lanche.
     - A Rita estar certa duas vezes no mesmo dia é demais – ela riu – o mundo deve estar chegando ao fim mesmo. Puxa... estou com fome. E antes que diga qualquer coisa, é a minha fome "normal" de pessoa normal.
     - Eu não disse nada.
     - Mas tenho certeza de que pensou – e deu um beliscão fraco na bunda dele.
     - Ei? Que pouca vergonha é essa?
     - Hum... – fez ela com uma expressão de desejo – apenas que eu estou dispensada de trabalhar no restaurante. Já que vamos chegar tarde mesmo, meus pais decidiram não abri-lo hoje. E já que todo mundo já sabe de nós e eu não pretendo ser nenhuma santa mesmo...
     - Joynah...
     - Qual o problema? Não é nada que já não fizemos, só que agora podemos curtir por mais tempo...
     - Só depois que minha mãe souber...
     Ela o agarrou pelos cotovelos e o forçou a encara-lo. Como tinham a mesma altura – e ela era tão boa em artes marciais quanto ele – isso o deixou um pouco assustado.
     - Ela te deixou livre, lembra? Você não precisa mais chegar antes das sete em casa. É só falar que vai passear com a namorada. Garanto que ela vai entender.
     - Err.. bem...
     - Qual é o problema? – ela já estava começando a gritar.
     - Na verdade é que não estou acostumado a ser o "caçado" para isso.
     - Pode ir se acostumando – ela começou a andar puxando ele pela mão – quando uma garota está a fim é muito pior que os homens...
     - Já percebi!
     Seguiram a trilha até chegarem ao lugar onde os flutuadores estavam pousados. Ficou surpresa ao ver um monte de barracas de lanches por lá. Seguiram mais rapidamente o resto do caminho até estarem de volta onde tinham começado. Lá estavam os flutuadores todos juntos, um ao lado do outro. A frente destes um monte de barracas vendendo comida. Tantas que ela não sabia bem por onde começar a procurar o que queria. Aquela atração turística estava mesmo rendendo divisas a cidade. Será que algum de seus clientes estava por lá?
     Ela se aproximou de uma barraquinha que vendia salgadinhos e ficou olhando maravilhada para esses, especialmente as coxinhas. Olhou para o Herochi esperando não precisar dizer para ele lhe comprar algo.
     - O que você quer?
     Que bom! Ele percebeu. Ainda precisava de mais treino, mas seu futuro marido já estava pegando o jeito da coisa.
     - Bom, eu... eu... não acredito! – deu um imenso sorriso ao ver quem estava vendendo os salgados – Você também está aqui?
     - Joynah! – exclamou o vendedor – nossa... que surpresa. A minha melhor fornecedoras de salgados.
     - Vocês se conhecem? – perguntou Herochi.
     - Claro! – ficou indignada – ele é meu cliente. Ou esqueceu do negócio que tenho com as minhas irmãs?
     - Não, não esqueci... é que não pensei nisso. Porque você sempre acha que eu tenho de saber de tudo o que está falando?
     - Porque sim! – respondeu simplesmente com um bico – faz parte de suas obrigações.
     Ela fingiu ficar um pouco indignada erguendo a cabeça um pouco e o ignorando. Logo depois cruzou os braços e ficou batendo a ponta do pé no chão demonstrando um certa impaciência. Será mesmo que ele já tinha esquecido o que foram fazer ali?
     - Joynah? – perguntou ele confuso.
     - Acho que ela quer que você lhe pague um salgadinho... – comentou divertido o dono da barraca.
     Claro que ela queria isso! Seu namorado ainda precisava de mais adestramento...
     Mas isso ela teria tempo para fazer.
    

-x-

 

     - Bom, é isso ai criança. Se me der licença, eu tenho de almoçar.
     - Sim, sim – disse Anne ainda embevecida com os dados que ele tinha lhe fornecido – tudo bem.
     Ela não percebeu ele saindo. Na verdade, nem sabia que ele tinha saído e a deixado sozinha ali no flutuador analisando e lendo os dados a serem levados em consideração quando se reconstruía uma cidade. Nem mesmo o ronco vindo de sua barriga era audível. Tinha acontecido o que todos temiam e desconfiavam... Anne fora novamente acometida pela sua febre de conhecimento. Um estado quase hipnótico que a fazia tentar obter mais e mais informações, fazendo-a ignorar tudo o que a cercava.
     - Anne?
     Era incrível aquelas técnicas. Analisar os destroços com cuidado para ver que história contavam. Se entre duas colunas haviam pedras de material similar, era bem provável que as mesmas formassem um arco antes.
     - Anne!
     Se haviam sinais de barro cozido então era possível que houvesse alguns ornamentos de vasos ao redor ou nas próprias colunas
     - ANNE!
     E se haviam blocos de mármore, podiam formar uma laje sendo sustentadas por esta. Haviam muitos blocos de mármore ao redor de algumas colunas que tinha visto no Milênio de Prata. Isso significava...
     - Vamos ter que apelar, Diana, faça a sua parte.
     - Posso mesmo? Ela vai me matar...
     - Faça logo!
     - Tá bom...
     ... que deviam sustentar lajes. Haviam lajes acima de algumas daquelas estátuas... mas porque? Não chovia na Lua... será que... hum?
     Mas... isso...
     Isso foi...
     - ARGH! DIANA! QUE HISTÓRIA É ESSA DE ME BEIJAR!
     - Foi só um beijinho na bochecha – disse ela apavorada com Anne a agarrando pelo pescoço – A Rita que pediu para fazer isso...
     Rita? Ela olhou para o interior do flutuador onde ainda estava e a viu de pé no corredor deste. Estava com os braços cruzados e a olhava com certa repreensão
     - Esqueceu de almoçar, não foi? Nem atendeu os chamados de ninguém no seu visor. Suas mães me ligaram pedindo para que eu garantisse que você não ficasse feito múmia de novo. Parece que tinham razão em se preocupar.
     - Eu... quer dizer... minhas mães ligaram?
     - Sim – respondeu Diana ainda com o seu pescoço nas suas mãos – Elas tinham certeza de que você ficaria empolgada.
     Anne a soltou e, após alguns momentos ponderando, desatou a rir. Elas tinham razão! Novamente ficou tão empolgada com algo que acabou se esquecendo do mundo. Tudo bem. Teria muito tempo para avaliar os dados do professor Henry e usa-los em seu projeto pessoal. E agora que Rita falou, realmente havia um buraco no seu estômago.
     Bem como um delicioso cheiro de sashimi nas suas narinas. De onde vinha?
     - Tome – disse Rita entregando um pacote semi transparente – compramos para você.
     Dava para ver o que era. Bolinhos de arroz e sashimi. Não era bem o seu prato favorito mas não iria dispensar. Daria para sustenta-la até o jantar.
     Se Diana se controlasse e deixasse os pedaços de peixe só para ela.
     - Ham! – fez ela enfiando os bolinhos na boca – que delícia! Foi Joynah quem os fez?
     - Claro que não – respondeu Rita – é que você está morta de fome mesmo, por isso parecem tão gostosos. O que você fez a tarde inteira? Ficou aqui?
     - A tarde inteira? Que horas são?
     - Quatro da tarde – respondeu Diana com o olho gordo nos pedaços de sashimi – está todo mundo procurando por você.
     - O que me lembra – disse Rita – deixa eu avisar que a achamos.
     Rita pegou o seu visor e avisou as suas amigas que encontraram a sumida. Anne não se incomodou muito e continuou a comer. Rita estava certa... estava morta de fome. Enquanto isso, Anne fazia a sua melhor imitação de "poço sem fundo de Joynah", como ela ficou conhecida quando ainda comia daquela forma absurda, simplesmente enfiando a comida na boca sem mastigar.
     - Que delícia! Estou satisfeita.
     - Lógico! Acabou com tudo – chorou Diana.
     - Você já comeu – disse Rita – bom Anne, agora que está alimentada, ainda quer ver algo que acho que ainda não viu?
     - O que?
     - Um pequeno museu que achamos aqui. Está pertinho. Tem algumas estátuas, vasos e até alguns murais. O que eu achei incrível foram as pinturas de alguns vasos. Parecem até plastificados.
     - Hum... – parecia interessante – porque não? Já consegui tudo o que queria mesmo. Qualquer coisa agora é lucro.
     Anne se levantou e amassou o embrulho que tinha sido usado para lhe trazerem o lanche. Ira jogar no lixo assim que visse um.
     - Vamos? – perguntou ela.
     - Que tal limpar o batom em sua boca primeiro? – questionou Rita.
     - Batom? Eu não passei batom hoje...
     - A Diana passou – respondeu ela sem evitar uma gargalhada.
     A Diana passou? Mas o que isso tinha a ver com ela ter batom na... sua boca...?
     - DIANA!
     A jovem malviana rapidamente assumiu sua forma felina e se escondeu embaixo de um dos bancos do flutuador.
     - Calma Anne – disse Rita a segurando – eu estava brincando. Pode se olhar no espelho que não tem mancha nenhuma.
     Foi exatamente o que fez. Foi até onde estava o assento do motorista e se viu no espelho deste. Ne nenhuma mancha ou marca. Menos mal...
     - Ela me beijou mesmo na bochecha?
     - Faz diferença? Você não tem como saber a verdade mesmo...
     - Humpft! Certo, vamos ver este museu. Vamos Diana. Não vou te matar não. Ao menos não hoje – completou em voz baixa.
     - Podem ir – disse ela assumindo sua forma humana e surgindo no meio do corredor do flutuador - eu vou ver como Marina e seu encontro estão. Estão no flutuador ao lado deste.
     - Encontro? – perguntaram ambas.
     - Depois eu explico – disse ela – tchau!
     Diana novamente reverteu para a forma felina e saiu do flutuador em disparada. Hum... aquelas duas... será que...
     Ela balançou a cabeça com força de um lado para o outro para tirar o pensamento da cabeça.
     - O que foi? – perguntou Rita.
     - Nada. Apenas uma besteira que pensei sobre Diana e Marina.
     - Eu garanto que todo mundo já pensou nesta mesma besteira – disse ela olhando para a porta onde Diana tinha saído – garanto mesmo. Quem sabe? Talvez Marina acabe sendo a filha que suas mães queriam ter tido...
     - Azar delas. Eu gosto de garotos e ponto final.
     - Eu também gosto, mas assim como você não estou desesperada atrás de um. Queria que minha mãe entendesse isso. Está sempre perguntando quando vai conhecer o genro dela...
     - Sua mãe é muito parecida com a rainha...
     - É o que dizem, mas não vejo assim uma grande semelhança não... vamos ver esse museu antes que ele feche.
     - Tá bom... – disse Anne enquanto Rita pegava na sua mão e a puxava para fora do flutuador.
     Como estava de castigo mesmo, iria rever aquelas informações em casa. Talvez até já começasse a esboçar a reconstrução da cidade.


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