Herança escrita por Janus


Capítulo 27
Capítulo 27




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     Ela já estava acordada, mas não queria abrir os olhos. Preferia ficar mais um pouco na cesta, aconchegada no seu companheiro, seu marido, o pai de sua filha. Era tão quentinho quando ele estava com ela...
     Incrível como tão pouco podia ser tão compensador. Vivia em um palácio enorme, o maior de todo o planeta, com uma arquitetura cristalina única, e, não tinha propriamente aposentos próprios... nunca tinha precisado daquilo, e eles – seu marido inclusive – nunca tinham feito questão para tanto. Uma simples cesta para passarem a noite estava ótima. Perfeita para eles. O que mais dois gatos poderiam querer? Para que um quarto, se não teriam nada para por neste? Para que roupas, se ficavam quase que constantemente em forma felina, tornando tal item desnecessário? Para que posses, se podiam tranqüilamente possuir todo o mundo? – metaforicamente falando, claro.
     Não... eles não tinham necessidade disto. Nunca tiveram. Pelo menos, até a noite anterior.
     Luna demorou para pegar no sono. Ficara muito tempo pensando nas coisas. Nas coisas que faziam, nas coisas que tinham – tudo o que tinham era apenas uma linda criança – nas coisas que necessitavam. Eles não precisavam de uma vida humana. Mas sua filha sim. Era a única forma de ter amigos para se relacionar enquanto crescia. Tinha adorado tanto isso, que a única ocasião em que revertia para a sua forma felina era para dormir, e isso, na cama da princesa. Ela sim, tinha roupas – de onde ela herdou esse gosto para usar roupas tão... sensuais? – que ficavam no guarda roupa da princesa. Ela tinha um cômodo – novamente, o quarto da princesa – que o usava já fazia muitos anos. Já fazia tanto tempo que sua filha tinha parado de dormir com eles, que ela estava, subitamente com saudades. Sentiu saudades do pequeno corpinho dela ali, entre os dois, quando era mais nova – e bem mais educada e controlada – das vezes em que brincava com ela, de manhã cedo.
     Devia estar ficando velha... pensar em coisas assim como se fizessem parte de um passado distante – e faziam – que nunca mais iriam retornar.
     E, não iriam voltar mesmo...
     Tinha que encarar. Sua filha já era mocinha, e, agora, já tentava agir por conta própria. Luna ficou se culpando pelo que ocorreu no dia anterior. Afinal, não tinha sido ela quem ficou martelando as orelhas de sua filha eternamente com aquelas conversas de responsabilidades e deveres para com a rainha? Não foi isso o que ela fez? O trabalho que ela própria faria? Não o fez da mesma forma? Observando o máximo possível para obter a maior quantidade de informações?
     E quanta informação ela tinha conseguido... a rainha iria fazer uma reunião emergencial mais tarde, convocando todas as sailors e os guardiões, para pô-los a par dos eventos. Eles precisavam saber. Seu novo inimigo era bem diferente dos antigos, preferindo atuar na surdina, levantando as mínimas suspeitas possíveis.
     Tinha que admitir. Ficara orgulhosa dela. Apavorada pelo que passou, mas, ainda assim orgulhosa. Não iria dizer isso para ela, não seria louca de incentiva-la a repetir tal coisa. Talvez até desse um castigo meio pró forma para ela, apenas para que pensasse que tinha feito uma coisa muito errada. Na verdade, foi apenas imprudente. Coisa que apenas o tempo e a experiência poderiam curar. A mesma coisa, alias, que as novas sailors teriam de encarar.
     Imprudência... ela já tinha sido imprudente também... quando jovem, um pouco mais jovem que sua filha, alias. quando cismou de seguir um estranho odor que tinha sentido em seu planeta natal. Acabou entrando um uma nave espacial e, quando se deu conta, estava indo para outro mundo. Longe de sua mãe, pai, irmãos...
     Tinha sido um tormento. Um terrível tormento ficar ali, escondida na nave para não ser descoberta, e, logicamente, ejetada ao espaço por ser uma clandestina. Não era uma nave de seu mundo, era estrangeira. Uma nave de carga, com outra raça, que ela mal conhecia, a comandando. Mesmo agora, séculos depois, sentia calafrios ao se lembrar do incidente. Como ficou desesperada! Longe de casa, dos pais, dos amigos, sozinha... presa! O pior sentimento possível para um nativo do planeta Mall. A sensação de aprisionamento, a terrível tortura que era perceber não poder estar livre para seguir seu próprio destino. Isso, em uma felina jovem, como ela era então, era a pior coisa que podia lhe acontecer.
     A experiência prolongada a forçou a amadurecer muito. Boa parte de sua personalidade de hoje, era decorrente disto. Sua incessante necessidade de ser responsável, de cuidar para que os outros fossem responsáveis, que cuidassem de seus deveres, havia nascido ali, no tempo em que ficou confinada, escondida, amargurada, naquela nave.
     Foram meses. Meses nos quais ela contava os segundos. Contava segundo após segundo, desejando que a nave aportasse logo, para que pudesse sair. Fugir, esticar as pernas, para parar de se esconder e roubar as sobras do lixo da cozinha. Meses aguardando a chance e a oportunidade, em uma nave cargueiro que bem podia ficar anos no espaço. Talvez até décadas.
     Felizmente, a sorte lhe sorriu. A nave aproximou-se de um planeta com uma civilização jovem. Muito jovem mesmo. Tão jovem que mal era conhecida ainda no resto da galáxia. Isso não importava para ela... era um mundo para trilhar, correr, esticar as pernas, sentir-se livre.
     Assim que a nave aportou, ela saiu desesperada. A tripulação a viu, e, surpresa, tentou pega-la. Mas, em vão. Ela fugiu deles, fugiu da nave e fugiu do espaçoporto, feliz... sorridente por poder correr de novo. No momento, não importava estar longe de casa, muito menos a possibilidade de jamais retornar. Tudo o que queria era curtir a sua liberdade, que lhe tinha sido negada por meses.
     E ela o fez. Percorreu aquele novo mundo, e ficou surpresa ao encontrar seres ali idênticos a ela. Com duas diferenças... Não eram racionais, nem podiam assumir a forma humana.
     Para ela, contudo, foi perfeito! Podia agir livremente como um gato comum, sem despertar suspeitas. Mas, a solidão começou a se abater sobre ela, depois de alguns anos ali, naquele lugar. Até que, por uma feliz coincidência, seu caminho cruzou com o de quatro jovens, poderosos, que perambulavam por ali, vivendo suas vidas da mesma forma que Serena e suas amigas o fariam depois, séculos após o fim do primeiro Milênio de Prata. Se tornaram amigos inseparáveis, vivendo sua porção de aventuras. Que saudades...
     Solaris, Gammy, Serenity e Kronos. Os quatro guerreiros estelares que se propuseram a proteger os habitantes daquele planeta lindamente azulado, de outras criaturas também poderosas, cujas mentes ficaram obcecadas pelo poder. Eram conhecidos como os protetores do reino.
     O Reino da Terra!
     Aqueles quatro conseguiram envia-la de volta ao seu mundo, pelo qual ficou muito agradecida. Décadas depois, quando era bem mais madura, decidiu voltar, para tentar a sorte em um cargo que estava sendo oferecido na Lua daquele planeta azul, em um reino chamado Milênio de Prata. Que surpresa ao ver que a empregadora era nada mais, nada menos, que sua antiga amiga Serenity, a poderosa Amazona Estelar da Lua.
     Mas também teve sua parcela de tristeza quando soube do triste destino de Gammy e Solaris... pobrezinhos.
     Uma lágrima escapou de seus olhos ainda fechados. A lembrança do que sentiu quando recebeu a notícia despertou antigas e desejadas recordações, bem como as recordações mais dolorosas, igualmente antigas. Remexeu-se um pouco no cesto, procurando ficar mais confortável. Ainda tinha algum tempo antes de ser necessário iniciar o seu dia. Era bom ter um corpo felino... poder sentir coisas que não podia em sua forma humana era fenomenal. Especialmente saber que o dia ainda não tinha raiado, e isso de dentro de um castelo gigantesco, em um ponto em que não se podia ver o exterior, e, ainda, de olhos fechados.
     Hum... Artemis devia ter ser empanturrado na noite passada. Sua barriga estava apertando suas costelas. Ela deu uma cutucada de leve nele, indicando que era para lhe dar um pouquinho mais de espaço.
     Espere um pouco! Desde quando Artemis era tão fofinho e tinha o pelo tão macio assim? Luna finalmente abriu os olhos espantada e olhou para o lado, bem onde a barriga de Artemis devia estar apertando suas costelas. Não era a barriga dele... era sua filha... sua filha Diana... ela... ela tinha ido dormir junto com eles!
     Mas... porque? Ela sempre dormia com a princesa. Porque estava ali, com eles?
     Olhando para aquele corpinho de gatinha lindinho, de olhos fechados, respirando pausadamente, Luna acabou ignorando suas dúvidas. Era o seu filhote que estava lá, do seu lado, dormindo profundamente. Como ela ficava bonitinha assim... quietinha, com os olhinhos fechados, e com a orelhinhas de pé. Tão bonitinha, na verdade, que, por alguns momentos, se parecia com a pequena Diana, a jovem filhote malviana que mal podia se mover. E, com isso em mente, começou a acariciar o pequeno tufo de pelos ali, entre ela e seu marido, lambendo sua delicada penugem acinzentada, na região de sua nuca.
     Notou, divertida, que as orelhas dela balançavam quando fazia isso. Exatamente quando era um filhotinho. Que linda... deu uma mordidinha na ponta da orelha, pra acorda-la, da mesma forma que fazia antes. Antes dela começar a ficar maior, a viver suas aventuras junto com a então pequena princesa, antes dela...
     Dela...
     Abandonar sua filha...
     Bom, não a tinha abandonado realmente, mas ficou muito distante e ausente de sua vida. Tanto que, na véspera, quando ficou apavorada com o sumiço dela, os melhores momentos que tinha para se recordar da filha eram de décadas atrás.
     Isso iria mudar.
     Tinha decidido para si mesma que isso iria mudar, dali em diante.
     Continuando, ela voltou a mordiscar a orelha dela, que balançou novamente, de um jeito lindo! Até que...
     - Ai! Está muito cedo ainda... vamos dormir mais um pouquinho...
     A voz dela... aquela linda voz meiga dela em forma de felina... quanta saudade...
     - Filha – começou ela – o que... o que você... – ela não sabia como perguntar aquilo de forma a não parecer que estava nervosa.
     - Bom – ela começou a responder antes dela terminar a pergunta – a senhora foi tão carinhosa ontem... que... achei que devia retribuir – disse sorrindo – já faz tanto tempo que não compartilho meu calor com vocês...
     Compartilhar o calor... que coisa linda para uma malviana. Dividir o calor do próprio corpo. Um gesto sincero e inocente – para essa raça, que esteja bem claro – de amizade e carinho. Uma prova de amor, no ambiente familiar desta espécie. Que presente lindo sua filha tinha lhe dado. Precisava retribuir. E sabia exatamente como!
     Com um sorriso um pouco ameaçador, Luna rosnou um pouco para a sua filha, que ficou alerta, surpresa, e um pouco alegre, excitada com o que achava que estava por vir.
     E ela estava certa. Em um salto, e de forma totalmente imprevista, Luna avançou em cima da filha, agarrando o seu pescoço e mordiscando ele, forçando-a a se deitar de lado, indefesa ante a fúria de seu ataque. Mas, por pouco tempo. Mordendo sua mãe na barriga, Diana a forçou a se afastar, e a ficar na defensiva. Quando ela pulou em sua direção, ela rapidamente desviou, deixando seu pobre e – outrora – tranqüilo marido levar toda a pancada. O cesto chegou a virar de lado, causando uma chuva de pequenos travesseiros e de dois felinos pelo tapete vermelho do corredor.
     - Mas... o que? – disse ele confuso, olhando surpreso para Luna, que não conseguia evitar de rir dele estatelado no chão.
     - Desculpe papai... – disse Diana sem jeito, e voltou a atacar sua mãe.
     Luna pulou de lado e mordeu a sua nuca, girando o corpo e arremessando-a de volta no colo de seu pai, que ainda tentava ficar de pé. O grito de surpresa dele foi hilário.
     Sem perder tempo, pulou em cima de sua filha – que ainda estava em cima do Artemis. A antiga e antes costumeira briga de gatos logo de manhã tinha sido ressuscitada.
     - Ei! Esperem! – dizia Artemis – parem! Deixem eu sair daqui... AI! MINHA CAUDA! É ASSIM! POIS BEM!
     Luna começou a gritar também, quando Artemis mordeu a sua cauda. A festinha deles ficou sem controle. Tanto que ela foi arremessada um pouco longe por seu pai e sua filha, brigando alegremente. Seu marido tinha entrado de vez na festa.
     Luna olhou para eles se divertindo e sentou-se, para descansar um pouco. Quem foi que disse que os bons tempos nunca iriam voltar? Súbito, teve um lampejo. Assumiu a sua forma humana e ficou observando os dois, brigando no chão.
     - Eu vou fazer o café da manhã. Vejam se não quebram nada.
     - Você vai o que? – perguntou Artemis – AI! Espera um pouco filha... espera.. ESPERA! Ah... droga! Espere só eu te pegar...
     Sorrindo, Luna começou a andar pelo corredor. Como se sentia feliz naquela manhã. Sua filha estava sã e salva, com eles... e... ela estava novamente participando de sua vida... como queria.
     - Ei! – exclamou ela, quando os dois passaram por debaixo de suas pernas, na altura dos joelhos, levantando a sua saia amarela. Estava na cara que tinha sido de propósito.
     - Desculpe, querida...
     - Apareçam na sala de jantar em quinze minutos – disse ela. Mas ambos já estavam longe para responder.
     Continuou pelo corredor e desceu as escadas do hall principal, seguindo diretamente para a parte de baixo do castelo, onde ficava a cozinha, ao lado da sala de jantar. Entrou na cozinha e, sem surpresa, viu a sua amiga e soberana nesta. A rainha Serena, preparando o café da manhã de suas filhas. Ela tinha mesmo pego o hábito de fazer aquilo pessoalmente, dispensando definitivamente os criados daquela tarefa.
     - Bom dia, Luna – disse ela sorrindo, com os cabelos ainda soltos, ainda vestindo um robe – levantou mais cedo que o normal hoje.
     - Bom dia, majestade – retribuiu ela sorrindo também, mostrando os seus dentes brancos, bem como parte de seus caninos pontiagudos – a senhora dormiu bem?
     - Bem – ela olhou para o piso, com um sorriso um pouco amarelo – fisicamente, sim, mas a conversa que tive com Hotaru me deixou um pouco perturbada. E o que sua filha nos contou ontem me incomodou mais ainda. Como ela está?
     - Brincando com o pai dela – Luna quase riu – já faz tempo que eles não se divertem juntos...
     - Acho que vou perder mais alguns vasos – comentou balançando a cabeça – Luna... há... algum motivo especial para você estar assim... "mais alta"?
     - Tem sim – disse ela enquanto ia para um dos armários de mantimentos – quero dar um presentinho a minha filha.
     Ela abriu o armário e pegou uma lata feita de material biodegradável, colocando a mesma em cima da pia. Pegou três pratos, uma jarra de leite e levou tudo até a sala de jantar, que a família real – e Diana – usavam para tomar o café da manhã. A sua soberana a seguiu logo depois, levando um prato de bolinhos que suas filhas adoravam.
     Logo, as duas princesas chegaram, já vestidas e arrumadas. Serena trazia sua irmã no colo, que ainda esfregava os olhos, tentando acordar. Tinha ido dormir um pouco mais tarde ontem, pois ficou brincando com Hotaru, que acabou passando a noite lá também. Logo, logo, ela deveria chegar lá para participar do café da manhã.
     - Bom dia mãe – disse ela a beijando na face, e levantando a sua irmã para ser beijada também – bom dia Luna. Nossa! Há algum problema?
     - Não – respondeu sorrindo – só quero ficar um pouco nesta forma. QUERIDO! – gritou ela – TRAGA A NOSSA FILHA PARA CÁ!
     A rainha e as duas princesas se sentaram à mesa, e, sem cerimônia, começaram a se servir. Diana não precisava se apressar, pois quase sempre saia mais tarde que as duas, pois ao contrário delas, que usavam o portão norte do castelo para pegar um transporte público até a escola – e, com isso, davam um volta danada - ela ia pelo portão leste, percorrendo os dois quilômetros que separavam a escola do castelo a pé mesmo. Ela adorava andar. E nunca chegava na escola ofegante ou cansada. As vezes, cruzava com Rita e seus patins pelo caminho, e disputava corrida com ela.
     Rita sempre perdia...
     Artemis entrou na sala de jantar segurando a filha – pela nuca – na boca. A coitadinha estava desolada por ter sido pega assim, tão facilmente. Ficava totalmente sem forças quando alguém a pegava assim – exatamente como os gatos terrestres – e, muito encabulada.
     - Muito bem, eu quero os dois sentados à mesa. E com os pés no chão – disse sorrindo – agora!
     Artemis se transformou primeiro, seguido, momentos depois, por sua - um pouco confusa - filha. Ambos se aproximaram e sentaram-se ao seu lado. Diana ficou entre eles. Era uma cena rara aquela. Na verdade, era totalmente inédita! Nunca, em todos os séculos de existência do novo Milênio de Prata, as duas famílias estiveram sentadas à mesma mesa, para o café da manhã daquele jeito. Pensando nisto, Luna chegou a imaginar que deveria registrar aquilo para a posteridade.
     Quando pensou em tomar o café da manhã junto com a filha, em sua forma humana, apenas queria lhe dar um presentinho um tiquinho especial, o de que não iria, jamais, proibi-la de agir como humana. Diana era quem devia decidir isso, não ela, muito menos o seu pai. Agora, vendo todos sentados à mesa – o rei logo chegaria para se juntar a eles – ficou se recriminando de não ter feito aquilo antes. Porque isolar as duas famílias? Ela e Artemis não ficavam isolados na época de Serenity. Participavam mais ativamente da vida diária da família real. Principalmente com a então, pequena princesa Serenity - a atual rainha Serena.
     - Tem peixe? – perguntou Diana, olhando para ela e para o seu pai, repetidamente, e com um sorriso enorme.
     - Não exatamente – respondeu ela, alegre.
     Luna pegou a lata que tinha trazido consigo e a abriu, despejando o seu conteúdo nos pratos fundos que também tinha providenciado. Eram um tipo de flocos secos, muito parecido com os cereais matinais que as vezes a rainha também servia as filhas. Depois de colocar uma boa dose daquilo nos três pratos, pegou a jarra de leite e colocou um pouco em cada um deles, sendo atentamente observada pela princesinha, que olhava arregalada para aquilo. Ela já tinha comido cereais com leite antes, mas, parecia muito curiosa com aquela variedade, que, obviamente, nunca tinha visto.
     - Sirvam-se – disse Luna, entregando-lhes as colheres.
     Diana, curiosa, experimentou um pouco. Com um "hum" expresso saborosamente, começou a tomar mais e mais colheradas do "cereal" que sua mãe tinha preparado.
     - Que delícia! – exclamou ela, olhando para a mãe – adorei! Vou querer todos os dias!
     Artemis parecia que tinha aprovado também, pois comia com quase a mesma velocidade que a filha. Finalmente, Luna resolveu tomar a sua parte, e, para a sua própria surpresa, percebeu que tinha mesmo ficado delicioso!
     - Eu também quero! – disse a pequena princesa, com o olhar invejoso.
     - Você não vai gostar – disse sua irmã, com um sorriso de ironia – isso não é para seres humanos...
     - EU QUERO! – insistiu ela.
     - Mas como é mimada!
     - Você também era – disse Diana de boca cheia.
     - Diana – chamou Luna com paciência – engula antes de falar.
     - Desculpa – disse ela, logicamente, engolindo a comida antes.
     - Tá bom – disse a princesa Serena com um sorriso de malandra – você quer, certo? Vou te dar um pouco.
     Ela pegou uma colherada do prato de Artemis e entregou para a sua irmã, que, com gula, enfiou na boca e começou a mastigar. Logo depois, começou a olhar com uma cara de nojo, desesperada ao sentir o real gosto daquilo...
     - Não suje a mesa! – disse a rainha, um pouco divertida.
     Sereninha saiu correndo, provavelmente em direção a pia, para cuspir aquilo. Todos acabaram dando risada, menos Diana, que provavelmente não sabia o porque de sua pequena amiga não gostar daquela delícia.
     - Bom dia – disse o rei chegando junto com a atual convidada do palácio, Hotaru, ao seu lado – ora, ora... alguma reunião especial?
     - Apenas – disse Luna sorrindo para a filha – um dia em família. Entre duas famílias – completou.
     - Mãe... não estou reclamando, mas... porque tudo isso? Pensei que ia ficar brava comigo...
     - Filha – disse com os olhos tremendo – ontem, quando você sumiu... eu... eu... – fez um esforço, e conseguiu conter as lágrimas – pensei muitas coisas. Coisas terríveis, e que não podia evitar de pensar. A pior delas, foi... foi a de perde-la. Eu não iria suportar isso... não ia mesmo. Você não só é minha única filha, minha filhotinha favorita... mas... é minha maior alegria. Foi a luz que deu um sentido novo a minha vida, embora nunca tivesse percebido isso direito, até ontem.
     Olhou para ela e percebeu que, também, seus olhos estavam se enchendo de lágrimas.
     - Eu também percebi que você não será minha filhotinha para sempre... está crescendo, aprendendo, ganhando experiência com a vida, ficando adulta. E... perder a chance de poder participar um pouquinho desta sua fase... seria uma grande tolice da minha parte. E uma grande injustiça para com você. Já faz anos desde que a abracei pela última vez, e décadas desde que fomos passear juntas. Ando deixando você um pouco de lado, filha... e isso não é justo. Nem para com você... nem para comigo. Estou sendo egoísta, na verdade. Eu... eu...
     Ver os olhos de sua filha assim era demais para ela. Desistiu de ficar falando. Não precisava. Sua filha, e todos os presentes, entenderam o recado muito bem. Mesmo a Sereninha, depois de voltar da cozinha – onde fez vários bochechos, para tirar o gosto horrível da boca – ficou em silêncio ao observar a cena. A cena de Luna e Diana abraçadas, com Diana no colo de Luna, chorando silenciosamente. Um choro cheio de lágrimas de carinho, e de amor.
     - Então... não vai me castigar? – perguntou Diana, de uma forma um tanto sapeca.
     - Já que deseja tanto...
     - Hã?
     - Isso mesmo, você quer ser castigada, portanto, será castigada. Está proibida de usar as suas roupas até o fim do ano. Hoje a noite, nós duas vamos juntas comprar roupas mais decentes para você.
     - Eu tinha que abrir a boca... – murmurou ela, ainda abraçada no seu colo. Luna apenas sorria, contente de sua filha estar com ela.
     - E eu aqui, sem uma holo-câmara – resmungou Hotaru, pronunciando-se pela primeira vez.


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